a-sul: DOS TEXTOS DA CONFERÊNCIA DA MOITA 1

20-05-2009
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Pela sua importância vamos dar aqui destaque, nos próximos dias aos textos apresentados e às intervenções mais importantes na Conferência da Moita, para memória futura." Mais-valias: quem as gera e quem as captura? Agentes e comportamentos" foi o tema apresentado pelo Engenheiro José Carlos GuinoteSe queremos falar de Política de Solos e de Mais-Valias devemos talvez começar por revisitar a Lei de Bases do Urbanismo, Lei 48/98 e o Decreto-Lei nº 380/99 revisto pelo Decreto-Lei nº 310/2003 e tentar perceber a importância que ela ocupa no arquitectura do nosso sistema de planeamento territorial.A Lei 48/98, no seu art. 16º, ponto 1, determina expressamente que a “A Administração Pública tem o dever de proceder à execução coordenada e programada dos instrumentos de planeamento territorial, recorrendo aos meios de política de solos que vierem a ser estabelecidos na lei” explicitando no ponto 2 que esses meios devem incluir “modos de aquisição ou disponibilização de terrenos e mecanismos de transformação fundiária e formas de parceria ou contratualização, que incentivem a concertação dos diversos interesses”.(...) No Decreto-Lei nº 380/99, logo no seu preâmbulo, afirma-se que se estabelecem igualmente “instrumentos operacionais necessários à programação da execução dos planos (...)No entanto, constatamos que o conjunto dos 160 artigos do Decreto-Lei nº 380/99 não faz qualquer referência suplementar às questões da política de solos e que a regulamentação complementar muitas vezes referida ao longo do Decreto nunca foi elaborada.(...)Recentemente a Agência Europeia do Ambiente veio alertar para o facto de Portugal ser o País da Europa com a maior área do seu Litoral ocupada com construção. Isto aconteceu alguns meses depois de se ter feito sentir uma intensa pressão sobre o Governo, bem sucedida diga-se, no sentido de agilizar a aprovação de projectos turísticos para o Litoral (...)O Governo aprovou um pacote legislativo, no último mês e meio, que visa agilizar os processos de licenciamento e de planeamento territorial e criar um regime jurídico especial para os Projectos de Interesse Nacional de "Importância Estratégica"» os famigerados, digo eu, projectos PIN. Em tese, os usos urbanos só são permitidos dentro dos perímetros urbanos, com excepção daqueles que se situam fora por razões imperativas, como acontece com grandes infraestruturas de apoio à vida urbana. No entanto, todos somos confrontados com um conjunto cada vez maior de empreendimentos, com uma componente imobiliária similar à dos loteamentos urbanos, que se situam fora dos perímetros urbanos e, num número crescente de casos, em áreas abrangidas por regimes especiais de protecção da natureza. A autorização desses empreendimentos tem implícita uma mudança do uso do solo rústico para urbano e a consequente geração de significativas mais-valias simples.Mas, afinal, o que são as mais-valias simples? As mais-valias simples correspondem ao acréscimo de valor de um prédio em resultado da autorização de uma alteração de uso a nível administrativo para esse mesmo prédio, independentemente de qualquer intervenção ou mérito do proprietário. Resultam, sobretudo, da mudança de uso do solo rústico para urbano.(...)É o que acontece quando uma autarquia toma a decisão de integrar no seu perímetro urbano um determinado conjunto de solos rústicos.(...)É o que acontece, agora com inusitada frequência, quando da atribuição do estatuto de interesse público a um qualquer empreendimento por parte do Governo, viabilizando a sua concretização em terrenos rústicos e, inclusive, em terrenos abrangidos por regimes de protecção fixados no âmbito das políticas públicas de conservação da natureza. Falo dos projectos PIN. (...)É o que acontece, ainda, quando terrenos integrantes das reservas nacionais – agrícola e ecológica – são desafectados pelos anónimos, mas poderosos (5), integrantes das respectivas Comissões, possibilitando a sua urbanização. Milhares de hectares mudaram de uso por esta via, passando de rústicos para urbanos, ao longo dos últimos anos.(...)Para se perceber os valores que estão em jogo nesta questão das mais-valias simples associadas às mudanças de uso do solo rústico para urbano refira-se um pequeno exemplo.Uma propriedade rústica com 500 hectares pode ser adquirida em Portugal por um valor da ordem dos 7,5 milhões de euros. Caso seja autorizada a mudança de uso, bastará a urbanização – é disso que se trata na generalidade dos casos – de dois por cento da sua área, com um índice de construção de 0,5 para que sejam autorizados 50.000 metros quadrados de área de construção. Esta autorização corresponde, por exemplo, á possibilidade de construção de 140 moradias com 500 metros quadrados de área por lote e com 357 m2 de área de construção máxima permitida.Numa situação como esta o proprietário pode transmitir imediatamente a propriedade – sem realizar qualquer obra – apenas em consequência dos direitos de construção concedidos pela administração, por um valor de 21 milhões de euros (admitindo um valor de venda de 150.000 € por lote, um valor baixo para as condições actuais do Mercado sobretudo para lotes com as características referidas e em localizações próximas do litoral).Estamos perante uma mais valia de 13,5 milhões de euros resultado apenas de uma decisão da Administração e capturadas, na sua totalidade, pelos particulares.Claro que se a área a urbanizar fosse de 10% da propriedade existente – um valor muitas vezes ultrapassado - as mais valias subiriam para valores da ordem dos 97,5 milhões de euros. Nalguns casos no Litoral Alentejano a área urbanizada ocupa cerca de 20% da propriedade rústica. É o caso do empreendimento da Herdade do Pinheirinho, no concelho de Grândola, com uma área total de 800 hectares e com a área urbanizada a ascender aos 150 hectares. As mais-valias simples correntes podem oscilar, facilmente, entre quinze e vinte vezes o valor de aquisição da propriedade rústica, dependendo sempre da generosidade da Administração na delimitação das áreas a urbanizar.Em condições excepcionais em que a aquisição do solo se faz a preços muito baixos – quando os terrenos integram áreas classificadas ou quando o Estado os cede a um preço anormalmente baixo como aconteceu com a venda de parte da Companhia das Lezíria ao Grupo BES, no âmbito do processo Portucale/Vargem Fresca, pelo valor de 39 cêntimos o metro quadrado – e com localizações notáveis do ponto de vista paisagístico, as mais valias por podem corresponder a milhares de vezes os custos iniciais de aquisição da propriedade rústica.É o facto, surpreendente, da Administração abrir mão da totalidade das mais valias por si geradas – numa generosidade injustamente não reconhecida pelos seus detractores - que estimula a cada vez maior pressão dos usos urbanos sobre os terrenos rústicos e, em consequência, a pressão dos promotores sobre aqueles que, na Administração, têm o poder para decidir as indispensáveis mudanças de uso. É a mesma generosidade que justifica a pressão que os promotores colocam sobre os autarcas para alterar os usos dentro do uso urbano conseguindo autorizações para construir em terrenos que, à luz dos instrumentos de planeamento existentes, não são urbanizáveis - ou porque integram as áreas destinadas ao verde urbano ou destinadas a equipamentos colectivos - ou ultrapassando as severas restrições à edificabilidade. O iniludível crescimento da corrupção na interface entre urbanismo e imobiliário alimenta-se muito deste “caldo de cultura”. (...)O texto na íntegra desta intervenção encontra-se aqui (clique)

Pela sua importância vamos dar aqui destaque, nos próximos dias aos textos apresentados e às intervenções mais importantes na Conferência da Moita, para memória futura." Mais-valias: quem as gera e quem as captura? Agentes e comportamentos" foi o tema apresentado pelo Engenheiro José Carlos GuinoteSe queremos falar de Política de Solos e de Mais-Valias devemos talvez começar por revisitar a Lei de Bases do Urbanismo, Lei 48/98 e o Decreto-Lei nº 380/99 revisto pelo Decreto-Lei nº 310/2003 e tentar perceber a importância que ela ocupa no arquitectura do nosso sistema de planeamento territorial.A Lei 48/98, no seu art. 16º, ponto 1, determina expressamente que a “A Administração Pública tem o dever de proceder à execução coordenada e programada dos instrumentos de planeamento territorial, recorrendo aos meios de política de solos que vierem a ser estabelecidos na lei” explicitando no ponto 2 que esses meios devem incluir “modos de aquisição ou disponibilização de terrenos e mecanismos de transformação fundiária e formas de parceria ou contratualização, que incentivem a concertação dos diversos interesses”.(...) No Decreto-Lei nº 380/99, logo no seu preâmbulo, afirma-se que se estabelecem igualmente “instrumentos operacionais necessários à programação da execução dos planos (...)No entanto, constatamos que o conjunto dos 160 artigos do Decreto-Lei nº 380/99 não faz qualquer referência suplementar às questões da política de solos e que a regulamentação complementar muitas vezes referida ao longo do Decreto nunca foi elaborada.(...)Recentemente a Agência Europeia do Ambiente veio alertar para o facto de Portugal ser o País da Europa com a maior área do seu Litoral ocupada com construção. Isto aconteceu alguns meses depois de se ter feito sentir uma intensa pressão sobre o Governo, bem sucedida diga-se, no sentido de agilizar a aprovação de projectos turísticos para o Litoral (...)O Governo aprovou um pacote legislativo, no último mês e meio, que visa agilizar os processos de licenciamento e de planeamento territorial e criar um regime jurídico especial para os Projectos de Interesse Nacional de "Importância Estratégica"» os famigerados, digo eu, projectos PIN. Em tese, os usos urbanos só são permitidos dentro dos perímetros urbanos, com excepção daqueles que se situam fora por razões imperativas, como acontece com grandes infraestruturas de apoio à vida urbana. No entanto, todos somos confrontados com um conjunto cada vez maior de empreendimentos, com uma componente imobiliária similar à dos loteamentos urbanos, que se situam fora dos perímetros urbanos e, num número crescente de casos, em áreas abrangidas por regimes especiais de protecção da natureza. A autorização desses empreendimentos tem implícita uma mudança do uso do solo rústico para urbano e a consequente geração de significativas mais-valias simples.Mas, afinal, o que são as mais-valias simples? As mais-valias simples correspondem ao acréscimo de valor de um prédio em resultado da autorização de uma alteração de uso a nível administrativo para esse mesmo prédio, independentemente de qualquer intervenção ou mérito do proprietário. Resultam, sobretudo, da mudança de uso do solo rústico para urbano.(...)É o que acontece quando uma autarquia toma a decisão de integrar no seu perímetro urbano um determinado conjunto de solos rústicos.(...)É o que acontece, agora com inusitada frequência, quando da atribuição do estatuto de interesse público a um qualquer empreendimento por parte do Governo, viabilizando a sua concretização em terrenos rústicos e, inclusive, em terrenos abrangidos por regimes de protecção fixados no âmbito das políticas públicas de conservação da natureza. Falo dos projectos PIN. (...)É o que acontece, ainda, quando terrenos integrantes das reservas nacionais – agrícola e ecológica – são desafectados pelos anónimos, mas poderosos (5), integrantes das respectivas Comissões, possibilitando a sua urbanização. Milhares de hectares mudaram de uso por esta via, passando de rústicos para urbanos, ao longo dos últimos anos.(...)Para se perceber os valores que estão em jogo nesta questão das mais-valias simples associadas às mudanças de uso do solo rústico para urbano refira-se um pequeno exemplo.Uma propriedade rústica com 500 hectares pode ser adquirida em Portugal por um valor da ordem dos 7,5 milhões de euros. Caso seja autorizada a mudança de uso, bastará a urbanização – é disso que se trata na generalidade dos casos – de dois por cento da sua área, com um índice de construção de 0,5 para que sejam autorizados 50.000 metros quadrados de área de construção. Esta autorização corresponde, por exemplo, á possibilidade de construção de 140 moradias com 500 metros quadrados de área por lote e com 357 m2 de área de construção máxima permitida.Numa situação como esta o proprietário pode transmitir imediatamente a propriedade – sem realizar qualquer obra – apenas em consequência dos direitos de construção concedidos pela administração, por um valor de 21 milhões de euros (admitindo um valor de venda de 150.000 € por lote, um valor baixo para as condições actuais do Mercado sobretudo para lotes com as características referidas e em localizações próximas do litoral).Estamos perante uma mais valia de 13,5 milhões de euros resultado apenas de uma decisão da Administração e capturadas, na sua totalidade, pelos particulares.Claro que se a área a urbanizar fosse de 10% da propriedade existente – um valor muitas vezes ultrapassado - as mais valias subiriam para valores da ordem dos 97,5 milhões de euros. Nalguns casos no Litoral Alentejano a área urbanizada ocupa cerca de 20% da propriedade rústica. É o caso do empreendimento da Herdade do Pinheirinho, no concelho de Grândola, com uma área total de 800 hectares e com a área urbanizada a ascender aos 150 hectares. As mais-valias simples correntes podem oscilar, facilmente, entre quinze e vinte vezes o valor de aquisição da propriedade rústica, dependendo sempre da generosidade da Administração na delimitação das áreas a urbanizar.Em condições excepcionais em que a aquisição do solo se faz a preços muito baixos – quando os terrenos integram áreas classificadas ou quando o Estado os cede a um preço anormalmente baixo como aconteceu com a venda de parte da Companhia das Lezíria ao Grupo BES, no âmbito do processo Portucale/Vargem Fresca, pelo valor de 39 cêntimos o metro quadrado – e com localizações notáveis do ponto de vista paisagístico, as mais valias por podem corresponder a milhares de vezes os custos iniciais de aquisição da propriedade rústica.É o facto, surpreendente, da Administração abrir mão da totalidade das mais valias por si geradas – numa generosidade injustamente não reconhecida pelos seus detractores - que estimula a cada vez maior pressão dos usos urbanos sobre os terrenos rústicos e, em consequência, a pressão dos promotores sobre aqueles que, na Administração, têm o poder para decidir as indispensáveis mudanças de uso. É a mesma generosidade que justifica a pressão que os promotores colocam sobre os autarcas para alterar os usos dentro do uso urbano conseguindo autorizações para construir em terrenos que, à luz dos instrumentos de planeamento existentes, não são urbanizáveis - ou porque integram as áreas destinadas ao verde urbano ou destinadas a equipamentos colectivos - ou ultrapassando as severas restrições à edificabilidade. O iniludível crescimento da corrupção na interface entre urbanismo e imobiliário alimenta-se muito deste “caldo de cultura”. (...)O texto na íntegra desta intervenção encontra-se aqui (clique)

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