Algibeira: PALADAR

03-10-2009
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O que sabemos sobre as abelhas? Algumas noções básicas fornecidas nas escolas, e olhe lá. E, no entanto, uma abelha contém em si mesma o universo inteiro; é o pórtico entre o que conhecemos e tudo o que falta por descobrir.Por outro lado, as abelhas são o símbolo da organização. Já uma abelha sozinha é assim como um soldado isolado ou perdido na guerra, se me permitem a comparação. Ora, a abelha da nossa história trabalhava com afinco, o que não chega a ser original, pois a faina constante é costume entre as nossas amigas. Carregava muito pólen para os favos de mel, a acompanhar o ritmo frenético das suas companheiras. Porém, cedo sobreveio uma preocupação, pois que a abelha-rainha não lhe dava a mesma atenção que às demais. Assim, redobrou o esforço, pensando com isso obter as boas graças da detentora da monarquia da colmeia. Entre um favo de mel e outro, a nossa abelhinha plebeia reparou na razão da sua desdita. O zangão mostrava-se muito afoito e alvoraçado quando ela surgia. Preocupada com o triângulo amoroso se esboçava (ou esvoaçava), a abelha implorou: - Senhor abelhão: agradeço-lhe que me deixe em paz. Logo a abelha-rainha mandará chamá-lo para cumprir o ciclo da fecundidade. Reconheço que simpatizo consigo mas, como sabe, entre nós o romance é impossível. O seu destino é fecundar a abelha-rainha e perecer depois. é da natureza, é da vida. Assim, agradeço-lhe que me esqueça, para o meu bem e de todas as minhas colegas. O abelhão, vespão, zangão ou abegão (podem escolher pois é tudo a mesma coisa) ouviu a conversa mas não se deixou sensibilizar. Ele bem sabia que, depois de fecundar a abelha-rainha, o seu destino seria a morte. Só que não estava para aí virado. Assim, logo depois do poético arrebol, pegou a abelhinha pela perna e os dois saíram da colmeia, a voar para uma nova vida, feita de eterna lua de mel (pólen para isso é que não ia faltar). Sem o zangão, e à falta de outro, a rainha definhou e, consequentemente, a colmeia entrou em decadência. Quanto ao casal transfuga, escusado será dizer que não tiveram filhos. Mas uma abelha que não chegou a ser mestra e um zangão que escolheu o seu próprio destino, sempre acabam por encontrar novas motivações na vida, não é mesmo? Enquanto existiram flores no mundo, abelhas e zangões, a exemplo dos velhos filmes de Hollywood, sempre haverá a esperança de uma vida doce e feliz. É ou não é fabuloso?Moral: No doce matriarcado das abelhas, o triângulo amoroso azeda toda a colmeia. José Alberto Bragain "Fábulas Imorais", Pergaminho, 1995


O que sabemos sobre as abelhas? Algumas noções básicas fornecidas nas escolas, e olhe lá. E, no entanto, uma abelha contém em si mesma o universo inteiro; é o pórtico entre o que conhecemos e tudo o que falta por descobrir.Por outro lado, as abelhas são o símbolo da organização. Já uma abelha sozinha é assim como um soldado isolado ou perdido na guerra, se me permitem a comparação. Ora, a abelha da nossa história trabalhava com afinco, o que não chega a ser original, pois a faina constante é costume entre as nossas amigas. Carregava muito pólen para os favos de mel, a acompanhar o ritmo frenético das suas companheiras. Porém, cedo sobreveio uma preocupação, pois que a abelha-rainha não lhe dava a mesma atenção que às demais. Assim, redobrou o esforço, pensando com isso obter as boas graças da detentora da monarquia da colmeia. Entre um favo de mel e outro, a nossa abelhinha plebeia reparou na razão da sua desdita. O zangão mostrava-se muito afoito e alvoraçado quando ela surgia. Preocupada com o triângulo amoroso se esboçava (ou esvoaçava), a abelha implorou: - Senhor abelhão: agradeço-lhe que me deixe em paz. Logo a abelha-rainha mandará chamá-lo para cumprir o ciclo da fecundidade. Reconheço que simpatizo consigo mas, como sabe, entre nós o romance é impossível. O seu destino é fecundar a abelha-rainha e perecer depois. é da natureza, é da vida. Assim, agradeço-lhe que me esqueça, para o meu bem e de todas as minhas colegas. O abelhão, vespão, zangão ou abegão (podem escolher pois é tudo a mesma coisa) ouviu a conversa mas não se deixou sensibilizar. Ele bem sabia que, depois de fecundar a abelha-rainha, o seu destino seria a morte. Só que não estava para aí virado. Assim, logo depois do poético arrebol, pegou a abelhinha pela perna e os dois saíram da colmeia, a voar para uma nova vida, feita de eterna lua de mel (pólen para isso é que não ia faltar). Sem o zangão, e à falta de outro, a rainha definhou e, consequentemente, a colmeia entrou em decadência. Quanto ao casal transfuga, escusado será dizer que não tiveram filhos. Mas uma abelha que não chegou a ser mestra e um zangão que escolheu o seu próprio destino, sempre acabam por encontrar novas motivações na vida, não é mesmo? Enquanto existiram flores no mundo, abelhas e zangões, a exemplo dos velhos filmes de Hollywood, sempre haverá a esperança de uma vida doce e feliz. É ou não é fabuloso?Moral: No doce matriarcado das abelhas, o triângulo amoroso azeda toda a colmeia. José Alberto Bragain "Fábulas Imorais", Pergaminho, 1995

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