Algibeira: Semen est verbum Dei

04-07-2009
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fotografia de AntonioTrinta e quatro anos depois da revolução de Abril o quadro politico-partidário não é animador. A Direita continua manietada pela Constituição de 1976, com o eleitorado mais à direita que os militantes do partido que a representa no parlamento e com esse mesmo partido à esquerda das suas bases. O Centro-Direita apresenta-se fraccionado e em plena revolução interna. O Centro-Esquerda, no governo e pela primeira vez com maioria absoluta, demonstra um autismo preocupante face ao país em geral e às sua própria base eleitoral, parecendo que quer aproveitar esta maioria absoluta, com a convicção que nunca mais o eleitorado lhe dará outra, para brincar aos governos, afastando-se cada vez mais do país que governa. A Esquerda ortodoxa encontra-se completamente anquilosada na sua ortodoxia ultrapassada, mostrando-se incapaz de se renovar. A Esquerda folclórica, consciente do seu peso, very light, é um saco de medidas avulsas, uma espécie de ementa de uma loja de fastfood. Perante este cenário não é de admirar que nunca desde 1974 os partidos políticos estiveram tão distantes dos cidadãos. O Sr. Presidente da República avisou, de novo, os partidos políticos para este “estado do sítio”, recorrendo a números, ou não fosse o Sr. Presidente Economista por formação académica. Era bom que os partidos políticos em vez de olharem para o seu umbigo, assobiarem para o lado ou colocarem a responsabilidade nos ombros dos outros reflectissem sobre o afastamento dos cidadãos e tomassem medidas que permitissem um maior envolvimento do país na política, através dos partidos, designadamente procurando chamar para a actividade política os “homens bons”, aqueles que demonstram capacidade de gestão, credibilidade, génio, empreendedorismo e visão nas suas actividades profissionais ao invés de os afastar da política. Para tal deverão os actuais políticos dignificar a actividade política quer pelos seus próprios actos quer pelo expurgar dos complexos provincianos que levam, por exemplo, à baixa remuneração do exercício de cargos políticos. Quem tem sucesso na sua actividade profissional não vai sujeitar-se a perder dinheiro pela vaidade de ser político, até porque a essa “vaidade” se colam cada vez mais as suspeitas de corrupção e tráfico de influências. Remunere-se convenientemente o execício de cargos políticos antes que aqueles que demonstram excelência no exercício das suas funções saiam do Estado. Qualquer dia um cargo burocrático num outro país torna-se mais atractivo que ser primeiro-ministro em Portugal e ainda nos arriscamos a ter como primeiro-ministro alguém com um perfil académico e profissional paupérrimo a quem ninguém compraria um carro em segunda mão.Fosse eu conselheiro do Sr. Presidente da República e ter-lhe-ia sugerido que, em vez de números, tivessem sido oferecidos aos senhores políticos exemplares do Sermão da Sexagésima, de Padre António Vieira, numa edição explicada e profusamente anotada de modo a que percebessem bem a lição do Autor.Muitos pregadores há que vivem do que não colheram e semeiam o que não trabalharam. Depois da sentença de Adão, a terra não costuma dar fruto, senão a quem come o seu pão com o suor do seu rosto. Boa razão parece também esta. O pregador há-de pregar o seu, e não o alheio. Por isso diz Cristo que semeou o lavrador do Evangelho o trigo seu: Semen suum. Semeou o seu, e não o alheio, porque o alheio e, o furtado não é bom para semear, ainda que o furto seja de ciência. Comeu Eva o pomo da ciência, e queixava-me eu antigamente desta nossa mãe; já que comeu o pomo, por que lhe não guardou as pevides? Não seria bem que chegasse a nós a árvore, já que nos chegaram os encargos dela? Pois por que não o fez assim Eva? Porque o pomo era furtado, e o alheio é bom para comer, mas não é bom para semear: é bom para comer, porque dizem que é saboroso; não é bom para semear, porque não nasce. Alguém terá experimentado que o alheio lhe nasce em casa, mas esteja certo, que se nasce, não há-de deitar raízes, e o que não tem raízes não pode dar fruto. Eis aqui por que muitos pregadores não fazem fruto; porque pregam o alheio, e não o seu: Semen suum. O pregar é entrar em batalha com os vícios; e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles, a ninguém deram vitória. Quando David saiu a campo com o gigante, ofereceu-lhe Saul as suas armas, mas ele não as quis aceitar. Com armas alheias ninguém pode vencer, ainda que seja David. As armas de Saul só servem a Saul, e as de David a David; e mais aproveita um cajado e uma funda própria, que a espada e a lança alheia. Pregador que peleja com as armas alheias, não hajais medo que derrube gigante.Fez Cristo aos Apóstolos pescadores de homens, que foi ordená-los de pregadores; e que faziam os Apóstolos? Diz o texto que estavam: Reficientes retia sua: «Refazendo as redes suas; eram as redes dos Apóstolos, e não eram alheias. Notai: Retia sua: Não diz que eram suas porque as compraram, senão que eram suas porque as faziam; não eram suas porque lhes custaram o seu dinheiro, senão porque lhes custavam o seu trabalho. Desta maneira eram as redes suas; e porque desta maneira eram suas, por isso eram redes de pescadores que haviam de pescar homens. Com redes alheias, ou feitas por mão alheia, podem-se pescar peixes, homens não se podem pescar. A razão disto é porque nesta pesca de entendimentos só quem sabe fazer a rede sabe fazer o lanço. Como se faz uma rede? Do fio e do nó se compõe a malha; quem não enfia nem ata, como há-de fazer rede? E quem não sabe enfiar nem sabe atar, como há-de pescar homens? A rede tem chumbada que vai ao fundo, e tem cortiça que nada em cima da água. A pregação tem umas coisas de mais peso e de mais fundo, e tem outras mais superficiais e mais leves; e governar o leve e o pesado, só o sabe fazer quem faz a rede. Na boca de quem não faz a pregação, até o chumbo é cortiça.As razões não hão-de ser enxertadas, hão-de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento.Padre António Vieiraexcerto da parte VII do Sermão da SexagésimaArcangelo Corelli - La FoliaConcerto para Viola de Gamba, Tripla Harpa, Guitarra e Castanholas


fotografia de AntonioTrinta e quatro anos depois da revolução de Abril o quadro politico-partidário não é animador. A Direita continua manietada pela Constituição de 1976, com o eleitorado mais à direita que os militantes do partido que a representa no parlamento e com esse mesmo partido à esquerda das suas bases. O Centro-Direita apresenta-se fraccionado e em plena revolução interna. O Centro-Esquerda, no governo e pela primeira vez com maioria absoluta, demonstra um autismo preocupante face ao país em geral e às sua própria base eleitoral, parecendo que quer aproveitar esta maioria absoluta, com a convicção que nunca mais o eleitorado lhe dará outra, para brincar aos governos, afastando-se cada vez mais do país que governa. A Esquerda ortodoxa encontra-se completamente anquilosada na sua ortodoxia ultrapassada, mostrando-se incapaz de se renovar. A Esquerda folclórica, consciente do seu peso, very light, é um saco de medidas avulsas, uma espécie de ementa de uma loja de fastfood. Perante este cenário não é de admirar que nunca desde 1974 os partidos políticos estiveram tão distantes dos cidadãos. O Sr. Presidente da República avisou, de novo, os partidos políticos para este “estado do sítio”, recorrendo a números, ou não fosse o Sr. Presidente Economista por formação académica. Era bom que os partidos políticos em vez de olharem para o seu umbigo, assobiarem para o lado ou colocarem a responsabilidade nos ombros dos outros reflectissem sobre o afastamento dos cidadãos e tomassem medidas que permitissem um maior envolvimento do país na política, através dos partidos, designadamente procurando chamar para a actividade política os “homens bons”, aqueles que demonstram capacidade de gestão, credibilidade, génio, empreendedorismo e visão nas suas actividades profissionais ao invés de os afastar da política. Para tal deverão os actuais políticos dignificar a actividade política quer pelos seus próprios actos quer pelo expurgar dos complexos provincianos que levam, por exemplo, à baixa remuneração do exercício de cargos políticos. Quem tem sucesso na sua actividade profissional não vai sujeitar-se a perder dinheiro pela vaidade de ser político, até porque a essa “vaidade” se colam cada vez mais as suspeitas de corrupção e tráfico de influências. Remunere-se convenientemente o execício de cargos políticos antes que aqueles que demonstram excelência no exercício das suas funções saiam do Estado. Qualquer dia um cargo burocrático num outro país torna-se mais atractivo que ser primeiro-ministro em Portugal e ainda nos arriscamos a ter como primeiro-ministro alguém com um perfil académico e profissional paupérrimo a quem ninguém compraria um carro em segunda mão.Fosse eu conselheiro do Sr. Presidente da República e ter-lhe-ia sugerido que, em vez de números, tivessem sido oferecidos aos senhores políticos exemplares do Sermão da Sexagésima, de Padre António Vieira, numa edição explicada e profusamente anotada de modo a que percebessem bem a lição do Autor.Muitos pregadores há que vivem do que não colheram e semeiam o que não trabalharam. Depois da sentença de Adão, a terra não costuma dar fruto, senão a quem come o seu pão com o suor do seu rosto. Boa razão parece também esta. O pregador há-de pregar o seu, e não o alheio. Por isso diz Cristo que semeou o lavrador do Evangelho o trigo seu: Semen suum. Semeou o seu, e não o alheio, porque o alheio e, o furtado não é bom para semear, ainda que o furto seja de ciência. Comeu Eva o pomo da ciência, e queixava-me eu antigamente desta nossa mãe; já que comeu o pomo, por que lhe não guardou as pevides? Não seria bem que chegasse a nós a árvore, já que nos chegaram os encargos dela? Pois por que não o fez assim Eva? Porque o pomo era furtado, e o alheio é bom para comer, mas não é bom para semear: é bom para comer, porque dizem que é saboroso; não é bom para semear, porque não nasce. Alguém terá experimentado que o alheio lhe nasce em casa, mas esteja certo, que se nasce, não há-de deitar raízes, e o que não tem raízes não pode dar fruto. Eis aqui por que muitos pregadores não fazem fruto; porque pregam o alheio, e não o seu: Semen suum. O pregar é entrar em batalha com os vícios; e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles, a ninguém deram vitória. Quando David saiu a campo com o gigante, ofereceu-lhe Saul as suas armas, mas ele não as quis aceitar. Com armas alheias ninguém pode vencer, ainda que seja David. As armas de Saul só servem a Saul, e as de David a David; e mais aproveita um cajado e uma funda própria, que a espada e a lança alheia. Pregador que peleja com as armas alheias, não hajais medo que derrube gigante.Fez Cristo aos Apóstolos pescadores de homens, que foi ordená-los de pregadores; e que faziam os Apóstolos? Diz o texto que estavam: Reficientes retia sua: «Refazendo as redes suas; eram as redes dos Apóstolos, e não eram alheias. Notai: Retia sua: Não diz que eram suas porque as compraram, senão que eram suas porque as faziam; não eram suas porque lhes custaram o seu dinheiro, senão porque lhes custavam o seu trabalho. Desta maneira eram as redes suas; e porque desta maneira eram suas, por isso eram redes de pescadores que haviam de pescar homens. Com redes alheias, ou feitas por mão alheia, podem-se pescar peixes, homens não se podem pescar. A razão disto é porque nesta pesca de entendimentos só quem sabe fazer a rede sabe fazer o lanço. Como se faz uma rede? Do fio e do nó se compõe a malha; quem não enfia nem ata, como há-de fazer rede? E quem não sabe enfiar nem sabe atar, como há-de pescar homens? A rede tem chumbada que vai ao fundo, e tem cortiça que nada em cima da água. A pregação tem umas coisas de mais peso e de mais fundo, e tem outras mais superficiais e mais leves; e governar o leve e o pesado, só o sabe fazer quem faz a rede. Na boca de quem não faz a pregação, até o chumbo é cortiça.As razões não hão-de ser enxertadas, hão-de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento.Padre António Vieiraexcerto da parte VII do Sermão da SexagésimaArcangelo Corelli - La FoliaConcerto para Viola de Gamba, Tripla Harpa, Guitarra e Castanholas

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