ambio: A ruína das jóias da Coroa

20-05-2009
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Deixo aqui parte de um capítulo do livro «Portugal: O Vermelho e o Negro», que julgo ser oportuno tendo em consoideração o que está a acontecer nos Parques da Serras da Peneda-Gerês e Aire-Candeeiros. Infelizmente não consegui, tecnicamente, colocar aqui um quadro com a área queimada na Rede Nacional de Áreas Protegidas entre 1992. Numa conferência de imprensa em Agosto de 2005[1], o secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, defendeu que «os incêndios são preocupantes quando há pessoas e bens afectados, mas a situação não é de uma enorme gravidade do ponto de vista da conservação da natureza», porque as zonas afectadas tinham um «bom potencial de regeneração». Posteriormente, em entrevista ao Diário de Notícias[2], instado a comentar a destruição pelos fogos do ano anterior em áreas protegidas, este governante reforçou a ideia, referindo que «o dano parece não ser demasiado preocupante e não há necessidade de intervenção, porque há potencial de regeneração das espécies». Estas teses não fogem muito à postura habitual dos governantes. «Parece» sempre que a Natureza aguenta tudo; tudo resolve. O importante, dizem os políticos, são as pessoas e as suas casinhas. Que a protecção das pessoas seja uma prioridade, não se discute nem é discutível. Ninguém troca a vida de uma pessoa por um conjunto de árvores – até porque isso nem é necessário para evitar e extinguir um fogo. Quanto aos bens, o caso deve mudar de figura, sobretudo se estivermos perante zonas de interesse ecológico. Numa área protegida – que integra valias ambientais e paisagísticas únicas, por isso mesmo foi classificada –, uma casa de tijolos e betão pode ser reconstruída em pouco tempo[3]. Mas a Natureza, mesmo com a ajuda do engenho e dinheiro do Homem, nem sempre consegue recuperar aquilo que as chamas destruíram. Ou se isso ocorre, demora. Para além disto, há nas palavras do secretário de Estado há uma nuance: diz ele – repete-se – que «o dano parece não ser demasiado preocupante». Ora, este «parece» é um dos piores argumentos que se pode usar quando se abordam os eventuais danos ambientais. Ou há, ou não há dano. Se analisarmos os efeitos dos incêndios nas áreas protegidas, certo é que mais do que «parece» estar o secretário de Estado do Ambiente completamente errado sobre os impactes do fogo nas áreas protegidas. Com efeito, de acordo com dados do próprio Instituto de Conservação da Natureza, os incêndios afectaram cerca de 157 mil hectares de áreas protegidas entre 1992 e 2005. Tendo em conta que estas representam quase 8% do território de Portugal, significa então que 22,3% da sua superfície foi visitada pelas chamas nos últimos 14 anos. Confrontando com o restante território do país, constata-se então que os incêndios lavraram uma superfície proporcionalmente equivalente[4]. Mal está, portanto, um país onde as suas áreas protegidas se encontram tão susceptíveis aos fogos como as áreas não protegidas. Mas em algumas destas zonas, a situação é mesmo desastrosa. O Parque Natural da Serra da Estrela é um dos casos perdidos. Devia-se chamar Serra do Fogo, porque já contabilizou mais de 58 mil hectares queimados desde 1992, mais de metade da sua vasta área de 101 mil hectares. E destes, cerca de 20 mil hectares arderam apenas nos anos de 2003 e 2005. Para o mesmo período, com uma superfície queimada superior a 25% encontram-se ainda os Parques Naturais da Serra de São Mamede, das Serras de Aire e Candeeiros, de Montesinho, do Douro Internacional, do Alvão e da Arrábida, bem como a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto. Ou seja, quase só escaparam da razia dos fogos as zonas húmidas ou as áreas protegidas que, pela sua constituição, possuem pouca floresta. Isto diz muito sobre a gestão e a prevenção contra os incêndios das nossas «jóias da Coroa». E convém lembrar que em Abril de 2006, o ministro do Ambiente, Nunes Correia, disse que «assume inteiramente a política de conservação da natureza como pilar essencial não apenas da política de ambiente, mas também da política de ordenamento do território e da política de desenvolvimento regional»[5]. [1] - Vd. notícia no Público Online de 12 de Agosto de 2005 intitulada «Pelo menos 15.500 hectares de área protegida arderam desde Janeiro». [2] - Vd. entrevista no Diário de Notícias de 14 de Janeiro de 2006 intitulada «Prevenção dos incêndios dentro das áreas protegidas foi bem feita». [3] - A prioridade de uma área protegida é a conservação da natureza, daí esse estatuto especial. Tal deveria ser assumido politica e socialmente. Se existem casas, convém saber se existiam antes ou depois da sua classificação. Infelizmente, em Portugal muitas foram construídas depois. Os casos mais escandalosos ocorrem nos Parques Naturais da Arrábida e de Sintra-Cascais. Em todo o caso, uma habitação não tem necessariamente de estar em risco de arder quando ocorre um incêndio florestal. Se isso acontece deve-se à casa, não à floresta. [4] - Na verdade, a afectação em áreas protegidas até é ligeiramente superior (22,34%) à das áreas não protegidas (22,28%). [5] - Curiosamente, esta frase foi proferida na apresentação do Livro Vermelho dos Vertebrados. Tendo sido inventariadas 512 espécies, concluiu-se que 68% dos peixes, 38% das aves, 32% dos répteis, 19% dos anfíbios e 26% dos mamíferos estão ameaçados (criticamente em perigo, em perigo ou vulnerável) ou quase ameaçados. A equipa de investigadores apontou como causas a degradação dos habitats por estradas, urbanizações, alterações na agricultura, barragens e, claro, incêndios. A maior parte dos levantamentos de campo foram realizados antes de 2003...


Deixo aqui parte de um capítulo do livro «Portugal: O Vermelho e o Negro», que julgo ser oportuno tendo em consoideração o que está a acontecer nos Parques da Serras da Peneda-Gerês e Aire-Candeeiros. Infelizmente não consegui, tecnicamente, colocar aqui um quadro com a área queimada na Rede Nacional de Áreas Protegidas entre 1992. Numa conferência de imprensa em Agosto de 2005[1], o secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, defendeu que «os incêndios são preocupantes quando há pessoas e bens afectados, mas a situação não é de uma enorme gravidade do ponto de vista da conservação da natureza», porque as zonas afectadas tinham um «bom potencial de regeneração». Posteriormente, em entrevista ao Diário de Notícias[2], instado a comentar a destruição pelos fogos do ano anterior em áreas protegidas, este governante reforçou a ideia, referindo que «o dano parece não ser demasiado preocupante e não há necessidade de intervenção, porque há potencial de regeneração das espécies». Estas teses não fogem muito à postura habitual dos governantes. «Parece» sempre que a Natureza aguenta tudo; tudo resolve. O importante, dizem os políticos, são as pessoas e as suas casinhas. Que a protecção das pessoas seja uma prioridade, não se discute nem é discutível. Ninguém troca a vida de uma pessoa por um conjunto de árvores – até porque isso nem é necessário para evitar e extinguir um fogo. Quanto aos bens, o caso deve mudar de figura, sobretudo se estivermos perante zonas de interesse ecológico. Numa área protegida – que integra valias ambientais e paisagísticas únicas, por isso mesmo foi classificada –, uma casa de tijolos e betão pode ser reconstruída em pouco tempo[3]. Mas a Natureza, mesmo com a ajuda do engenho e dinheiro do Homem, nem sempre consegue recuperar aquilo que as chamas destruíram. Ou se isso ocorre, demora. Para além disto, há nas palavras do secretário de Estado há uma nuance: diz ele – repete-se – que «o dano parece não ser demasiado preocupante». Ora, este «parece» é um dos piores argumentos que se pode usar quando se abordam os eventuais danos ambientais. Ou há, ou não há dano. Se analisarmos os efeitos dos incêndios nas áreas protegidas, certo é que mais do que «parece» estar o secretário de Estado do Ambiente completamente errado sobre os impactes do fogo nas áreas protegidas. Com efeito, de acordo com dados do próprio Instituto de Conservação da Natureza, os incêndios afectaram cerca de 157 mil hectares de áreas protegidas entre 1992 e 2005. Tendo em conta que estas representam quase 8% do território de Portugal, significa então que 22,3% da sua superfície foi visitada pelas chamas nos últimos 14 anos. Confrontando com o restante território do país, constata-se então que os incêndios lavraram uma superfície proporcionalmente equivalente[4]. Mal está, portanto, um país onde as suas áreas protegidas se encontram tão susceptíveis aos fogos como as áreas não protegidas. Mas em algumas destas zonas, a situação é mesmo desastrosa. O Parque Natural da Serra da Estrela é um dos casos perdidos. Devia-se chamar Serra do Fogo, porque já contabilizou mais de 58 mil hectares queimados desde 1992, mais de metade da sua vasta área de 101 mil hectares. E destes, cerca de 20 mil hectares arderam apenas nos anos de 2003 e 2005. Para o mesmo período, com uma superfície queimada superior a 25% encontram-se ainda os Parques Naturais da Serra de São Mamede, das Serras de Aire e Candeeiros, de Montesinho, do Douro Internacional, do Alvão e da Arrábida, bem como a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto. Ou seja, quase só escaparam da razia dos fogos as zonas húmidas ou as áreas protegidas que, pela sua constituição, possuem pouca floresta. Isto diz muito sobre a gestão e a prevenção contra os incêndios das nossas «jóias da Coroa». E convém lembrar que em Abril de 2006, o ministro do Ambiente, Nunes Correia, disse que «assume inteiramente a política de conservação da natureza como pilar essencial não apenas da política de ambiente, mas também da política de ordenamento do território e da política de desenvolvimento regional»[5]. [1] - Vd. notícia no Público Online de 12 de Agosto de 2005 intitulada «Pelo menos 15.500 hectares de área protegida arderam desde Janeiro». [2] - Vd. entrevista no Diário de Notícias de 14 de Janeiro de 2006 intitulada «Prevenção dos incêndios dentro das áreas protegidas foi bem feita». [3] - A prioridade de uma área protegida é a conservação da natureza, daí esse estatuto especial. Tal deveria ser assumido politica e socialmente. Se existem casas, convém saber se existiam antes ou depois da sua classificação. Infelizmente, em Portugal muitas foram construídas depois. Os casos mais escandalosos ocorrem nos Parques Naturais da Arrábida e de Sintra-Cascais. Em todo o caso, uma habitação não tem necessariamente de estar em risco de arder quando ocorre um incêndio florestal. Se isso acontece deve-se à casa, não à floresta. [4] - Na verdade, a afectação em áreas protegidas até é ligeiramente superior (22,34%) à das áreas não protegidas (22,28%). [5] - Curiosamente, esta frase foi proferida na apresentação do Livro Vermelho dos Vertebrados. Tendo sido inventariadas 512 espécies, concluiu-se que 68% dos peixes, 38% das aves, 32% dos répteis, 19% dos anfíbios e 26% dos mamíferos estão ameaçados (criticamente em perigo, em perigo ou vulnerável) ou quase ameaçados. A equipa de investigadores apontou como causas a degradação dos habitats por estradas, urbanizações, alterações na agricultura, barragens e, claro, incêndios. A maior parte dos levantamentos de campo foram realizados antes de 2003...

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