ABRUPTO

29-09-2009
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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TEMPESTADES COIMBRÃS

LENDO O LE MONDE DIPLOMATIQUE , JUNTO AO MONDEGO, NUM DIA CINZENTO, AO LADO DO BARCO "BASÓFIAS",

Para descentrar um pouco o debate, uma citação de Fernando Pessoa sobre "o provincianismo português":

«Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num sindroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.

O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz.

O sindroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.»

Recomendo o texto completo.

(João Filipe Queiró)

*

Viva

(de novo uma reacção ao Abrupto, de Pacheco Pereira, que pelo menos veio até Coimbra, provavelmente não para ouvir o ministro do ambiente, de cuja vinda eu própria só soube hoje, depois do debate na Assembleia da República...),

Susto e pavor, diz ele, a propósito das mulheres que em Coimbra viu! E talvez com alguma razão, mas não andarão elas um pouco por todo o lado, incluindo em Lisboa? Muito compostinhas e bem comportadas, intervieram hoje à tarde no debate da Assembleia da República deputadas de todos os partidos, em termos ideológicos de forma praticamente indistinta, a respeito do projecto de lei de apoio às vítimas de violência transfronteiriça. Mas moita a respeito de outro assunto em debate! (Refiro-me a um de que já aqui tenho falado várias vezes).

Bem poderão começar a tirar uma especialização em enfermagem, as mulheres de Portugal. É pelos vistos nesse papel que gostam mais de se ver, e é esse seguramente o papel (não remunerado) que mais tarde ou mais cedo lhes irá caber, pelo menos às de Coimbra. Ou então sentem-se bem no papel de secretárias e de empregadas domésticas.

Para além de no de donas ou empregadas de boutiques... Tudo fruto de um destino (ou «desígnio» inter)nacional. Porque, nestas condições, quem deseja verdadeiramente ser mãe?

Ou ler um livro, para adquirir a consciência

(incómoda) da dimensão a que a exploração chegou?

As estatísticas da natalidade confirmam-no.

Um certo (en)fado, seguramente, transforma-as em fadas. Ainda havemos de as ver (às deputadas no

parlamento) a limparem o suor da testa aos seus comparsas homens, entretidos nas suas engalfinhações retóricas e por vezes quase versejantes (salvo raras excepções: Carloto Marques foi hoje essa excepção, porque disse ao que vinha com autenticidade - a voz tremia-lhe um pouco - e sem encenações machistas).

Já vejo uma aura de ouro redondinha a nascer à volta da cabeça de muitas mulheres portuguesas, deputadas ou não, como nas representações medievais dos santos. O pior é que, antes de o círculo dourado da auréola se fechar, os dois semi-círculos que o formam, surgindo lentamente a partir de baixo, fazem com que a dada altura aquilo se pareça com uma meia-lua, equiparável a dois cornos de vaca. É dessa imagem da mulher que se alimenta boa parte da economia que nos afecta.

Não há destino que não possa por vezes dar em desatino...

Quase nenhuma mulher em Portugal questiona as matérias duras da economia, salvo honrosas excepções (Heloísa Apolónia foi hoje uma dessas excepções, mas cingiu-se demasiado à temática do ambiente, que possui contornos por vezes demasiado angelicais).

Berardo põe mulheres nuas arqueando o corpo no Centro Cultural de Belém, sem garantias de o Estado não sair financeiramente lesado, e a Cultura em Portugal (há uma mulher à frente desse ministério, por sinal...) fez o favor de aceitar a desfeita.

Pacheco Pereira queixa-se das livrarias de Coimbra. Não será por acaso que isso acontece...

É que em Coimbra é inaugurada em breve mais uma Fnac, na margem esquerda do Rio, num centro comercial megalómeno que abre dentro de dias (depois de há um ano ter sido inaugurado outro, deixando os restantes às moscas...). Quando se desce a Avenida Sá da Bandeira vê-se agora, por cima da silhueta daquilo que em tempos foi o agradabilíssimo mercado municipal de Coimbra, semi ao ar livre, a torre colorida de um espampanante e por sinal gigantesco centro comercial. Obviamente que não foi inocente a escolha do local, aliás no sítio onde antes se localizava uma fábrica têxtil entretanto falida.

Aí trabalhavam sobretudo mulheres. Talvez algumas tenham agora uma lojeca de trapos ou de colares de madeira com «coraçõezinhos».

Ora, no folheto de apresentação da Fnac, que bem poderia situar-se no Pólo 1 da Universidade, nem um livro vemos: apenas aparecem promoções de equipamento electrónico, desde computadores portáteis a câmaras de filmar, e o fado - sempre o fado - como chamariz, pois então. Ah, que saudades da minha biblioteca poeirenta e desarrumada, sem estilo nem design! Apetecia-me sentar-me lá num fim de tarde, com um livro bem velhinho e uma boa chávena de chocolate quente. Ouvindo o Requiem de Mozart.

Não me excluo da culpa por as coisas serem assim e por o conceito de cultura ser hoje tão restritivo e espumoso, sobretudo para as mulheres portuguesas. Mas - independentemente das definições que circulam - não deixo também de me sentir vítima dessa mesma cultura opressiva e até violenta, porque ela no fundo nos humilha.

De qualquer modo, se elas, as mulheres, não assumirem esse papel de fadas benfazejas, eles alguma vez o assumiriam? É aqui que está

(eternamente?) o cerne do problema da nossa incultura. Bem hajam aqueles (poucos) homens que são capazes de dar um passo em frente na mudança que urge fazer contra esta quantidade imensa de sorrisos amarelos na política portuguesa. E que não o fazem apenas para depois se contemplarem ao espelho, extasiados com o «estatuto» alcançado.

(Adelaide)

*

Surpreendente é para mim o sonho do leitor Paulo Agostinho. Sonha com uma Fnac, o antro do consumismo, dos jogos de computador, televisores de plasma e "gadgeteria" diversa, onde também há alguns livros e uns comes e bebes. Afinal ainda vai ser a "culture française" que vai inundar da "modernidade" as nossas tristes e baças cidades. Na passada, liberalize-se o preço do livro e rapidamente, nem livrarias "inimagináveis de provincianas, escuras, mal abastecidas" existirão.

Os homens sonham com uma Fnac ao pé da porta, onde se deslocarão de automóvel, como em tempos as donas de casa sonharam com um hipermercado. Eu sonho com mercearias e livrarias de referência. Dispenso essa alegre "modernidade", sou um autêntico selvagem.

(José Rui Fernandes)

*

A baixa e a alta de Coimbra, a estação de comboios Coimbra B, pararam no tempo. Coimbra parou no tempo. Mas é por isso mesmo que se torna tão enternecedora. Os gatos errantes nos becos, as calçadas íngremes, aqui e ali um grupo alegre de matriculados na Universidade (quais estudantes!), descontraídos e com olheiras, as velhas républicas, as lojas de moda completamente demodés, os restaurantes às moscas, a Queima à porta, a festa da Rainha Santa como há 40 anos, o ar leve da Primavera e aquela tranquilidade típica da irracionalidade e do provincionalismo puros (nos resultados do ano lectivo, dos lucros do comércio, na necessidade da cidade se modernizar…). Coimbra é uma canção, de sonho e tradição. A lua a faculdade. Ai, Saudade. Adoro a minha cidade!

(Helena Oliveira)

*

Também leio o “Le Monde Diplomatique”, mas nunca o li nem junto ao Mondego nem ao lado do “Basófias”. Questão de gosto, é claro.

Aqui vivo há 50 anos. Nunca deixei de comprar um livro que desejasse. A melhor colecção de Jornalismo, por exemplo, é editada aqui; são os livros que me interessam particularmente. É mais fácil encontrá-los em Coimbra do que noutro lado qualquer. Os de Direito, confesso, passam-me ao lado. Mas se também os há, e bons, tanto melhor.

E se não há algo que me interessa e cá não há, como vou por vezes a Lisboa e ao Porto, as FNAC são pontos de passagem obrigatórios. Outras vezes, navego pelas “ciber-livrarias”. É fácil, acredite; e muito mais seguro desde que inventaram o Mbnet.

Quanto a Coimbra-província pura, deixe-me dizer-lhe que fico feliz pela avaliação. Esse é o objectivo de quem cá está, acredite. Coimbra é uma aldeia; somos 120 mil e conhecemo-nos quase todos uns aos outros. Vive-se bem, acredite.

PS – Quando concluíram a auto-estrada Lisboa-Porto muitos disseram que Coimbra iria morrer. Enganaram-se: melhorou (e muito!) a nossa qualidade de vida. Continuamos provincianos, cidadãos do mundo.

(Mário Martins, Coimbra)

*

Não deixa de ser engraçado como continuamos a achar que tudo vemos sabemos a partir de uma mera observação. De facto, o que vemos vem dos nossos pressupostos, mais do que das observações. Os elefantezinhos e companhia em nada perdem para as folclóricas tias do Herman e as suas correspondentes reais - há-as em todo o país, ainda que sem a pronúncia da Linha.

Quanto ao andar "vestido à padre", não vejo que mal tenha isso, da mesma maneira que não vejo que mal tenha andar de fato e gravata ou andar vestido à punk. São linhas conformistas - mesmo as supostamente mais anti-conformistas, por vezes indicadoras de falta de autonomia para decidir.

Acho é estranho o adjectivo "poeirentos". Talvez onde estava, sem dúvida: é piso de terra - seco, presumo - é natural que as capas levantem algum pó. Mas é de facto algo que deixa um sorriso, não propriamente um incómodo, quando se passou pela cidade. A vida académica é bem mais rica do que noutras que conheci - e não me refiro ao folclore: há um contacto rico entre colegas de todas as áreas académicas, em actividades muito diversas, não apenas nos colegas do "grupo" ou "da faculdade". Há debate intelectual (e parvoíce comum, claro), há contacto com outras realidades - muito forte.

As livrarias são um aspecto cada vez menos importante neste particular, especialmente nas áreas técnicas: há acesso a informação actualizada via Web, há acesso ao inventário de quase todos os livros do mundo via Web, em vez de cingido às existências de uma livraria; há acesso barato a esses mesmos livros, quando decidimos comprá-los. O papel (nos dois sentidos) da livraria física continua válido, mas muito menos importante. Sim, as lojas da baixa estão decadentes - por culpa própria, pois impedindo a concorrência "moderna" dos centros comerciais até recentemente, era mais fácil subsistir.

Quanto às capas, usadas por muitos por apego e gosto pela tradição, são algo a louvar, pois é um uso mais autêntico do que tê-las meramente para efeitos administrativos de formatura ou cerimónia. E tanto jeito dá poder passar uns tempos só a ter de ter limpas e lavadas as camisas brancas e calças pretas, desde que não se suje a batina nem a capa... Que jeito dá ter uma capa para a noite fria, para por em cima da relva, para objecto ou fetiche de companhia... Enfim, compreendo a existência do seu ponto de vista, mas passa-me ao lado.

(Leonel Morgado)

*

Serei breve, mais pelo piscar de olho à amiga que mandou o Blog (não sou grande leitor do género, mas em cidades pequenas as notícias correm depressa…), do que para expiar a gravidade da ofensa ou o orgulho ferido… longe de mim, quero mesmo supor que todos têm razão, simplesmente quando J. fala de P., fica-se a saber mais de J. do que de P.… Neste cômputo, o choupal serviria tão bem ao desfecho, como o novo estádio municipal... Mas vamos às livrarias. Tudo uma questão de perspectiva, diria eu, e as cidades prestam-se muitos bem a todos os enganos.

Cresci sempre com a impressão de que Coimbra era uma cidade boa apenas para se nascer. A abertura de uma livraria a meias com amigos, foi a única razão suficiente para me fazer ficar uns anos mais. A ideia era nova e desempoeirada: uma espécie de extensão mais bem composta da estante lá de casa, num sítio aprazível, central e moribundo como convém, a uns metros do largo onde o Nozolino fez o retrato perfeito de uma cidade. A coisa tinha bom ar, embora fosse pintada a tinta barata. Uma única área disciplinar (a que conhecíamos melhor), bastante entrecruzada para não parecermos obsessivos e porque éramos jovens e atentos. Os livros nacionais ficavam de resto em desvantagem com os estrangeiros, apenas e só porque a produção local será sempre diminuta em relação a tudo o que se produz. A livraria durou o que durou, o tempo que a cidade quis e nem um pingo de nostalgia ou de rancor, tempo suficiente para ouvir o elogio de quem garantia ser uma das mais raras livrarias de arquitectura existentes no mundo. OK. Tanto faz. Finis laus Deo.

(abro parênteses apenas para reparar uma meia-verdade: a livraria não fechou, continua aberta – fechada apenas, como as cidades, para quem não se der ao trabalho de dar por elas.)

(vasco pinto, Coimbra)

*

A descrição que faz de Coimbra é a do turista acidental que encalha num sítio que dizem ser o "centro da cidade" e que visto o centro viu tudo.

De facto o basófias e companhia são deprimentes. Mas há mais cidade!

Ouvi dizer que o Sena propunha como as duas mais importantes medidas pós queda do regime a extinção da PIDE-DGS e da Universidade de Coimbra! Provavelmente nunca disse nada disso mas a idéia tinha boas raízes. O problema é que o mundo mudou e as cidades com o mundo. Com certeza o que procura não está onde procura e o que lhe é devolvido na procura não é Coimbra é Portugal!

1. Livrarias

Não vejo grande diferença entre Coimbra e Lisboa ( não estou a falar de alfarrabistas). O panorama é de uma mediocridade confrangedora. Com a FNAC prevista para abrir a 26 deste mês menor a distância.

2. Universidade

Tem centros de excelência reconhecidos por avaliadores internacionais. Tem maus cursos e bons cursos. É demasiado grande e diversificada para ser boa ou má. Está à nossa medida. Entretanto o Salazar já morreu.

3. Vida cultural

Medíocre. Qualquer cidade francesa com o mesmo número de habitantes produz 10 vezes mais cultura que Coimbra. Assim como qualquer capital europeia que se preze produz 10 vezes mais cultura que Lisboa. Sobre a chamada área metropolitana do Porto não convém falar. Obviamente o 10 é um número como outro qualquer e o conceito de produção cultural é aquele que se quiser.

4. Iniciativas da sociedade civil: clubes; ongs; centros de convívio. Tudo muito mau. O costume em Portugal. Existe a televisão.

5. Capas e batinas.

Teve sorte em vê-las. Vivo cá e só as lobrigo nas festas académicas. A pavarosa Queima, a ridícula Latada, etc. Trata-se de folclore cretino. Existe em muitas cidades do mundo dito civilizado.

(Alberto Costa)

*

Não querendo abusar da sua paciência, e mesmo sabendo que não quererá transformar o assunto num diálogo entre os seus leitores, não queria deixar de informar, com referência ao comentário do senhor Paulo Agostinho, que pelo menos numa das três livrarias da Bertrand em Coimbra (uma delas, a maior do pais, segundo penso), encontrará concerteza o Evelyn Waugh, o Goethe e o Dickens, alguns deles em edições estrangeiras, não só da Penguin. Isto, supondo, razoavelmente, que os livros indicados no site da própria Bertrand também se vendem nas suas lojas de Coimbra. Mas posso estar enganado e numa próxima oportunidade irei confirmar.

(António Maçarico, Coimbra)

*

Uma nota que seria injusto não fazer. Coimbra possui uma excelente livraria especializada em Banda Desenhada, que está a entrar no mundo virtual e da

. Chama-se Dr Kartoon e aí encontram-se muitas publicações estrangeiras (inevitavelmente, já que pouco se deve publicar em português no campo da BD).

Paulo Agostinho

(Sobre a notajunto da qual se pode encontrar uma primeira série de comentários.)

O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TEMPESTADES COIMBRÃS

LENDO O LE MONDE DIPLOMATIQUE , JUNTO AO MONDEGO, NUM DIA CINZENTO, AO LADO DO BARCO "BASÓFIAS",

Para descentrar um pouco o debate, uma citação de Fernando Pessoa sobre "o provincianismo português":

«Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num sindroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.

O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz.

O sindroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.»

Recomendo o texto completo.

(João Filipe Queiró)

*

Viva

(de novo uma reacção ao Abrupto, de Pacheco Pereira, que pelo menos veio até Coimbra, provavelmente não para ouvir o ministro do ambiente, de cuja vinda eu própria só soube hoje, depois do debate na Assembleia da República...),

Susto e pavor, diz ele, a propósito das mulheres que em Coimbra viu! E talvez com alguma razão, mas não andarão elas um pouco por todo o lado, incluindo em Lisboa? Muito compostinhas e bem comportadas, intervieram hoje à tarde no debate da Assembleia da República deputadas de todos os partidos, em termos ideológicos de forma praticamente indistinta, a respeito do projecto de lei de apoio às vítimas de violência transfronteiriça. Mas moita a respeito de outro assunto em debate! (Refiro-me a um de que já aqui tenho falado várias vezes).

Bem poderão começar a tirar uma especialização em enfermagem, as mulheres de Portugal. É pelos vistos nesse papel que gostam mais de se ver, e é esse seguramente o papel (não remunerado) que mais tarde ou mais cedo lhes irá caber, pelo menos às de Coimbra. Ou então sentem-se bem no papel de secretárias e de empregadas domésticas.

Para além de no de donas ou empregadas de boutiques... Tudo fruto de um destino (ou «desígnio» inter)nacional. Porque, nestas condições, quem deseja verdadeiramente ser mãe?

Ou ler um livro, para adquirir a consciência

(incómoda) da dimensão a que a exploração chegou?

As estatísticas da natalidade confirmam-no.

Um certo (en)fado, seguramente, transforma-as em fadas. Ainda havemos de as ver (às deputadas no

parlamento) a limparem o suor da testa aos seus comparsas homens, entretidos nas suas engalfinhações retóricas e por vezes quase versejantes (salvo raras excepções: Carloto Marques foi hoje essa excepção, porque disse ao que vinha com autenticidade - a voz tremia-lhe um pouco - e sem encenações machistas).

Já vejo uma aura de ouro redondinha a nascer à volta da cabeça de muitas mulheres portuguesas, deputadas ou não, como nas representações medievais dos santos. O pior é que, antes de o círculo dourado da auréola se fechar, os dois semi-círculos que o formam, surgindo lentamente a partir de baixo, fazem com que a dada altura aquilo se pareça com uma meia-lua, equiparável a dois cornos de vaca. É dessa imagem da mulher que se alimenta boa parte da economia que nos afecta.

Não há destino que não possa por vezes dar em desatino...

Quase nenhuma mulher em Portugal questiona as matérias duras da economia, salvo honrosas excepções (Heloísa Apolónia foi hoje uma dessas excepções, mas cingiu-se demasiado à temática do ambiente, que possui contornos por vezes demasiado angelicais).

Berardo põe mulheres nuas arqueando o corpo no Centro Cultural de Belém, sem garantias de o Estado não sair financeiramente lesado, e a Cultura em Portugal (há uma mulher à frente desse ministério, por sinal...) fez o favor de aceitar a desfeita.

Pacheco Pereira queixa-se das livrarias de Coimbra. Não será por acaso que isso acontece...

É que em Coimbra é inaugurada em breve mais uma Fnac, na margem esquerda do Rio, num centro comercial megalómeno que abre dentro de dias (depois de há um ano ter sido inaugurado outro, deixando os restantes às moscas...). Quando se desce a Avenida Sá da Bandeira vê-se agora, por cima da silhueta daquilo que em tempos foi o agradabilíssimo mercado municipal de Coimbra, semi ao ar livre, a torre colorida de um espampanante e por sinal gigantesco centro comercial. Obviamente que não foi inocente a escolha do local, aliás no sítio onde antes se localizava uma fábrica têxtil entretanto falida.

Aí trabalhavam sobretudo mulheres. Talvez algumas tenham agora uma lojeca de trapos ou de colares de madeira com «coraçõezinhos».

Ora, no folheto de apresentação da Fnac, que bem poderia situar-se no Pólo 1 da Universidade, nem um livro vemos: apenas aparecem promoções de equipamento electrónico, desde computadores portáteis a câmaras de filmar, e o fado - sempre o fado - como chamariz, pois então. Ah, que saudades da minha biblioteca poeirenta e desarrumada, sem estilo nem design! Apetecia-me sentar-me lá num fim de tarde, com um livro bem velhinho e uma boa chávena de chocolate quente. Ouvindo o Requiem de Mozart.

Não me excluo da culpa por as coisas serem assim e por o conceito de cultura ser hoje tão restritivo e espumoso, sobretudo para as mulheres portuguesas. Mas - independentemente das definições que circulam - não deixo também de me sentir vítima dessa mesma cultura opressiva e até violenta, porque ela no fundo nos humilha.

De qualquer modo, se elas, as mulheres, não assumirem esse papel de fadas benfazejas, eles alguma vez o assumiriam? É aqui que está

(eternamente?) o cerne do problema da nossa incultura. Bem hajam aqueles (poucos) homens que são capazes de dar um passo em frente na mudança que urge fazer contra esta quantidade imensa de sorrisos amarelos na política portuguesa. E que não o fazem apenas para depois se contemplarem ao espelho, extasiados com o «estatuto» alcançado.

(Adelaide)

*

Surpreendente é para mim o sonho do leitor Paulo Agostinho. Sonha com uma Fnac, o antro do consumismo, dos jogos de computador, televisores de plasma e "gadgeteria" diversa, onde também há alguns livros e uns comes e bebes. Afinal ainda vai ser a "culture française" que vai inundar da "modernidade" as nossas tristes e baças cidades. Na passada, liberalize-se o preço do livro e rapidamente, nem livrarias "inimagináveis de provincianas, escuras, mal abastecidas" existirão.

Os homens sonham com uma Fnac ao pé da porta, onde se deslocarão de automóvel, como em tempos as donas de casa sonharam com um hipermercado. Eu sonho com mercearias e livrarias de referência. Dispenso essa alegre "modernidade", sou um autêntico selvagem.

(José Rui Fernandes)

*

A baixa e a alta de Coimbra, a estação de comboios Coimbra B, pararam no tempo. Coimbra parou no tempo. Mas é por isso mesmo que se torna tão enternecedora. Os gatos errantes nos becos, as calçadas íngremes, aqui e ali um grupo alegre de matriculados na Universidade (quais estudantes!), descontraídos e com olheiras, as velhas républicas, as lojas de moda completamente demodés, os restaurantes às moscas, a Queima à porta, a festa da Rainha Santa como há 40 anos, o ar leve da Primavera e aquela tranquilidade típica da irracionalidade e do provincionalismo puros (nos resultados do ano lectivo, dos lucros do comércio, na necessidade da cidade se modernizar…). Coimbra é uma canção, de sonho e tradição. A lua a faculdade. Ai, Saudade. Adoro a minha cidade!

(Helena Oliveira)

*

Também leio o “Le Monde Diplomatique”, mas nunca o li nem junto ao Mondego nem ao lado do “Basófias”. Questão de gosto, é claro.

Aqui vivo há 50 anos. Nunca deixei de comprar um livro que desejasse. A melhor colecção de Jornalismo, por exemplo, é editada aqui; são os livros que me interessam particularmente. É mais fácil encontrá-los em Coimbra do que noutro lado qualquer. Os de Direito, confesso, passam-me ao lado. Mas se também os há, e bons, tanto melhor.

E se não há algo que me interessa e cá não há, como vou por vezes a Lisboa e ao Porto, as FNAC são pontos de passagem obrigatórios. Outras vezes, navego pelas “ciber-livrarias”. É fácil, acredite; e muito mais seguro desde que inventaram o Mbnet.

Quanto a Coimbra-província pura, deixe-me dizer-lhe que fico feliz pela avaliação. Esse é o objectivo de quem cá está, acredite. Coimbra é uma aldeia; somos 120 mil e conhecemo-nos quase todos uns aos outros. Vive-se bem, acredite.

PS – Quando concluíram a auto-estrada Lisboa-Porto muitos disseram que Coimbra iria morrer. Enganaram-se: melhorou (e muito!) a nossa qualidade de vida. Continuamos provincianos, cidadãos do mundo.

(Mário Martins, Coimbra)

*

Não deixa de ser engraçado como continuamos a achar que tudo vemos sabemos a partir de uma mera observação. De facto, o que vemos vem dos nossos pressupostos, mais do que das observações. Os elefantezinhos e companhia em nada perdem para as folclóricas tias do Herman e as suas correspondentes reais - há-as em todo o país, ainda que sem a pronúncia da Linha.

Quanto ao andar "vestido à padre", não vejo que mal tenha isso, da mesma maneira que não vejo que mal tenha andar de fato e gravata ou andar vestido à punk. São linhas conformistas - mesmo as supostamente mais anti-conformistas, por vezes indicadoras de falta de autonomia para decidir.

Acho é estranho o adjectivo "poeirentos". Talvez onde estava, sem dúvida: é piso de terra - seco, presumo - é natural que as capas levantem algum pó. Mas é de facto algo que deixa um sorriso, não propriamente um incómodo, quando se passou pela cidade. A vida académica é bem mais rica do que noutras que conheci - e não me refiro ao folclore: há um contacto rico entre colegas de todas as áreas académicas, em actividades muito diversas, não apenas nos colegas do "grupo" ou "da faculdade". Há debate intelectual (e parvoíce comum, claro), há contacto com outras realidades - muito forte.

As livrarias são um aspecto cada vez menos importante neste particular, especialmente nas áreas técnicas: há acesso a informação actualizada via Web, há acesso ao inventário de quase todos os livros do mundo via Web, em vez de cingido às existências de uma livraria; há acesso barato a esses mesmos livros, quando decidimos comprá-los. O papel (nos dois sentidos) da livraria física continua válido, mas muito menos importante. Sim, as lojas da baixa estão decadentes - por culpa própria, pois impedindo a concorrência "moderna" dos centros comerciais até recentemente, era mais fácil subsistir.

Quanto às capas, usadas por muitos por apego e gosto pela tradição, são algo a louvar, pois é um uso mais autêntico do que tê-las meramente para efeitos administrativos de formatura ou cerimónia. E tanto jeito dá poder passar uns tempos só a ter de ter limpas e lavadas as camisas brancas e calças pretas, desde que não se suje a batina nem a capa... Que jeito dá ter uma capa para a noite fria, para por em cima da relva, para objecto ou fetiche de companhia... Enfim, compreendo a existência do seu ponto de vista, mas passa-me ao lado.

(Leonel Morgado)

*

Serei breve, mais pelo piscar de olho à amiga que mandou o Blog (não sou grande leitor do género, mas em cidades pequenas as notícias correm depressa…), do que para expiar a gravidade da ofensa ou o orgulho ferido… longe de mim, quero mesmo supor que todos têm razão, simplesmente quando J. fala de P., fica-se a saber mais de J. do que de P.… Neste cômputo, o choupal serviria tão bem ao desfecho, como o novo estádio municipal... Mas vamos às livrarias. Tudo uma questão de perspectiva, diria eu, e as cidades prestam-se muitos bem a todos os enganos.

Cresci sempre com a impressão de que Coimbra era uma cidade boa apenas para se nascer. A abertura de uma livraria a meias com amigos, foi a única razão suficiente para me fazer ficar uns anos mais. A ideia era nova e desempoeirada: uma espécie de extensão mais bem composta da estante lá de casa, num sítio aprazível, central e moribundo como convém, a uns metros do largo onde o Nozolino fez o retrato perfeito de uma cidade. A coisa tinha bom ar, embora fosse pintada a tinta barata. Uma única área disciplinar (a que conhecíamos melhor), bastante entrecruzada para não parecermos obsessivos e porque éramos jovens e atentos. Os livros nacionais ficavam de resto em desvantagem com os estrangeiros, apenas e só porque a produção local será sempre diminuta em relação a tudo o que se produz. A livraria durou o que durou, o tempo que a cidade quis e nem um pingo de nostalgia ou de rancor, tempo suficiente para ouvir o elogio de quem garantia ser uma das mais raras livrarias de arquitectura existentes no mundo. OK. Tanto faz. Finis laus Deo.

(abro parênteses apenas para reparar uma meia-verdade: a livraria não fechou, continua aberta – fechada apenas, como as cidades, para quem não se der ao trabalho de dar por elas.)

(vasco pinto, Coimbra)

*

A descrição que faz de Coimbra é a do turista acidental que encalha num sítio que dizem ser o "centro da cidade" e que visto o centro viu tudo.

De facto o basófias e companhia são deprimentes. Mas há mais cidade!

Ouvi dizer que o Sena propunha como as duas mais importantes medidas pós queda do regime a extinção da PIDE-DGS e da Universidade de Coimbra! Provavelmente nunca disse nada disso mas a idéia tinha boas raízes. O problema é que o mundo mudou e as cidades com o mundo. Com certeza o que procura não está onde procura e o que lhe é devolvido na procura não é Coimbra é Portugal!

1. Livrarias

Não vejo grande diferença entre Coimbra e Lisboa ( não estou a falar de alfarrabistas). O panorama é de uma mediocridade confrangedora. Com a FNAC prevista para abrir a 26 deste mês menor a distância.

2. Universidade

Tem centros de excelência reconhecidos por avaliadores internacionais. Tem maus cursos e bons cursos. É demasiado grande e diversificada para ser boa ou má. Está à nossa medida. Entretanto o Salazar já morreu.

3. Vida cultural

Medíocre. Qualquer cidade francesa com o mesmo número de habitantes produz 10 vezes mais cultura que Coimbra. Assim como qualquer capital europeia que se preze produz 10 vezes mais cultura que Lisboa. Sobre a chamada área metropolitana do Porto não convém falar. Obviamente o 10 é um número como outro qualquer e o conceito de produção cultural é aquele que se quiser.

4. Iniciativas da sociedade civil: clubes; ongs; centros de convívio. Tudo muito mau. O costume em Portugal. Existe a televisão.

5. Capas e batinas.

Teve sorte em vê-las. Vivo cá e só as lobrigo nas festas académicas. A pavarosa Queima, a ridícula Latada, etc. Trata-se de folclore cretino. Existe em muitas cidades do mundo dito civilizado.

(Alberto Costa)

*

Não querendo abusar da sua paciência, e mesmo sabendo que não quererá transformar o assunto num diálogo entre os seus leitores, não queria deixar de informar, com referência ao comentário do senhor Paulo Agostinho, que pelo menos numa das três livrarias da Bertrand em Coimbra (uma delas, a maior do pais, segundo penso), encontrará concerteza o Evelyn Waugh, o Goethe e o Dickens, alguns deles em edições estrangeiras, não só da Penguin. Isto, supondo, razoavelmente, que os livros indicados no site da própria Bertrand também se vendem nas suas lojas de Coimbra. Mas posso estar enganado e numa próxima oportunidade irei confirmar.

(António Maçarico, Coimbra)

*

Uma nota que seria injusto não fazer. Coimbra possui uma excelente livraria especializada em Banda Desenhada, que está a entrar no mundo virtual e da

. Chama-se Dr Kartoon e aí encontram-se muitas publicações estrangeiras (inevitavelmente, já que pouco se deve publicar em português no campo da BD).

Paulo Agostinho

(Sobre a notajunto da qual se pode encontrar uma primeira série de comentários.)

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