ambio: Qual poderá ser o modelo possível para tornar o ICN operacional?

19-03-2005
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Por Humberto RosaEx-assessor para as questões de ambiente de António Guterres e professor da FCULAntes de mais há que distinguir entre a política de conservação da natureza e os problemas do ICN - são matérias correlacionadas, mas a primeira é que é verdadeiramente determinante de qualquer operacionalidade. Ora a meu ver, nos últimos dois anos assistiu-se a uma clara estratégia política, não assumida mas razoavelmente conseguida, de "partir os dentes" à conservação da natureza.Veja-se por exemplo: a subordinação da nomeação de dirigentes das áreas protegidas (APs) ao aval das autarquias; a tentativa de extirpar aprópria gestão das APs do Ministério do Ambiente para o da Agricultura,que terminou na perda da gestão florestal nas APs; a perda de poder de decisão do ICN quanto a caça nas APs (!); a marcada desorçamentação das despesas de funcionamento do ICN; etc...Temos hoje, pois, a situação caricata de nos parques e reservas naturais, a gestão florestal ou a gestão da caça não ser determinada por interesses e prioridades de conservação da natureza! Não há "modelo" que resista à uma política que tem visado precisamente tornar o ICN menos operacional e com menos poder de fazer aquilo para que existe, que é simplesmente... conservar e promover a biodiversidade. A estratégia encapotada de que falo tem um objectivo último: *retirar ao ICN todas as competências e capacidades de gestão do território*.Este objectivo passaria por desvincular dele a gestão e tutela das áreas protegidas e classificadas, nomeadamente as da Rede Natura 2000, e passá-las para outras entidades mais vocacionadas para dar primazia a objectivos alheios à conservação, como as autarquias ou as CCDRs. Nada me move contra autarquias ou entidades regionais, pelo contrário - o que entendo é que os valores em jogo na conservação são em geral de nível supra-local e supra-regional, e podem entrar em choque (muitas vezes entram) com interesses e prioridades locais e regionais. Carecem pois de ser tutelados a nível nacional.Suspeito que a tónica no alegado déficit de um "modelo" do ICN mais não visa que criar espaço para a concretização deste objectivo último, que seria tornar o ICN uma direcção-geral relativamente inócua, encarregue de convenções, directivas e pareceres, mas não da condução dos destinos do território quanto a conservar. E sendo assim, os que prezam a conservação da natureza mais não devem fazer que resistir e reagir se essa tentativa surgir. Discordo pois da visão de que haja qualquer problema estrutural, institucional, ou de "modelo" da parte do ICN.O ICN tem sofrido de muitos problemas, que se prendem não com modelos, mas com questões de liderança, visão estratégica e capacidade organizativa. No ICN há pessoas, vontades e competências para cumprir bem as missões que lhes cabem, assim não lhes sejam retiradas as condições para o fazerem. Poderá haver melhores modelos de organização interna do ICN nas suas múltiplas vertentes, APs incluídas? É possível. Mas isso está bem longe da questão de fundo, que é simplesmente esta: a política de conservação da natureza, e a de ambiente em geral, tem estado a saque nos últimos dois anos. Humberto Rosa

Por Humberto RosaEx-assessor para as questões de ambiente de António Guterres e professor da FCULAntes de mais há que distinguir entre a política de conservação da natureza e os problemas do ICN - são matérias correlacionadas, mas a primeira é que é verdadeiramente determinante de qualquer operacionalidade. Ora a meu ver, nos últimos dois anos assistiu-se a uma clara estratégia política, não assumida mas razoavelmente conseguida, de "partir os dentes" à conservação da natureza.Veja-se por exemplo: a subordinação da nomeação de dirigentes das áreas protegidas (APs) ao aval das autarquias; a tentativa de extirpar aprópria gestão das APs do Ministério do Ambiente para o da Agricultura,que terminou na perda da gestão florestal nas APs; a perda de poder de decisão do ICN quanto a caça nas APs (!); a marcada desorçamentação das despesas de funcionamento do ICN; etc...Temos hoje, pois, a situação caricata de nos parques e reservas naturais, a gestão florestal ou a gestão da caça não ser determinada por interesses e prioridades de conservação da natureza! Não há "modelo" que resista à uma política que tem visado precisamente tornar o ICN menos operacional e com menos poder de fazer aquilo para que existe, que é simplesmente... conservar e promover a biodiversidade. A estratégia encapotada de que falo tem um objectivo último: *retirar ao ICN todas as competências e capacidades de gestão do território*.Este objectivo passaria por desvincular dele a gestão e tutela das áreas protegidas e classificadas, nomeadamente as da Rede Natura 2000, e passá-las para outras entidades mais vocacionadas para dar primazia a objectivos alheios à conservação, como as autarquias ou as CCDRs. Nada me move contra autarquias ou entidades regionais, pelo contrário - o que entendo é que os valores em jogo na conservação são em geral de nível supra-local e supra-regional, e podem entrar em choque (muitas vezes entram) com interesses e prioridades locais e regionais. Carecem pois de ser tutelados a nível nacional.Suspeito que a tónica no alegado déficit de um "modelo" do ICN mais não visa que criar espaço para a concretização deste objectivo último, que seria tornar o ICN uma direcção-geral relativamente inócua, encarregue de convenções, directivas e pareceres, mas não da condução dos destinos do território quanto a conservar. E sendo assim, os que prezam a conservação da natureza mais não devem fazer que resistir e reagir se essa tentativa surgir. Discordo pois da visão de que haja qualquer problema estrutural, institucional, ou de "modelo" da parte do ICN.O ICN tem sofrido de muitos problemas, que se prendem não com modelos, mas com questões de liderança, visão estratégica e capacidade organizativa. No ICN há pessoas, vontades e competências para cumprir bem as missões que lhes cabem, assim não lhes sejam retiradas as condições para o fazerem. Poderá haver melhores modelos de organização interna do ICN nas suas múltiplas vertentes, APs incluídas? É possível. Mas isso está bem longe da questão de fundo, que é simplesmente esta: a política de conservação da natureza, e a de ambiente em geral, tem estado a saque nos últimos dois anos. Humberto Rosa

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