Almas Douradas: AMOR, SOMBRAS E BOEMIA...

12-10-2009
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É tarde já... Cheguei cansado e exausto, tragodentro da alma um complexo estranhamente vago,uma angústia que eu mesmo não sei definir...Acabei de dançar, de beber, de sorrir...Tenho os olhos ardendo, e eu sei, porque ainda a poucoOlhando-me no espelho tinha o olhar de um loucoe a palidez de um doente... E pensei para mimque essa vida da noite é exatamente assim:vale pela ilusão de que estamos contentes,ninguém sabe o que eu sinto... e quem sabe o que sente?A alegria que espuma, é a espuma da bebidaque dá ao sangue a impulsão de um excesso de vida;os gestos com que a alma inflamada se expandesintonizam com os gritos doidos de uma “Banda”,vamos buscar a vida, o prazer, e enojadossaímos com a impressão de que fomos logrados!Ora, o mundo afinal, não sendo mau nem bom,lembra mesmo uma casa alegre de meninas;na fachada o néon dos letreiros piscando,por dentro, uma algazarra falsa, transbordandosobre almas enfastiadas de tédio e de amor!Por trás destes letreiros cheios de esplendor,rebrilhantes, na névoa das horas já mortas,quantos vultos sem rumo entre as frestas das portas,quanta vida afinal desarvorada e ao léu!Dentro de todo o ruído e de todo escarcéu,sem se olhar para os lábios, - nos olhos, no fundo,há um drama que envergonha as platéias do mundo!Perdoa-me se escrevo estas coisas, perdoa,nem sei bem o que escrevo, estou traçando à toaestas linhas que lês... e esta filosofiabarata, eu a pensei, já à luz baça do diaque anda clareando o céu e desenhando as ruas...Cheguei; sentei-me aqui... e uma das poesias tuasEncontrei sobre a mesa esquecida; reli-a...Que amargura interior, que imensa nostalgiainvadiu-me! E com quanto isso pareça estranho,descobri por mim mesmo um desprezo tamanho,que os meus olhos choraram sem saber porquê...É tarde... e é muito cedo... o dia se entrevê...É uma difusa, extensa, e dúbia claridade,como uma olheira roxa a envolver a cidadeque dorme... Ouvem-se ao longe, passos, raramente,que ficam muito tempo no ouvido da gentee se perdem distante... e mais longe... e mais longe...sobre a face marmórea e pálida do diaesbranquiçando o espaço... Há uma funda poesiaao redor, no silêncio... E eu penso que nesta horatu dormes... E entrevendo, além, o vir da aurora,invejo o Sol que vai teus olhos despertar...Como deves ser linda a dormir e a sonhar!Calco os olhos... e sinto as pálpebras pesadas,mal vejo no papel as letras rabiscadas;a mão que as vai traçando, vacila, falseiacomo um ébrio que andasse a pisar sobre a areia...E nem queiras saber porque te escrevo, eu mesmonão saberei dizer... faço esta carta a esmo,e lendo-a, pensarás que enlouqueci...Pois seja! Fiquei louco de pensar em ti!Louco, sim! E entretanto se te visse agoraeu não te abraçaria... eu mandar-te-ia emboraou gritaria então quando surgisses: - “para!olha os meus olhos! Olha-os! Fita-os bem, repara!Não te encostes em mim! Os teus lábios não sujes!Porque há nos meus vestígios de ordinários ruges,Tenho-os vivos na boca! Ah, se as visses! Coitadas!Nem me toques... As mãos, também tenho-as marcadas,e ainda sinto ao redor do corpo, abraços frios,de braços que lembrando amarras de naviosprendem-se a qualquer cais... jogam-se a qualquer porto!Devo estar meio vivo, ou talvez meio morto...”Se chegasses aqui, por milagre ou encantohavias de me ver (talvez cheia de espanto),ajoelhar-me a teus pés... e pedir-te somenteque pousasses a mão em minha face ardente...Nada mais... nada mais ousaria pedireu que agora queria esquecer e dormir...Pensas o que tu quiseres, pensa que estou louco,Mas não me queiras mal afinal por tão pouco...Cheguei... Sentei-me aqui, alma abatida e farta,e encontrando ao acaso, esquecida, uma outra carta,reli-a... A tua carta, aquela que eu releiochorando a te adorar, e a pensar que te odeio...Perdoa se te escrevo, esta é uma carta morta,Bem sei que nada pode haver entre nós dois, - que importapois, que eu te fale ainda?... É um desabafo tristejá que tudo levaste... e nada mais subsiste...É tarde... o dia chega... a madrugada é alta...Ah! Se pudesses ver como me fazes falta!**J.G.Araújo Jorge**


É tarde já... Cheguei cansado e exausto, tragodentro da alma um complexo estranhamente vago,uma angústia que eu mesmo não sei definir...Acabei de dançar, de beber, de sorrir...Tenho os olhos ardendo, e eu sei, porque ainda a poucoOlhando-me no espelho tinha o olhar de um loucoe a palidez de um doente... E pensei para mimque essa vida da noite é exatamente assim:vale pela ilusão de que estamos contentes,ninguém sabe o que eu sinto... e quem sabe o que sente?A alegria que espuma, é a espuma da bebidaque dá ao sangue a impulsão de um excesso de vida;os gestos com que a alma inflamada se expandesintonizam com os gritos doidos de uma “Banda”,vamos buscar a vida, o prazer, e enojadossaímos com a impressão de que fomos logrados!Ora, o mundo afinal, não sendo mau nem bom,lembra mesmo uma casa alegre de meninas;na fachada o néon dos letreiros piscando,por dentro, uma algazarra falsa, transbordandosobre almas enfastiadas de tédio e de amor!Por trás destes letreiros cheios de esplendor,rebrilhantes, na névoa das horas já mortas,quantos vultos sem rumo entre as frestas das portas,quanta vida afinal desarvorada e ao léu!Dentro de todo o ruído e de todo escarcéu,sem se olhar para os lábios, - nos olhos, no fundo,há um drama que envergonha as platéias do mundo!Perdoa-me se escrevo estas coisas, perdoa,nem sei bem o que escrevo, estou traçando à toaestas linhas que lês... e esta filosofiabarata, eu a pensei, já à luz baça do diaque anda clareando o céu e desenhando as ruas...Cheguei; sentei-me aqui... e uma das poesias tuasEncontrei sobre a mesa esquecida; reli-a...Que amargura interior, que imensa nostalgiainvadiu-me! E com quanto isso pareça estranho,descobri por mim mesmo um desprezo tamanho,que os meus olhos choraram sem saber porquê...É tarde... e é muito cedo... o dia se entrevê...É uma difusa, extensa, e dúbia claridade,como uma olheira roxa a envolver a cidadeque dorme... Ouvem-se ao longe, passos, raramente,que ficam muito tempo no ouvido da gentee se perdem distante... e mais longe... e mais longe...sobre a face marmórea e pálida do diaesbranquiçando o espaço... Há uma funda poesiaao redor, no silêncio... E eu penso que nesta horatu dormes... E entrevendo, além, o vir da aurora,invejo o Sol que vai teus olhos despertar...Como deves ser linda a dormir e a sonhar!Calco os olhos... e sinto as pálpebras pesadas,mal vejo no papel as letras rabiscadas;a mão que as vai traçando, vacila, falseiacomo um ébrio que andasse a pisar sobre a areia...E nem queiras saber porque te escrevo, eu mesmonão saberei dizer... faço esta carta a esmo,e lendo-a, pensarás que enlouqueci...Pois seja! Fiquei louco de pensar em ti!Louco, sim! E entretanto se te visse agoraeu não te abraçaria... eu mandar-te-ia emboraou gritaria então quando surgisses: - “para!olha os meus olhos! Olha-os! Fita-os bem, repara!Não te encostes em mim! Os teus lábios não sujes!Porque há nos meus vestígios de ordinários ruges,Tenho-os vivos na boca! Ah, se as visses! Coitadas!Nem me toques... As mãos, também tenho-as marcadas,e ainda sinto ao redor do corpo, abraços frios,de braços que lembrando amarras de naviosprendem-se a qualquer cais... jogam-se a qualquer porto!Devo estar meio vivo, ou talvez meio morto...”Se chegasses aqui, por milagre ou encantohavias de me ver (talvez cheia de espanto),ajoelhar-me a teus pés... e pedir-te somenteque pousasses a mão em minha face ardente...Nada mais... nada mais ousaria pedireu que agora queria esquecer e dormir...Pensas o que tu quiseres, pensa que estou louco,Mas não me queiras mal afinal por tão pouco...Cheguei... Sentei-me aqui, alma abatida e farta,e encontrando ao acaso, esquecida, uma outra carta,reli-a... A tua carta, aquela que eu releiochorando a te adorar, e a pensar que te odeio...Perdoa se te escrevo, esta é uma carta morta,Bem sei que nada pode haver entre nós dois, - que importapois, que eu te fale ainda?... É um desabafo tristejá que tudo levaste... e nada mais subsiste...É tarde... o dia chega... a madrugada é alta...Ah! Se pudesses ver como me fazes falta!**J.G.Araújo Jorge**

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