ambio: Programa de Governo do Bloco de Esquerda

29-09-2009
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Declaração de interesses (ou de falta deles): não sou filiado em nenhum partido político nem sou votante assíduo de nenhum deles.Há poucos dias atrás, foi apresentado o Programa de Governo do Bloco de Esquerda. Tal como pretendo fazer para os restantes partidos com assento parlamentar, achei interessante aqui discutir o Programa do BE no que à conservação da natureza diz respeito.Desde já assinalo que tenho algumas discordâncias doutrinais de fundo com toda a esquerda, sendo que nesta discussão, assume particular relevo a posse e a presença da mão do Estado em tudo e mais alguma coisa, que a esquerda muito preconiza e eu não.O Programa aborda a conservação da natureza em dois (?) curtos capítulos. Na forma e estilo, desde já refiro que não sou particular adepto do discurso inflamado e negativista que normalmente caracteriza a intervenção política do BE. Pelo menos na área da conservação da natureza, a maioria do "Programa de Governo" do BE não o é, pois centra-se fundamentalmente numa crítica assanhada à actual governação PS e anteriores, nalguns casos justa, noutros muito pouco séria.No primeiro capítulo - Ordenamento do Território e Conservação da Natureza (página 71) - os primeiros dois terços do texto são gastos em críticas, sem quaisquer propostas concretas. Apenas na parte final se referem as seguintes propostas:- alargamento do património público de solos florestais e selvagens;[não sei bem o que entende o BE por "solos florestais e selvagens" mas, como já referi, tenho enormes dúvidas que a solução de comprar terrenos para fazer conservação da natureza seja a melhor opção, na grande maioria das situações, para além de economicamente viável se estivermos a falar de compra ou expropriação de acordo com o actual quadro legal... estamos, não estamos?]- o fim do regime dos PIN;[não me parece que o problema esteja no "regime dos PIN" propriamente dito, creio que a aplicação da figura de PIN é que tem sido abusiva, particularmente no últimos anos, tornando o que deveria ser excepção em regra]- a elaboração de um quadro de referência que estabeleça parâmetros de monitorização, em conjugação com os departamentos de investigação das universidades e politécnicos, e defina um programa a desenvolver pelos municípios e organismos do Estado[tenho enormes dúvidas que tal seja aplicável em Portugal, tendo em conta os quadros disponíveis nos municípios e organismos do Estado e discordo totalmente que se passem estas competências para o poder autárquico]- a criação de um programa de investimento para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico na área da conservação da natureza;[haja dinheiro e faça-se]No segundo capítulo dedicado à conservação da natureza - Conservação da Natureza e Biodiversidade (página 72) - após três parágrafos pincelados com uma boa dose de demagogia e populismo, o BE propõe:Defendemos a reversão da propriedade privada para o Estado dos parques e reservas naturais sempre que, de acordo com a sensibilidade dos valores ecológicos a proteger, os contextos locais e concretos e a ponderação dos custos envolvidos, tal seja fundamental à preservação ambiental e usufruto das populações. Também apoiamos a maior transferência de verbas do poder central para o poder local para apoiar a gestão destas áreas e minimizar conflitos. [para além da questão doutrinal de fundo que tenho com o BE e a esquerda e que referi no início do texto, questiono-me sobre a dimensão dos custos envolvidos na reversão da propriedade privada para o Estado e em que exemplos de gestão estatal é que o BE se apoia para entender que o Estado é bom gestor dos bens públicos e de que a contratualização ou estabelecimento de protocolos com terceiros não pode servir tão bem ou melhor os interesses do Estado; já quanto "à transferência de verbas do poder central para o poder local" não sei bem como é que o BE pretende, em particular com o "minimizar conflitos"; entendo que o papel de protocolar com terceiros o apoio, por exemplo, a determinadas práticas agrícolas, deveria ser assumido por outras entidades estatais, nomeadamente, pelas áreas protegidas, houvesse vontade política e, consequentemente, dinheiro para tal]Nas áreas de reserva ambiental em que seja desejável a implementação ou continuação de actividades que beneficiem ou mantenham os elementos a preservar, como certas práticas agro-florestais, devem ser concedidos incentivos (além da mera obrigação coerciva). Eles permitiriam evitar o abandono destas áreas e a possível degradação ambiental das mesmas. Devem, no entanto, permitir compatibilizar os objectivos de protecção com os de desenvolvimento local, tornando os conflitos em oportunidades de sustentabilidade.[de acordo, haja dinheiro para tal; no entanto, a frase "além da mera obrigação coerciva" tem contornos, para mim... assustadores, pois discordo totalmente que se obrigue coercivamente quem quer que seja a manter determinada cultura, salvo, obviamente ao abrigo do previamente protocolado; se os incentivos forem suficientes, os grande maioria dos agricultores responderá positivamente]Quanto ao Turismo da Natureza, a legislação actual que autoriza hotéis, apartamentos, resorts e centros comerciais nas áreas protegidas deve ser mudada. O Bloco defende outro conceito para as actividades de lazer que podem ser praticadas nas áreas protegidas, assentes em equipamentos e serviços prestado pelas entidades públicas compatíveis com a conservação da natureza e o usufruto destes espaços.[Quanto ao nacionalizar o Turismo de Natureza, discordo, como já referi várias vezes, deste princípio de nacionalizar tudo e mais alguma coisa tão querido à esquerda. Por princípio não tenho nada contra que se construam hotéis, apartamentos, resorts e centros comerciais nas áreas protegidas; tudo depende do que se pretende e aonde, sendo certo que no concreto, existem diversas situações de total incompatibilidade; mas será aceitável, por princípio, não autorizar a construção de um hotel, de apartamentos para turismo, de um centro comercial, nomeadamente numa vila qualquer dentro de uma área protegida? É isso que o BE defende?] Mergulhado num mar de críticas muito pouco construtivas, o Bloco esquece-se, por exemplo, de dizer qual o modelo de gestão que defende para o ICBN, seus departamentos, rede nacional de áreas protegidas, rede Natura 2000? Como inverter a baixa execução da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade? Este silêncio significa que, para o BE, estará tudo bem? Será o caso Freeport, com que abre as hostilidades no segundo capítulo que referi, mais relevante sobre o ponto de vista da conservação da natureza? Esqueceu-se também do facto que o Estado, ao longo de décadas, tem dado péssimos exemplos de gestão, nomeadamente na gestão da rede nacional de áreas protegidas. Ao invés de nada propor nesta área, fará algum sentido somar o turismo de natureza às competências do Estado? Ainda quanto à questão doutrinal de fundo, nacionalizar, à luz da legislação actual, tem custos. Custos elevados, se estivermos a falar de áreas consideráveis. E eu costumo dizer que podemos ser de esquerda, do centro ou de direita. Podemos até não ser de nada. Mas no final "as contas teem que bater certo". E Francisco Louçã sabe disso melhor que ninguém. Era bom que o Bloco de Esquerda optasse de vez por deixar de se apresentar como um pequeno partido político, semelhante aos que estiveram na sua génese, em que a crítica muito pouco construtiva, per si, bastava. Era bom para o país que tivesse uma proposta política para a conservação da natureza, robusta, concreta e executável e deixasse de apresentar conjuntos de ideias soltas, desgarradas e, na minha opinião, sem sentido. Gonçalo Rosa


Declaração de interesses (ou de falta deles): não sou filiado em nenhum partido político nem sou votante assíduo de nenhum deles.Há poucos dias atrás, foi apresentado o Programa de Governo do Bloco de Esquerda. Tal como pretendo fazer para os restantes partidos com assento parlamentar, achei interessante aqui discutir o Programa do BE no que à conservação da natureza diz respeito.Desde já assinalo que tenho algumas discordâncias doutrinais de fundo com toda a esquerda, sendo que nesta discussão, assume particular relevo a posse e a presença da mão do Estado em tudo e mais alguma coisa, que a esquerda muito preconiza e eu não.O Programa aborda a conservação da natureza em dois (?) curtos capítulos. Na forma e estilo, desde já refiro que não sou particular adepto do discurso inflamado e negativista que normalmente caracteriza a intervenção política do BE. Pelo menos na área da conservação da natureza, a maioria do "Programa de Governo" do BE não o é, pois centra-se fundamentalmente numa crítica assanhada à actual governação PS e anteriores, nalguns casos justa, noutros muito pouco séria.No primeiro capítulo - Ordenamento do Território e Conservação da Natureza (página 71) - os primeiros dois terços do texto são gastos em críticas, sem quaisquer propostas concretas. Apenas na parte final se referem as seguintes propostas:- alargamento do património público de solos florestais e selvagens;[não sei bem o que entende o BE por "solos florestais e selvagens" mas, como já referi, tenho enormes dúvidas que a solução de comprar terrenos para fazer conservação da natureza seja a melhor opção, na grande maioria das situações, para além de economicamente viável se estivermos a falar de compra ou expropriação de acordo com o actual quadro legal... estamos, não estamos?]- o fim do regime dos PIN;[não me parece que o problema esteja no "regime dos PIN" propriamente dito, creio que a aplicação da figura de PIN é que tem sido abusiva, particularmente no últimos anos, tornando o que deveria ser excepção em regra]- a elaboração de um quadro de referência que estabeleça parâmetros de monitorização, em conjugação com os departamentos de investigação das universidades e politécnicos, e defina um programa a desenvolver pelos municípios e organismos do Estado[tenho enormes dúvidas que tal seja aplicável em Portugal, tendo em conta os quadros disponíveis nos municípios e organismos do Estado e discordo totalmente que se passem estas competências para o poder autárquico]- a criação de um programa de investimento para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico na área da conservação da natureza;[haja dinheiro e faça-se]No segundo capítulo dedicado à conservação da natureza - Conservação da Natureza e Biodiversidade (página 72) - após três parágrafos pincelados com uma boa dose de demagogia e populismo, o BE propõe:Defendemos a reversão da propriedade privada para o Estado dos parques e reservas naturais sempre que, de acordo com a sensibilidade dos valores ecológicos a proteger, os contextos locais e concretos e a ponderação dos custos envolvidos, tal seja fundamental à preservação ambiental e usufruto das populações. Também apoiamos a maior transferência de verbas do poder central para o poder local para apoiar a gestão destas áreas e minimizar conflitos. [para além da questão doutrinal de fundo que tenho com o BE e a esquerda e que referi no início do texto, questiono-me sobre a dimensão dos custos envolvidos na reversão da propriedade privada para o Estado e em que exemplos de gestão estatal é que o BE se apoia para entender que o Estado é bom gestor dos bens públicos e de que a contratualização ou estabelecimento de protocolos com terceiros não pode servir tão bem ou melhor os interesses do Estado; já quanto "à transferência de verbas do poder central para o poder local" não sei bem como é que o BE pretende, em particular com o "minimizar conflitos"; entendo que o papel de protocolar com terceiros o apoio, por exemplo, a determinadas práticas agrícolas, deveria ser assumido por outras entidades estatais, nomeadamente, pelas áreas protegidas, houvesse vontade política e, consequentemente, dinheiro para tal]Nas áreas de reserva ambiental em que seja desejável a implementação ou continuação de actividades que beneficiem ou mantenham os elementos a preservar, como certas práticas agro-florestais, devem ser concedidos incentivos (além da mera obrigação coerciva). Eles permitiriam evitar o abandono destas áreas e a possível degradação ambiental das mesmas. Devem, no entanto, permitir compatibilizar os objectivos de protecção com os de desenvolvimento local, tornando os conflitos em oportunidades de sustentabilidade.[de acordo, haja dinheiro para tal; no entanto, a frase "além da mera obrigação coerciva" tem contornos, para mim... assustadores, pois discordo totalmente que se obrigue coercivamente quem quer que seja a manter determinada cultura, salvo, obviamente ao abrigo do previamente protocolado; se os incentivos forem suficientes, os grande maioria dos agricultores responderá positivamente]Quanto ao Turismo da Natureza, a legislação actual que autoriza hotéis, apartamentos, resorts e centros comerciais nas áreas protegidas deve ser mudada. O Bloco defende outro conceito para as actividades de lazer que podem ser praticadas nas áreas protegidas, assentes em equipamentos e serviços prestado pelas entidades públicas compatíveis com a conservação da natureza e o usufruto destes espaços.[Quanto ao nacionalizar o Turismo de Natureza, discordo, como já referi várias vezes, deste princípio de nacionalizar tudo e mais alguma coisa tão querido à esquerda. Por princípio não tenho nada contra que se construam hotéis, apartamentos, resorts e centros comerciais nas áreas protegidas; tudo depende do que se pretende e aonde, sendo certo que no concreto, existem diversas situações de total incompatibilidade; mas será aceitável, por princípio, não autorizar a construção de um hotel, de apartamentos para turismo, de um centro comercial, nomeadamente numa vila qualquer dentro de uma área protegida? É isso que o BE defende?] Mergulhado num mar de críticas muito pouco construtivas, o Bloco esquece-se, por exemplo, de dizer qual o modelo de gestão que defende para o ICBN, seus departamentos, rede nacional de áreas protegidas, rede Natura 2000? Como inverter a baixa execução da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade? Este silêncio significa que, para o BE, estará tudo bem? Será o caso Freeport, com que abre as hostilidades no segundo capítulo que referi, mais relevante sobre o ponto de vista da conservação da natureza? Esqueceu-se também do facto que o Estado, ao longo de décadas, tem dado péssimos exemplos de gestão, nomeadamente na gestão da rede nacional de áreas protegidas. Ao invés de nada propor nesta área, fará algum sentido somar o turismo de natureza às competências do Estado? Ainda quanto à questão doutrinal de fundo, nacionalizar, à luz da legislação actual, tem custos. Custos elevados, se estivermos a falar de áreas consideráveis. E eu costumo dizer que podemos ser de esquerda, do centro ou de direita. Podemos até não ser de nada. Mas no final "as contas teem que bater certo". E Francisco Louçã sabe disso melhor que ninguém. Era bom que o Bloco de Esquerda optasse de vez por deixar de se apresentar como um pequeno partido político, semelhante aos que estiveram na sua génese, em que a crítica muito pouco construtiva, per si, bastava. Era bom para o país que tivesse uma proposta política para a conservação da natureza, robusta, concreta e executável e deixasse de apresentar conjuntos de ideias soltas, desgarradas e, na minha opinião, sem sentido. Gonçalo Rosa

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