∞ INFINITO’S ∞: Teoria do Medo: da política baixa aos factos concretos

04-10-2009
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Manuela Ferreira Leite parece que, agora, não sabe falar de outra coisa. Todos os seus discursos da campanha são focados no MEDO. No Medo das pressões que o Eng.º José Sócrates exerce no seio do funcionalismo público e nos meios empresariais, até na classe jornalística, na sociedade em geral, etc. & tal… E, por isso, fala de perseguições e “asfixia democrática”.Para quem advoga só praticar uma “política de verdade”, que considera “uma inovação” de sua autoria (?), era bom que antes de proferir este tipo de acusações avivasse a memória (que, convenhamos, está bastante emperrada) e recordasse o clima que se viveu neste país durante os mandatos, em maioria absoluta, do excelentíssimo senhor Primeiro Ministro Cavaco Silva, hoje digníssimo e silencioso Presidente da República.Eu sei que, entretanto, já se passaram muitos anos mas, em particular, é-me impossível esquecer (a mim e todos os meus colegas de trabalho à época) o que se passou no último trimestre de 1990 e primeiro semestre de 1991 aqui mesmo na Assembleia Distrital de Lisboa onde trabalho. Foram nove meses em que vivemos momentos de inqualificável terror (não, não foi antes do 25 de Abril, foi mesmo já em tempo de democracia), e não estou a exagerar, podem crer.A Assembleia Distrital de Lisboa era, então, um órgão desconcentrado do Ministério da Administração Interna presidida pelo Governador Civil (Dr. Moura Guedes) que delegara essa função no seu Vice (Machado Lourenço) que “cozinhou” com o Secretário de Estado Nunes Liberato (agora, Chefe da Casa Civil da Presidência da República), o texto de um diploma que viria a retirar todo o património (móvel, imóvel e activos financeiros – avaliado em milhares de milhões de escudos) àquela entidade e a transferi-lo para uma Comissão de Gestão criada à sua “imagem e semelhança” para que pudesse continuar a geri-lo a seu bel-prazer depois da autonomização daquelas estruturas como órgãos descentralizados, dependentes apenas das autarquias do distrito, como viria a acontecer a partir de 08-03-1991 na sequência da regulamentação do artigo 291.º da CRP que assim o determinava.Para que essa transferência de bens ocorresse “sem ondas” era necessário que fossem transferidos para o GC os serviços e o pessoal que havia na altura (Administração Geral, Cultura – Biblioteca e Museu Etnográfico e Assistência Social) devendo os funcionários assinar um requerimento a dizer que optavam, por sua livre e espontânea vontade, passar a pertencer à Administração Central e serem integrados no mal fadado “quadro de excedentes”.As pressões exercidas por Machado Lourenço foram imensas, desde ameaças de despedimento (não renovação dos contratos a termo – e era nessa situação que eu e muitos mais nos encontrávamos) até ao prenúncio de virmos a ficar sem vencimento nos próximos meses, tudo serviu para “cativar” os indecisos. Claro que a maioria das dezenas de trabalhadores acabaram por não hesitar e assinar o referido documento. Quase todos, menos oito funcionários da Biblioteca dos Serviços de Cultura da ADL, entre os quais eu me encontrava.A partir daí, as represálias não pararam. Desde impedir a limpeza do 3.º andar onde se situava a Biblioteca (convém esclarecer que o gabinete de Machado Lourenço era no 1.º andar do mesmo edifício), a cortar os cabos dos aparelhos de ar condicionado da sala de leitura (lembro que era Inverno pelo que esta vandalização acabou por fazer-nos passar uns gélidos meses de Inverno), até à violação de correspondência (que nos era entregue ostensivamente aberta) tudo aconteceu naqueles meses posteriores.Mas houve mais, muito mais… O meu gabinete era no 4.º andar e um dia entram porta dentro dois funcionários, a mando de Machado Lourenço, e dão-me ordem de “despejo” (?). Como recusei sair, levam-me em ombros e, de seguida, trancam-me a sala lá ficando todo o meu trabalho e uma secretária com documentos pessoais. No dia seguinte, encontrei as minhas coisas no chão da entrada do 3.º andar ao lado dos sacos do lixo que se acumulavam por não serem recolhidos há semanas.E a partir de 8 de Março de 1991 foi a machadada final: aqueles oito trabalhadores ficaram sem receber vencimento até Julho desse ano. Encetámos diversas diligências, solicitámos várias audiências, inclusive com o então Director Geral das Autarquias Locais (o hoje candidato a Presidente da Câmara Municipal de Almada, Dr. Pedroso de Almeida) – que também estava sedeado no mesmo edifico da ADL (5.º andar), mas todos foram insensíveis aos nossos argumentos… Sentíamo-nos cercados, ostensivamente abandonados (nem os sindicatos ousaram fazer fosse o que fosse), presos numa teia de enredos políticos manobrados pelo PSD.Apoiada por alguns colegas, apresentei queixa à polícia, denunciei o caso à IGAT (hoje IGAL), contactei o Provedor de Justiça e dei entrevistas a vários jornais, entre eles, o Público, Diário de Notícias, Capital, O Independente, Tal & Qual e até o Diário Económico, onde toda a trama em volta desta situação foi sendo notícia regular.Porque ousei desmascarar o que se passava, fui difamada e ostracizada (os colegas que haviam passado para o Governo Civil estavam proibidos de me falar), tentaram denegrir a minha imagem pessoal e profissional, testemunhei em tribunal, eu sei lá mais o quê… tanta coisa se passou… e eu aqui apenas vos relato uma pequena parte.Foram tempos horríveis, que só me faziam lembrar “O processo” de Franz Kafka, mas numa versão ainda mais negra, e quase me fizeram desistir. Posso dizer-vos que até fome passei (na altura o meu ex-marido estava desempregado) e só não fiquei sem a casa e pude continuar a deslocar-me para o emprego todos os dias porque a minha ex-directora de Serviços fez o favor de me emprestar algum dinheiro para essas despesas básicas.Felizmente resisti. E posso dizer-vos que valeu a pena. Mas se fosse hoje, não sei se teria tanta coragem.Por isso, vir agora o PSD falar de medo e “asfixia democrática” deixa-me enojada. São manobras de política baixa, destinadas a desviar as atenções dos eleitores. Francamente… Medo tenho eu de voltar àqueles tempos.


Manuela Ferreira Leite parece que, agora, não sabe falar de outra coisa. Todos os seus discursos da campanha são focados no MEDO. No Medo das pressões que o Eng.º José Sócrates exerce no seio do funcionalismo público e nos meios empresariais, até na classe jornalística, na sociedade em geral, etc. & tal… E, por isso, fala de perseguições e “asfixia democrática”.Para quem advoga só praticar uma “política de verdade”, que considera “uma inovação” de sua autoria (?), era bom que antes de proferir este tipo de acusações avivasse a memória (que, convenhamos, está bastante emperrada) e recordasse o clima que se viveu neste país durante os mandatos, em maioria absoluta, do excelentíssimo senhor Primeiro Ministro Cavaco Silva, hoje digníssimo e silencioso Presidente da República.Eu sei que, entretanto, já se passaram muitos anos mas, em particular, é-me impossível esquecer (a mim e todos os meus colegas de trabalho à época) o que se passou no último trimestre de 1990 e primeiro semestre de 1991 aqui mesmo na Assembleia Distrital de Lisboa onde trabalho. Foram nove meses em que vivemos momentos de inqualificável terror (não, não foi antes do 25 de Abril, foi mesmo já em tempo de democracia), e não estou a exagerar, podem crer.A Assembleia Distrital de Lisboa era, então, um órgão desconcentrado do Ministério da Administração Interna presidida pelo Governador Civil (Dr. Moura Guedes) que delegara essa função no seu Vice (Machado Lourenço) que “cozinhou” com o Secretário de Estado Nunes Liberato (agora, Chefe da Casa Civil da Presidência da República), o texto de um diploma que viria a retirar todo o património (móvel, imóvel e activos financeiros – avaliado em milhares de milhões de escudos) àquela entidade e a transferi-lo para uma Comissão de Gestão criada à sua “imagem e semelhança” para que pudesse continuar a geri-lo a seu bel-prazer depois da autonomização daquelas estruturas como órgãos descentralizados, dependentes apenas das autarquias do distrito, como viria a acontecer a partir de 08-03-1991 na sequência da regulamentação do artigo 291.º da CRP que assim o determinava.Para que essa transferência de bens ocorresse “sem ondas” era necessário que fossem transferidos para o GC os serviços e o pessoal que havia na altura (Administração Geral, Cultura – Biblioteca e Museu Etnográfico e Assistência Social) devendo os funcionários assinar um requerimento a dizer que optavam, por sua livre e espontânea vontade, passar a pertencer à Administração Central e serem integrados no mal fadado “quadro de excedentes”.As pressões exercidas por Machado Lourenço foram imensas, desde ameaças de despedimento (não renovação dos contratos a termo – e era nessa situação que eu e muitos mais nos encontrávamos) até ao prenúncio de virmos a ficar sem vencimento nos próximos meses, tudo serviu para “cativar” os indecisos. Claro que a maioria das dezenas de trabalhadores acabaram por não hesitar e assinar o referido documento. Quase todos, menos oito funcionários da Biblioteca dos Serviços de Cultura da ADL, entre os quais eu me encontrava.A partir daí, as represálias não pararam. Desde impedir a limpeza do 3.º andar onde se situava a Biblioteca (convém esclarecer que o gabinete de Machado Lourenço era no 1.º andar do mesmo edifício), a cortar os cabos dos aparelhos de ar condicionado da sala de leitura (lembro que era Inverno pelo que esta vandalização acabou por fazer-nos passar uns gélidos meses de Inverno), até à violação de correspondência (que nos era entregue ostensivamente aberta) tudo aconteceu naqueles meses posteriores.Mas houve mais, muito mais… O meu gabinete era no 4.º andar e um dia entram porta dentro dois funcionários, a mando de Machado Lourenço, e dão-me ordem de “despejo” (?). Como recusei sair, levam-me em ombros e, de seguida, trancam-me a sala lá ficando todo o meu trabalho e uma secretária com documentos pessoais. No dia seguinte, encontrei as minhas coisas no chão da entrada do 3.º andar ao lado dos sacos do lixo que se acumulavam por não serem recolhidos há semanas.E a partir de 8 de Março de 1991 foi a machadada final: aqueles oito trabalhadores ficaram sem receber vencimento até Julho desse ano. Encetámos diversas diligências, solicitámos várias audiências, inclusive com o então Director Geral das Autarquias Locais (o hoje candidato a Presidente da Câmara Municipal de Almada, Dr. Pedroso de Almeida) – que também estava sedeado no mesmo edifico da ADL (5.º andar), mas todos foram insensíveis aos nossos argumentos… Sentíamo-nos cercados, ostensivamente abandonados (nem os sindicatos ousaram fazer fosse o que fosse), presos numa teia de enredos políticos manobrados pelo PSD.Apoiada por alguns colegas, apresentei queixa à polícia, denunciei o caso à IGAT (hoje IGAL), contactei o Provedor de Justiça e dei entrevistas a vários jornais, entre eles, o Público, Diário de Notícias, Capital, O Independente, Tal & Qual e até o Diário Económico, onde toda a trama em volta desta situação foi sendo notícia regular.Porque ousei desmascarar o que se passava, fui difamada e ostracizada (os colegas que haviam passado para o Governo Civil estavam proibidos de me falar), tentaram denegrir a minha imagem pessoal e profissional, testemunhei em tribunal, eu sei lá mais o quê… tanta coisa se passou… e eu aqui apenas vos relato uma pequena parte.Foram tempos horríveis, que só me faziam lembrar “O processo” de Franz Kafka, mas numa versão ainda mais negra, e quase me fizeram desistir. Posso dizer-vos que até fome passei (na altura o meu ex-marido estava desempregado) e só não fiquei sem a casa e pude continuar a deslocar-me para o emprego todos os dias porque a minha ex-directora de Serviços fez o favor de me emprestar algum dinheiro para essas despesas básicas.Felizmente resisti. E posso dizer-vos que valeu a pena. Mas se fosse hoje, não sei se teria tanta coragem.Por isso, vir agora o PSD falar de medo e “asfixia democrática” deixa-me enojada. São manobras de política baixa, destinadas a desviar as atenções dos eleitores. Francamente… Medo tenho eu de voltar àqueles tempos.

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