Professoras Desesperadas: Educadoras de infância obrigadas a devolver dinheiro ao Estado

02-07-2009
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Odete Vicente, educadora de infância, diz-se "de pés e mãos atadas". Recebeu esta semana ordem para devolver, em 20 prestações mensais de mais de 760 euros, o dinheiro que, em 2003, o Estado lhe pagou em retroactivos - para corrigir uma omissão na lei e a compensar pelo tempo de serviço prestado. "Com o marido hospitalizado, a filha na universidade, as prestações do carro e da casa e o casamento do filho à porta", não sabe como será o futuro. E lamenta: "O erro não foi meu."Odete, 50 anos, é uma das cerca de 20 educadoras de infância que receberam esta semana a ordem da Direcção-Geral do Orçamento (DGO). Segundo Filipe Eusébio, o advogado que representa Odete Vicente e outras 14 pessoas em situação idêntica, trata-se de uma acção "escandalosa", em que "o Estado está a tirar o que elas receberam de forma legítima" há três anos. Por isso, a equipa de causídicos vai avançar com uma providência cautelar que suspenda a decisão das Finanças.A situação é no mínimo curiosa, tendo em conta que o Parlamento aprovou no fim de 2005 uma lei que visa, precisamente, clarificar as omissões geradas pelo diploma de 2001, cuja interpretação levou ao pagamento dos rectroactivos.Para se perceber a história é preciso recuar ao final dos anos 70, quando havia muitos monitores, auxiliares de educação e ajudantes de creche - como Odete -, a desempenhar funções pedagógicas que, na prática, eram idênticas às dos educadores de infância. Fizeram então os Cursos de Promoção a Educador de Infância, destinados a permitir a sua integração na carreira. A contagem do tempo de serviço destes profissionais, antes do curso, para progressão na carreira, foi reconhecida pela lei de 2001. Mas o texto só se referia aos que antes eram "auxiliares de educação". E esquecia as outras categorias, como a de Odete.Com a questão longe de consensual, o Executivo da altura chegou a dar indicações para que houvesse uma interpretação "extensiva" da lei, de modo a abranger todas as categorias - já que, na prática, se tratava de situações idênticas.E a orientação chegou a ser seguida por algumas direcções regionais de educação (pelo menos do Centro e Lisboa, segundo Filipe Eusébio): em 2003, as DRE subiram de escalão cerca de 50 educadoras de infância - que antes tinham as tais categorias omissas na lei - e pagaram, com efeitos retroactivos, o que tinham direito desde 1 de Janeiro de 2002 (quando entrou em vigor o diploma de 2001). Nalguns casos, a quantia chegou a 15 mil euros.O problema foi que, pouco tempo depois, a Secretaria de Estado da Educação teve um entendimento diferente: voltou a descê-las de escalão e a DGO mandou devolver o dinheiro. Algumas pessoas fizeram-no. Outras, como Odete, recorreram aos advogados. O processo foi então suspenso pelasFinanças até que o Parlamento clarificasse o âmbito da lei de 2001 - o que só aconteceu em Dezembro. Ou assim se esperava.Este novo diploma - 59/2005 - veio permitir que as mais de 300 educadoras que fizeram os cursos de promoção - incluindo aquelas cujas categorias haviam sido esquecidas pela lei de 2001 - transitassem de escalão a partir de Janeiro deste ano. Mas nada veio dizer sobre o dinheiro que o Estado pagou em 2003.Cinco anos, duas leis e três governos após o primeiro diploma legal, a história continua por resolver.Joaquina Concruta, directora da delegação da área da educação na DGO, explica que é precisamente pelo facto de a nova lei nada referir quanto aos retroactivos que o Ministério das Finanças teve que reabrir o processo suspenso em 2003. Ao DN a responsável conta que houve este mês um pedido do Ministério da Educação "para que a dívida fosse perdoada", mas o das Finanças decidiu não o fazer, porque "seria injusto para quem chegou a devolver o dinheiro recebido". A directora admite que "houve um erro administrativo de interpretação da lei" há três anos, mas que esperava que a lei de 2005 o clarificasse. Como, na leitura da DGO, isso não aconteceu, duvida que as Finanças voltem atrás.Uma visão que não convence as educadoras nem a deputada socialista Isabel Coutinho, que acompanhou a elaboração da lei 59/2005. Ouvida pelo DN, considerou toda esta situação "lamentável" e "sem sentido". No seu entender, a nova lei "é uma vitória", porque "veio esclarecer as dúvidas e reforçar a razão dos que se diziam injustiçados". Por isso lhe parece "evidente" que nunca deveria ser pedido às pessoas que devolvessem o dinheiro que receberam pelo tempo de serviço que, em última análise, o diploma lhes vem reconhecer. Mas promete diligências para tentar inverter o cenário.

Odete Vicente, educadora de infância, diz-se "de pés e mãos atadas". Recebeu esta semana ordem para devolver, em 20 prestações mensais de mais de 760 euros, o dinheiro que, em 2003, o Estado lhe pagou em retroactivos - para corrigir uma omissão na lei e a compensar pelo tempo de serviço prestado. "Com o marido hospitalizado, a filha na universidade, as prestações do carro e da casa e o casamento do filho à porta", não sabe como será o futuro. E lamenta: "O erro não foi meu."Odete, 50 anos, é uma das cerca de 20 educadoras de infância que receberam esta semana a ordem da Direcção-Geral do Orçamento (DGO). Segundo Filipe Eusébio, o advogado que representa Odete Vicente e outras 14 pessoas em situação idêntica, trata-se de uma acção "escandalosa", em que "o Estado está a tirar o que elas receberam de forma legítima" há três anos. Por isso, a equipa de causídicos vai avançar com uma providência cautelar que suspenda a decisão das Finanças.A situação é no mínimo curiosa, tendo em conta que o Parlamento aprovou no fim de 2005 uma lei que visa, precisamente, clarificar as omissões geradas pelo diploma de 2001, cuja interpretação levou ao pagamento dos rectroactivos.Para se perceber a história é preciso recuar ao final dos anos 70, quando havia muitos monitores, auxiliares de educação e ajudantes de creche - como Odete -, a desempenhar funções pedagógicas que, na prática, eram idênticas às dos educadores de infância. Fizeram então os Cursos de Promoção a Educador de Infância, destinados a permitir a sua integração na carreira. A contagem do tempo de serviço destes profissionais, antes do curso, para progressão na carreira, foi reconhecida pela lei de 2001. Mas o texto só se referia aos que antes eram "auxiliares de educação". E esquecia as outras categorias, como a de Odete.Com a questão longe de consensual, o Executivo da altura chegou a dar indicações para que houvesse uma interpretação "extensiva" da lei, de modo a abranger todas as categorias - já que, na prática, se tratava de situações idênticas.E a orientação chegou a ser seguida por algumas direcções regionais de educação (pelo menos do Centro e Lisboa, segundo Filipe Eusébio): em 2003, as DRE subiram de escalão cerca de 50 educadoras de infância - que antes tinham as tais categorias omissas na lei - e pagaram, com efeitos retroactivos, o que tinham direito desde 1 de Janeiro de 2002 (quando entrou em vigor o diploma de 2001). Nalguns casos, a quantia chegou a 15 mil euros.O problema foi que, pouco tempo depois, a Secretaria de Estado da Educação teve um entendimento diferente: voltou a descê-las de escalão e a DGO mandou devolver o dinheiro. Algumas pessoas fizeram-no. Outras, como Odete, recorreram aos advogados. O processo foi então suspenso pelasFinanças até que o Parlamento clarificasse o âmbito da lei de 2001 - o que só aconteceu em Dezembro. Ou assim se esperava.Este novo diploma - 59/2005 - veio permitir que as mais de 300 educadoras que fizeram os cursos de promoção - incluindo aquelas cujas categorias haviam sido esquecidas pela lei de 2001 - transitassem de escalão a partir de Janeiro deste ano. Mas nada veio dizer sobre o dinheiro que o Estado pagou em 2003.Cinco anos, duas leis e três governos após o primeiro diploma legal, a história continua por resolver.Joaquina Concruta, directora da delegação da área da educação na DGO, explica que é precisamente pelo facto de a nova lei nada referir quanto aos retroactivos que o Ministério das Finanças teve que reabrir o processo suspenso em 2003. Ao DN a responsável conta que houve este mês um pedido do Ministério da Educação "para que a dívida fosse perdoada", mas o das Finanças decidiu não o fazer, porque "seria injusto para quem chegou a devolver o dinheiro recebido". A directora admite que "houve um erro administrativo de interpretação da lei" há três anos, mas que esperava que a lei de 2005 o clarificasse. Como, na leitura da DGO, isso não aconteceu, duvida que as Finanças voltem atrás.Uma visão que não convence as educadoras nem a deputada socialista Isabel Coutinho, que acompanhou a elaboração da lei 59/2005. Ouvida pelo DN, considerou toda esta situação "lamentável" e "sem sentido". No seu entender, a nova lei "é uma vitória", porque "veio esclarecer as dúvidas e reforçar a razão dos que se diziam injustiçados". Por isso lhe parece "evidente" que nunca deveria ser pedido às pessoas que devolvessem o dinheiro que receberam pelo tempo de serviço que, em última análise, o diploma lhes vem reconhecer. Mas promete diligências para tentar inverter o cenário.

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