Camel & Coca Cola: o remorso de baltazar serapião de valter hugo mãe

06-10-2009
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A BELA E O MONSTRO“Há a boca pisada de pedrase o remorsoé uma parede mordida pelo eco.”Jorge Melícias, “Iniciação ao Remorso” (epigrafe do romance)De valter hugo mãe já nos chegaram belíssimos livros de poesia, como são “livro de maldições”, “a cobrição das filhas”, “útero” ou “estou escondido na cor amarga do fim da tarde”. Enquanto sócio gerente da Quasi, foi responsável por antologias de poesia de, entre outros, Adília Lopes, Manoel de Barros, ou o “Repetir o Poema” de Isabel de Sá. No campo do romance, no entanto, a sua primeira incursão deu-se em 2004, com “o nosso reino”, e a segunda, em 2006, precisamente com “o remorso de baltazar serapião”, vencedor, em 2007, do Prémio José Saramago.Em traços muito gerais, este romance passa-se na Idade Média, e relata a história de baltazar serapião, filho de uma família famosa pelas alegadas ligações sexuais do patriarca com a vaca (Literalmente.) da família (a sarga, que vale á família essa alcunha). Baltazar apaixona-se por ermesinda e eventualmente, consegue casar-se sem ela. Fixo no exemplo do casamento dos pais, baltazar encara a mulher como uma criatura que ele cabe educar, para o servir da forma que ele quiser, não pensar em muita coisa, não falar muito, etc. A beleza da rapariga, no entanto, não passa despercebida a d. afonso, o senhor feudal, que lhe dá emprego. Baltazar não aprecia a ideia e começa a ficar obcecado com a ideia da mulher lhe ser infiel, o que o leva a, em nome do amor, lentamente começar a destruí-la."o vizinho do oitavo esquerdo" desenho de valter hugo mãeOra, com este tipo de premissa, era muito fácil construir um bom romance, mas talvez não fosse assim tão fácil construir um romance invulgar. No entanto, valter hugo mãe consegue ambas as coisas. E o que é invulgar? Muito simples: é um romance passado na Idade Média, mas não é um romance historicista. De facto, o que não há são datas, referências temporais de género algum. Há um modus vivendi que não poderia ser associado a qualquer época, uma organização e pensamento sociais que também não poderiam pertencer a outra época, e a própria linguagem remete-nos para o passado, numa reconstrução muito subtil da língua portuguesa.Outro aspecto importante é o clima místico que toma de assalto o livro a dada altura: de uma forma menos física, e mais fantasista, são-nos oferecidas algumas ideias mais surrealistas nas quais tropeçamos várias vezes na poesia de valter hugo mãe.Nas palavras de José Saramago, que subscrevo, “Este livro é um tsunami, não no sentido destrutivo, mas da força.”Veredicto: 19/20


A BELA E O MONSTRO“Há a boca pisada de pedrase o remorsoé uma parede mordida pelo eco.”Jorge Melícias, “Iniciação ao Remorso” (epigrafe do romance)De valter hugo mãe já nos chegaram belíssimos livros de poesia, como são “livro de maldições”, “a cobrição das filhas”, “útero” ou “estou escondido na cor amarga do fim da tarde”. Enquanto sócio gerente da Quasi, foi responsável por antologias de poesia de, entre outros, Adília Lopes, Manoel de Barros, ou o “Repetir o Poema” de Isabel de Sá. No campo do romance, no entanto, a sua primeira incursão deu-se em 2004, com “o nosso reino”, e a segunda, em 2006, precisamente com “o remorso de baltazar serapião”, vencedor, em 2007, do Prémio José Saramago.Em traços muito gerais, este romance passa-se na Idade Média, e relata a história de baltazar serapião, filho de uma família famosa pelas alegadas ligações sexuais do patriarca com a vaca (Literalmente.) da família (a sarga, que vale á família essa alcunha). Baltazar apaixona-se por ermesinda e eventualmente, consegue casar-se sem ela. Fixo no exemplo do casamento dos pais, baltazar encara a mulher como uma criatura que ele cabe educar, para o servir da forma que ele quiser, não pensar em muita coisa, não falar muito, etc. A beleza da rapariga, no entanto, não passa despercebida a d. afonso, o senhor feudal, que lhe dá emprego. Baltazar não aprecia a ideia e começa a ficar obcecado com a ideia da mulher lhe ser infiel, o que o leva a, em nome do amor, lentamente começar a destruí-la."o vizinho do oitavo esquerdo" desenho de valter hugo mãeOra, com este tipo de premissa, era muito fácil construir um bom romance, mas talvez não fosse assim tão fácil construir um romance invulgar. No entanto, valter hugo mãe consegue ambas as coisas. E o que é invulgar? Muito simples: é um romance passado na Idade Média, mas não é um romance historicista. De facto, o que não há são datas, referências temporais de género algum. Há um modus vivendi que não poderia ser associado a qualquer época, uma organização e pensamento sociais que também não poderiam pertencer a outra época, e a própria linguagem remete-nos para o passado, numa reconstrução muito subtil da língua portuguesa.Outro aspecto importante é o clima místico que toma de assalto o livro a dada altura: de uma forma menos física, e mais fantasista, são-nos oferecidas algumas ideias mais surrealistas nas quais tropeçamos várias vezes na poesia de valter hugo mãe.Nas palavras de José Saramago, que subscrevo, “Este livro é um tsunami, não no sentido destrutivo, mas da força.”Veredicto: 19/20

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