Domingo de Manhã: DEBATE DO ORÇAMENTO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

04-10-2009
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quinta-feira, 10 de Novembrovisto na tv(…)Mostra-se aguerrido, o deputado do PCP Honório Novo. Tem ritmo, o discurso que profere. Talvez porque já só tem sete ou oito minutos disponíveis.Acabou. A bancada bate palmas.São onze menos cinco. Santana Lopes entra na sala de semblante fechado. Afaga o nariz enquanto olha e fala com o colega de bancada que o recebeu sem entusiasmo especial:Conversa imaginada:- Como é que está a correr?- Como sempre.- E o resultado? Um empate?- Não. Estamos a perder por dois-zero. Dois auto-golos. Com as costas.No púlpito, o deputado do PSD, grande como caraças, (chama-se Marques Guedes?), vai lendo, sem chama, as folhas de papel que vai passando, do monte da direita para a esquerda. A sua mão esquerda, sai das folhas amiúde, (de três em três segundos, talvez) para ir testemunhar, tiaguenta, a presença do microfone de um dos microfones em frente a ele e à sua mensagem elocutada. Isto enquanto a mão direita testemunha o grosso do discurso que falta percorrer, sentindo a força das folhas juntas, medindo-lhe o peso, levantando-as meio corpo e deixando-as cair, de alturas mínimas, contra a madeira da estante. E já lá vai, a mão esquerda, direita à base do microfone, – ok, ainda aqui está, estou está cheio de movimento, deve pensar, tenho de fazer um discurso cheio de vida, mexer a mão o mais possível, é tempo de a avançar rumo à base do microfone, aí está ele, já está tocado, ainda tem o calor que lá deixei do penúltimo toque –, e depois de ter experimentado a dureza do material, vai experimentar o botão do casaco (um dos três que berram de claridade no azul escuro do tecido) e logo depois, as folhas do lado oposto ao da mão que não lhes dá tréguas, não vão as danadinhas ter pernas e fugir dali.Et voilà, grande desenho de realização televisiva: uma panorâmica lenta nas bancadas dos cidadãos que estão a assistir. Muita gente nova, pois, e um casal de namorados que não deve ter encontrado um sitio melhor, mais quentinho, para trocar algumas carícias. Carícias parlamentares, diga-se.O senhor deputado altarrão, – Marques, como Mendes, mas Guedes por sinal – deve estar a fazer um bom desempenho, porque o líder – Marques sem Guedes, mas Mendes pois então – olha-o embevecido e aprovador.De repente, todo o governo ri. Não percebi a piada.Mariano Gago não ri e escreve no seu computador portátil (talvez o texto se resuma a um Ah Ah Ah Ah.A bancada do PSD aplaude, não sei que dito. Não ouvi, não percebi.Olha olha 1: Manuel Alegre e Maria de Belém também vieram, dizem as imagens da TV. Estão juntos e confidenciam. Manuel Alegre estica o braço e revela um relógio de pulso lindo. E escreve. Mas à mão, que ele não é um Mariano Gago qualquer (Ih Ih Ih Ih, imagino).E pronto. O montinho das folhas da direita passou todo para o monte da esquerda, o que quer dizer que o senhor deputado do PSD acabou. Os seus companheiros batem palmas e o orador regressa ao seu lugar, ao lado do líder.E João cravinho vai falar pelo PS. Ali vai ele, fermoso y bem seguro.Primeira diferença: não apertou o casaco, logo os botões são coisa praticamente inexistente. Ou se o apertou, os botões estão muito abaixo do peito, e a abotoadura fica escondida pela estante. Pudera, deve ser bem mais baixo que o orador anterior.A sua mão esquerda ora pousa na estante ora brande de acordo com o que é dito, enquanto a outra maneja as folhas do discurso, que – curioso – não deixa pousado na madeira. Conclusão: tem melhor visão o deputado do PSD, que consegue ver de longe o texto escrito, apesar de ser mais alto. Ou então o texto foi escrito numa letra mais miúda, para poupar papel, e Cravinho precisa de trazer para mais perto dos olhos o texto que escreveu.A performance de Cravinho tem um problema: como o senhor deputado vai passando as folhas lidas para o fim do montinho, arrisca-se, se por ventura se entusiasmar, a não dar conta do fim do discurso e prosseguir, em circuito fechado, caminhando por terreno já vindimado. Deus nos livre…Olha olha 2: há uns marmanjos – que não sei quem são – que estão a ler o Jornal de Notícias, em vez de prestar atenção ao que está a ser dito. Não há uma régua naquela escola? Devem ser deputados do norte, carago.Incrível: a câmara da TV espreitou a primeira fila da bancada do PSD e, por duas vezes, com um intervalo de segundos, o líder e o senhor deputado que leu o discurso (os Marques, pois), realizaram, género natação sincronizada, gestos rigorosamente iguais: primeiro ajeitaram as melenas, com a mesma mão, no mesmo ângulo do braço; e depois, afagaram os narizes exactamente da mesma maneira. Irmãos siameses, apesar de serem uma espécie de dupla impossível.Mais um pedaço de discurso de Cravinho.A câmara da tv volta à bancada do PSD e Marques, sem Guedes mas com Mendes, já lá não está.Deve ter ido ver as imagens televisivas e averiguar a nota artística. Ou então, foi pura e simplesmente verter águas.Cravinho tropeça em mais umas quantas reflexões.Marques, o Mendes, tornou ao lugar. Tem um ar muito mais aliviado. Se calhar foi mesmo mudar a água às azeitonas.Palmas na assembleia. Pelo som não se nota que sejam aplausos socialistas.E agora é a vez do governo. Fala António Costa.E vai direito ao assunto. Mexe, não na base do microfone, mas sim no próprio. E com as duas mãos. E remexe. E agita-se. E fala de improviso. E torna a mexer. E acerta os dois microfones apontando-os mais para si. E, hélas!, tem o casaco abotoado. Um profissional é mesmo assim. Sem pudor, não pára de afinar os microfones.Olha olha 3: há ali um senhor deputado que lê o Correio da Manhã.E Costa acabou. Os microfones suspiram.É o momento da votação.Manuel Alegre vota a favor, mas avisa que apresentará declaração de voto. Finda a observação torna a sentar-se, entrelaça as pernas, e aguarda.Orçamento aprovado.Diz, mais tarde, Alegre, na declaração de voto que há-de apresentar, que apesar de votar a favor – a disciplina partidária a isso o obriga – está contra este orçamento, que prejudica, uma vez mais, os mesmos de sempre.A democracia tem destas coisas.

quinta-feira, 10 de Novembrovisto na tv(…)Mostra-se aguerrido, o deputado do PCP Honório Novo. Tem ritmo, o discurso que profere. Talvez porque já só tem sete ou oito minutos disponíveis.Acabou. A bancada bate palmas.São onze menos cinco. Santana Lopes entra na sala de semblante fechado. Afaga o nariz enquanto olha e fala com o colega de bancada que o recebeu sem entusiasmo especial:Conversa imaginada:- Como é que está a correr?- Como sempre.- E o resultado? Um empate?- Não. Estamos a perder por dois-zero. Dois auto-golos. Com as costas.No púlpito, o deputado do PSD, grande como caraças, (chama-se Marques Guedes?), vai lendo, sem chama, as folhas de papel que vai passando, do monte da direita para a esquerda. A sua mão esquerda, sai das folhas amiúde, (de três em três segundos, talvez) para ir testemunhar, tiaguenta, a presença do microfone de um dos microfones em frente a ele e à sua mensagem elocutada. Isto enquanto a mão direita testemunha o grosso do discurso que falta percorrer, sentindo a força das folhas juntas, medindo-lhe o peso, levantando-as meio corpo e deixando-as cair, de alturas mínimas, contra a madeira da estante. E já lá vai, a mão esquerda, direita à base do microfone, – ok, ainda aqui está, estou está cheio de movimento, deve pensar, tenho de fazer um discurso cheio de vida, mexer a mão o mais possível, é tempo de a avançar rumo à base do microfone, aí está ele, já está tocado, ainda tem o calor que lá deixei do penúltimo toque –, e depois de ter experimentado a dureza do material, vai experimentar o botão do casaco (um dos três que berram de claridade no azul escuro do tecido) e logo depois, as folhas do lado oposto ao da mão que não lhes dá tréguas, não vão as danadinhas ter pernas e fugir dali.Et voilà, grande desenho de realização televisiva: uma panorâmica lenta nas bancadas dos cidadãos que estão a assistir. Muita gente nova, pois, e um casal de namorados que não deve ter encontrado um sitio melhor, mais quentinho, para trocar algumas carícias. Carícias parlamentares, diga-se.O senhor deputado altarrão, – Marques, como Mendes, mas Guedes por sinal – deve estar a fazer um bom desempenho, porque o líder – Marques sem Guedes, mas Mendes pois então – olha-o embevecido e aprovador.De repente, todo o governo ri. Não percebi a piada.Mariano Gago não ri e escreve no seu computador portátil (talvez o texto se resuma a um Ah Ah Ah Ah.A bancada do PSD aplaude, não sei que dito. Não ouvi, não percebi.Olha olha 1: Manuel Alegre e Maria de Belém também vieram, dizem as imagens da TV. Estão juntos e confidenciam. Manuel Alegre estica o braço e revela um relógio de pulso lindo. E escreve. Mas à mão, que ele não é um Mariano Gago qualquer (Ih Ih Ih Ih, imagino).E pronto. O montinho das folhas da direita passou todo para o monte da esquerda, o que quer dizer que o senhor deputado do PSD acabou. Os seus companheiros batem palmas e o orador regressa ao seu lugar, ao lado do líder.E João cravinho vai falar pelo PS. Ali vai ele, fermoso y bem seguro.Primeira diferença: não apertou o casaco, logo os botões são coisa praticamente inexistente. Ou se o apertou, os botões estão muito abaixo do peito, e a abotoadura fica escondida pela estante. Pudera, deve ser bem mais baixo que o orador anterior.A sua mão esquerda ora pousa na estante ora brande de acordo com o que é dito, enquanto a outra maneja as folhas do discurso, que – curioso – não deixa pousado na madeira. Conclusão: tem melhor visão o deputado do PSD, que consegue ver de longe o texto escrito, apesar de ser mais alto. Ou então o texto foi escrito numa letra mais miúda, para poupar papel, e Cravinho precisa de trazer para mais perto dos olhos o texto que escreveu.A performance de Cravinho tem um problema: como o senhor deputado vai passando as folhas lidas para o fim do montinho, arrisca-se, se por ventura se entusiasmar, a não dar conta do fim do discurso e prosseguir, em circuito fechado, caminhando por terreno já vindimado. Deus nos livre…Olha olha 2: há uns marmanjos – que não sei quem são – que estão a ler o Jornal de Notícias, em vez de prestar atenção ao que está a ser dito. Não há uma régua naquela escola? Devem ser deputados do norte, carago.Incrível: a câmara da TV espreitou a primeira fila da bancada do PSD e, por duas vezes, com um intervalo de segundos, o líder e o senhor deputado que leu o discurso (os Marques, pois), realizaram, género natação sincronizada, gestos rigorosamente iguais: primeiro ajeitaram as melenas, com a mesma mão, no mesmo ângulo do braço; e depois, afagaram os narizes exactamente da mesma maneira. Irmãos siameses, apesar de serem uma espécie de dupla impossível.Mais um pedaço de discurso de Cravinho.A câmara da tv volta à bancada do PSD e Marques, sem Guedes mas com Mendes, já lá não está.Deve ter ido ver as imagens televisivas e averiguar a nota artística. Ou então, foi pura e simplesmente verter águas.Cravinho tropeça em mais umas quantas reflexões.Marques, o Mendes, tornou ao lugar. Tem um ar muito mais aliviado. Se calhar foi mesmo mudar a água às azeitonas.Palmas na assembleia. Pelo som não se nota que sejam aplausos socialistas.E agora é a vez do governo. Fala António Costa.E vai direito ao assunto. Mexe, não na base do microfone, mas sim no próprio. E com as duas mãos. E remexe. E agita-se. E fala de improviso. E torna a mexer. E acerta os dois microfones apontando-os mais para si. E, hélas!, tem o casaco abotoado. Um profissional é mesmo assim. Sem pudor, não pára de afinar os microfones.Olha olha 3: há ali um senhor deputado que lê o Correio da Manhã.E Costa acabou. Os microfones suspiram.É o momento da votação.Manuel Alegre vota a favor, mas avisa que apresentará declaração de voto. Finda a observação torna a sentar-se, entrelaça as pernas, e aguarda.Orçamento aprovado.Diz, mais tarde, Alegre, na declaração de voto que há-de apresentar, que apesar de votar a favor – a disciplina partidária a isso o obriga – está contra este orçamento, que prejudica, uma vez mais, os mesmos de sempre.A democracia tem destas coisas.

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