Daniel Oliveira. "A estratégia do PS é passar entre os pingos da chuva e ganhar tempo"

06-11-2019
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Depois das legislativas, Daniel Oliveira declarou abandonar qualquer militância partidária. Assume-se como comentador e jornalista com opinião política, acredita no seu contributo para causas, mas não retira nem prazer nem utilidade de continuar com o mesmo tipo de ativismo. Para ele, os tempos são negros e exigem políticas diferentes.

Acha que o governo está mais próximo do PCP e do Bloco ou de Marcelo Rebelo de Sousa?

A questão, aí, é onde está o prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Digamos que, normalmente, ele tem mais considerações táticas que ideológicas e políticas. Acho que o governo está tão próximo do Bloco e do PCP quanto as condicionantes externas e políticas permitem que esteja. E isso, o Bloco e o PCP sabiam-no. Acho que o papel de Marcelo tem sido o que é expectável que ele tivesse: ele não quer uma crise política. Até porque, pensa o prof. Marcelo e eu também estou de acordo, não há nenhuma alternativa a este governo. Desse ponto de vista, acho que a proximidade de Marcelo com este governo é maior mas circunstancial, e a proximidade do PS com o Bloco e com o PCP é menor que com Marcelo, mas no que é próximo não é circunstancial. Porque acho que há uma nova clivagem política, não só em Portugal como fora, que não permite olhar as clivagens que existiam entre o PS e os partidos à sua esquerda da mesma forma que olhávamos. Mudaram várias coisas em Portugal e na Europa que fazem com que o discurso do bloco central natural tenha perdido espaço. O resultado das primárias à esquerda no Partido Socialista Francês são sinal disso, como Corbyn é um sinal disso, como, numa realidade completamente diferente, nos EUA, significou a força que Bernie Sanders teve nas primárias democratas. Estamos a assistir a uma grande mudança no espaço da social-democracia.

Um regresso das ideias sociais-democratas, para ocupar o espaço deixado livre para os populismos?

Eu não sei se vai a tempo. Sou um otimista moderado nessa matéria. Não sei se esta mudança vai a tempo ou se é um último estertor dos desesperados do espaço da social-democracia europeia. Nos Estado Unidos é diferente, porque não há um último estertor, quanto muito, um primeiro ressurgimento. Mas não sei se, na Europa, a tentativa de recuperar a social-democracia vem a tempo, com tudo o que se fez no domínio da construção europeia que, na prática, ilegaliza a social-democracia, com aquilo que aconteceu aos próprios partidos trabalhistas e sociais-democratas e com o grau de descrença das pessoas com o sistema e com a própria democracia. Nós somos muito paroquiais na análise política, é impossível perceber a opção que António Costa fez olhando apenas para as questões táticas, não percebendo que há uma alteração mais geral.

Leia mais na edição impressa do i

Depois das legislativas, Daniel Oliveira declarou abandonar qualquer militância partidária. Assume-se como comentador e jornalista com opinião política, acredita no seu contributo para causas, mas não retira nem prazer nem utilidade de continuar com o mesmo tipo de ativismo. Para ele, os tempos são negros e exigem políticas diferentes.

Acha que o governo está mais próximo do PCP e do Bloco ou de Marcelo Rebelo de Sousa?

A questão, aí, é onde está o prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Digamos que, normalmente, ele tem mais considerações táticas que ideológicas e políticas. Acho que o governo está tão próximo do Bloco e do PCP quanto as condicionantes externas e políticas permitem que esteja. E isso, o Bloco e o PCP sabiam-no. Acho que o papel de Marcelo tem sido o que é expectável que ele tivesse: ele não quer uma crise política. Até porque, pensa o prof. Marcelo e eu também estou de acordo, não há nenhuma alternativa a este governo. Desse ponto de vista, acho que a proximidade de Marcelo com este governo é maior mas circunstancial, e a proximidade do PS com o Bloco e com o PCP é menor que com Marcelo, mas no que é próximo não é circunstancial. Porque acho que há uma nova clivagem política, não só em Portugal como fora, que não permite olhar as clivagens que existiam entre o PS e os partidos à sua esquerda da mesma forma que olhávamos. Mudaram várias coisas em Portugal e na Europa que fazem com que o discurso do bloco central natural tenha perdido espaço. O resultado das primárias à esquerda no Partido Socialista Francês são sinal disso, como Corbyn é um sinal disso, como, numa realidade completamente diferente, nos EUA, significou a força que Bernie Sanders teve nas primárias democratas. Estamos a assistir a uma grande mudança no espaço da social-democracia.

Um regresso das ideias sociais-democratas, para ocupar o espaço deixado livre para os populismos?

Eu não sei se vai a tempo. Sou um otimista moderado nessa matéria. Não sei se esta mudança vai a tempo ou se é um último estertor dos desesperados do espaço da social-democracia europeia. Nos Estado Unidos é diferente, porque não há um último estertor, quanto muito, um primeiro ressurgimento. Mas não sei se, na Europa, a tentativa de recuperar a social-democracia vem a tempo, com tudo o que se fez no domínio da construção europeia que, na prática, ilegaliza a social-democracia, com aquilo que aconteceu aos próprios partidos trabalhistas e sociais-democratas e com o grau de descrença das pessoas com o sistema e com a própria democracia. Nós somos muito paroquiais na análise política, é impossível perceber a opção que António Costa fez olhando apenas para as questões táticas, não percebendo que há uma alteração mais geral.

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