ambio: Incêndios e áreas protegidas (ou razão e emoção II)

20-05-2009
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Os fogos no dia 21 de Março. Repare-se na direcção das plumas e, já agora, na dimensão destas fogueirinhas de Primavera (cortesia do Paulo Fernandes que me mandou a imagem)Pedro Vieira tem uma série de posts sobre fogos e áreas protegidas aqui em que refere criticamente o facto das áreas protegidas arderem estatisticamente mais que o resto do território.José Manuel Fernandes pergunta no editorial do Público de hoje "Custa a perceber como a serra do Gerês voltou a arder com tanta facilidade quando ainda estamos em Março. ... Perderam-se árvores centenárias e muito raras, apesar de as chamas não terem atingido o coração da zona mais preciosa ... exige-se um inquérito à forma como está a ser gerida aquela área protegida...".O facto de arder estatisticamente mais nas áreas protegidas é normal e razoável, sobretudo neste caso em que os fogos estão quase todos concentrados a Norte do Douro, por uma razão: o que faz estas áreas serem protegidas é o que faz estas áreas arderem.Como o Pedro Vieira demonstra no seu livro sobre os incêndios, há mais fogos nas áreas com mais gente (porque há mais factores de ignição) mas há mais área ardida onde há menos gente (porque há mais factores de acumulação de combustível).É por isso normal e razoável que arda mais nas áreas protegidas.Discussão diferente, e bem mais interessante, é se, dentro das áreas protegidas, arde o que devia arder e não arde o que não devia arder, mas essa discussão fica para outra altura.Já o que diz José Manuel Fernandes, que além de ter mais informação que o comum dos cidadãos é biólogo de formação, me causa mais estranheza pela sua distorcidíssima noção da realidade.Eu bem sei que desde a última alteração gráfica do Público o boletim meteorológico que lá se publica é uma porcaria. Uns bonecos que reproduzem os bonecos do Instituto de Meteorologia mas sem toda a outra informação que é proporcionada pelo IM, nem sequer a previsão descritiva.Se José Manuel Fernandes tivesse perdido um bocadinho mais de tempo a olhar para a meteorologia não dizia que não se compreende porque arde, se estamos em Março. Teria visto com certeza humidades por volta dos 20%, mesmo às cinco da manhã pouco maiores. Teria visto velocidades do vento por volta do 20Kms/ hora (as rajadas teria de as ler descritas noutros lados, claro). Teria percebido que com dez dias de vento Leste (um interregno de dois dias que soube a pouco, para este efeito) o que arde é normal, seja em que época do ano for (já houve episódios destes em Dezembro, lembra o Paulo Fernandes o Outono de 2007, penso que em Novembro, com resultados semelhantes, tendo o Paulo o cuidado de sublinhar as diferenças, como sejam um longo período sem precipitação prévia ao episódio do Outono de 2007 em contraponto com as baixíssimas humidades atmosféricas deste episódio).O que não é normal é ter helicópteros pesados a despejar água nestes fogos. O que não é normal é tentar apagar estes fogos sem razões sérias para isso (pessoas, casas, infra-estruturas ou valores naturais sensíveis ao fogo, por exemplo). O que não é normal é o circo, incluindo mediático, à roda do assunto, com referências a árvores centenárias e muito raras, que gostaria muito de confirmar se arderam e onde (aquelas encostas sempre arderam, com ciclos de fogo muito mais curtos e estão a recuperar exactamente porque o ciclo do fogo se alargou, dando origem a fogos mais violentos mas mais espaçados).O que está a arder é o melhor que conseguimos fazer para evitar tragédias no Verão uma vez que nos demitimos de gerir devidamente o combustível que produzimos, criando emprego no mundo rural e garantindo um Portugal mais equilibrado económica e socialmente falando.Se este episódio meteorológico estivesse a ocorrer em Agosto posso garantir que estaríamos perante uma verdadeira tragédia (não tanto do ponto de vista de conservação mas sobretudo do ponto de vista social e da afectação dos dinheiros públicos).Há tantas razões sérias para fazer auditorias e inquéritos à gestão das áreas protegidas, por que razão escolher uma que é marginal para à gestão?Querem fazer auditorias e inquéritos a propósito dos fogos?Então que façam onde devem: aos dinheiros das políticas do mundo rural.Perguntem ao Ministério da Agricultura por que razão o PRODER afunda 11% do seu orçamento em Alqueva e deixa no mato sem cão os pastores e o mundo rural das serras e das áreas marginais de produção. Perguntem porque apoia mais a produção intensiva de azeite que a produção de biodiversidade. Perguntem por que razão impuseram as alterações que impuseram ao Plano Sectorial da Rede Natura, incluindo o desaparecimento de todas as referências ao seu financiamento, que já eram o mínimo dos mínimos: a transcrição do que está nos regulamentos comunitários.Não gostam de fogos, de todos os fogos? Eu não estou de acordo, mas se não gostam e querem arranjar responsáveis para a sua existência (para além de S. Pedro) então por favor dirijam-se ao Ministério da Agricultura, às políticas para o mundo rural e deixem em paz quem trabalha com as migalhas que sobram e ainda tem de explicar todos os dias, aos seus próprios dirigentes, que as migalhas para a biodiversidade não são dinheiro deitado fora.henrique pereira dos santos Adenda:Aqui vai o gráfico actualizado. Os sinais hoje são pouco encorajadores: diminuição da humidade atmosférica outra vez, aumento do vento, concentração dos fogos nas serras do Norte, o que quer dizer inevitavelmente áreas protegidas (neste caso sobretudo gerês e um pouco de outras)


Os fogos no dia 21 de Março. Repare-se na direcção das plumas e, já agora, na dimensão destas fogueirinhas de Primavera (cortesia do Paulo Fernandes que me mandou a imagem)Pedro Vieira tem uma série de posts sobre fogos e áreas protegidas aqui em que refere criticamente o facto das áreas protegidas arderem estatisticamente mais que o resto do território.José Manuel Fernandes pergunta no editorial do Público de hoje "Custa a perceber como a serra do Gerês voltou a arder com tanta facilidade quando ainda estamos em Março. ... Perderam-se árvores centenárias e muito raras, apesar de as chamas não terem atingido o coração da zona mais preciosa ... exige-se um inquérito à forma como está a ser gerida aquela área protegida...".O facto de arder estatisticamente mais nas áreas protegidas é normal e razoável, sobretudo neste caso em que os fogos estão quase todos concentrados a Norte do Douro, por uma razão: o que faz estas áreas serem protegidas é o que faz estas áreas arderem.Como o Pedro Vieira demonstra no seu livro sobre os incêndios, há mais fogos nas áreas com mais gente (porque há mais factores de ignição) mas há mais área ardida onde há menos gente (porque há mais factores de acumulação de combustível).É por isso normal e razoável que arda mais nas áreas protegidas.Discussão diferente, e bem mais interessante, é se, dentro das áreas protegidas, arde o que devia arder e não arde o que não devia arder, mas essa discussão fica para outra altura.Já o que diz José Manuel Fernandes, que além de ter mais informação que o comum dos cidadãos é biólogo de formação, me causa mais estranheza pela sua distorcidíssima noção da realidade.Eu bem sei que desde a última alteração gráfica do Público o boletim meteorológico que lá se publica é uma porcaria. Uns bonecos que reproduzem os bonecos do Instituto de Meteorologia mas sem toda a outra informação que é proporcionada pelo IM, nem sequer a previsão descritiva.Se José Manuel Fernandes tivesse perdido um bocadinho mais de tempo a olhar para a meteorologia não dizia que não se compreende porque arde, se estamos em Março. Teria visto com certeza humidades por volta dos 20%, mesmo às cinco da manhã pouco maiores. Teria visto velocidades do vento por volta do 20Kms/ hora (as rajadas teria de as ler descritas noutros lados, claro). Teria percebido que com dez dias de vento Leste (um interregno de dois dias que soube a pouco, para este efeito) o que arde é normal, seja em que época do ano for (já houve episódios destes em Dezembro, lembra o Paulo Fernandes o Outono de 2007, penso que em Novembro, com resultados semelhantes, tendo o Paulo o cuidado de sublinhar as diferenças, como sejam um longo período sem precipitação prévia ao episódio do Outono de 2007 em contraponto com as baixíssimas humidades atmosféricas deste episódio).O que não é normal é ter helicópteros pesados a despejar água nestes fogos. O que não é normal é tentar apagar estes fogos sem razões sérias para isso (pessoas, casas, infra-estruturas ou valores naturais sensíveis ao fogo, por exemplo). O que não é normal é o circo, incluindo mediático, à roda do assunto, com referências a árvores centenárias e muito raras, que gostaria muito de confirmar se arderam e onde (aquelas encostas sempre arderam, com ciclos de fogo muito mais curtos e estão a recuperar exactamente porque o ciclo do fogo se alargou, dando origem a fogos mais violentos mas mais espaçados).O que está a arder é o melhor que conseguimos fazer para evitar tragédias no Verão uma vez que nos demitimos de gerir devidamente o combustível que produzimos, criando emprego no mundo rural e garantindo um Portugal mais equilibrado económica e socialmente falando.Se este episódio meteorológico estivesse a ocorrer em Agosto posso garantir que estaríamos perante uma verdadeira tragédia (não tanto do ponto de vista de conservação mas sobretudo do ponto de vista social e da afectação dos dinheiros públicos).Há tantas razões sérias para fazer auditorias e inquéritos à gestão das áreas protegidas, por que razão escolher uma que é marginal para à gestão?Querem fazer auditorias e inquéritos a propósito dos fogos?Então que façam onde devem: aos dinheiros das políticas do mundo rural.Perguntem ao Ministério da Agricultura por que razão o PRODER afunda 11% do seu orçamento em Alqueva e deixa no mato sem cão os pastores e o mundo rural das serras e das áreas marginais de produção. Perguntem porque apoia mais a produção intensiva de azeite que a produção de biodiversidade. Perguntem por que razão impuseram as alterações que impuseram ao Plano Sectorial da Rede Natura, incluindo o desaparecimento de todas as referências ao seu financiamento, que já eram o mínimo dos mínimos: a transcrição do que está nos regulamentos comunitários.Não gostam de fogos, de todos os fogos? Eu não estou de acordo, mas se não gostam e querem arranjar responsáveis para a sua existência (para além de S. Pedro) então por favor dirijam-se ao Ministério da Agricultura, às políticas para o mundo rural e deixem em paz quem trabalha com as migalhas que sobram e ainda tem de explicar todos os dias, aos seus próprios dirigentes, que as migalhas para a biodiversidade não são dinheiro deitado fora.henrique pereira dos santos Adenda:Aqui vai o gráfico actualizado. Os sinais hoje são pouco encorajadores: diminuição da humidade atmosférica outra vez, aumento do vento, concentração dos fogos nas serras do Norte, o que quer dizer inevitavelmente áreas protegidas (neste caso sobretudo gerês e um pouco de outras)

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