O valor das ideias: Vícios Privados, Virtudes Públicas

30-09-2009
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Manchetes como a do Expresso de hoje, sobre o PPR de Francisco Louçã, ou a participação de Ana Drago na compra de acções em privatizações, seriam em princípio matéria do foro privado e que não seria digno trazer ao espaço público de discussão. E, no entanto, o Expresso agiu bem. Porque o BE, tal como este PSD, com esta liderança, assume-se como mais que um partido político que disputa eleições no campo das ideias e dos projectos. Se o PSD proclama ter uma líder ungida pelo dom da Verdade, concedido por graça divina, caindo sobre ela um manto de insuspeita honestidade, que dispensa prova porque fala por si (apesar das contradições, das mentiras em que foi apanhada em debates, dos casos de António Preto e Helena Lopes da Costa, das alegadas compras de votos na distrital a que presidiu, do seu passado como ministra das finanças - em que se deram os negócios da venda de dívida ao Citigroup, do edifício dos CTT, da Quinta da Falagueira, etc.), e se dispensa por isso de ter um programa coerente; o BE surge como o arauto da pureza anti-capitalista, ideologicamente fundada num socialismo de que são donos, e com raízes em toda a sua história de vida.Ambos vendem mais que um projecto: vendem uma ideia de seriedade política incorruptível. Estão, acima da própria política, que é uma actividade menor. Para uns porque é suja e a líder, apesar dos 20 anos que leva no meio político, passa por cima dela como numa núvem, sem a tocar com os pés, De modo angelical. Para outros, porque a essência da política (o compromisso, a negociação) é negada pela impossibilidade de cederem às forças democráticas com matrizes de pensamento diferentes.Pela sua natureza, proclamada como anti-capitalista por Francisco Louçã, em recente entrevista ao Público, o BE coloca-se como um partido fora da ordenação social e jurídica em que vivemos. Buscando uma sociedade sem classes, como se infere deste texto do João Rodrigues. Ao advogar o fim dos benefícios fiscais dos PPR, Louçã está, diz ele, a defender a maior progressividade do sistema fiscal, que esses benefícios atenuam. Não basta por isso, a quem apresenta um ideário deste teor, justificar-se hoje no plano divino, dizendo que defendeu o fim dos benefícios fiscais contra os seus próprios interesses. Pode resultar em termos televisivos, mas a contradição insanável existe.Louçã deteve 30000 Euros sob a forma de um PPR. Que não constavam das declarações do Tribunal Constitucional de 2004 ou 2007. Foi, portanto, uma decisão recente. O que significa que procurou o tipo de benefícios fiscais que hoje condena. O revolucionário e fracturante líder do BE, que declarou ao Público, na tal entrevista, ser um homem coerente, com a mesma ideologia desde os 15 anos!, surge com uma mácula que não consegue explicar: já que o PPR foi constituído depois de Louçã ter 15 anos, a sua ideologia autoproclamada como imutável, choca frontalmente com a sua conduta. Num momento recente, ele procurou beneficiar de um produto de poupança privado, que atacava a essência do objectivo da sociedade sem classes que o BE persegue. E não abandonou esse produto por perceber a incoerência. Segundo disse às televisões: foi com o seu PPR que ganhou consciência dos fracos retornos destes instrumentos.Em suma, o sacerdote da esquerda, que se arroga o direito de definir quem é verdadeiramente socialista e quem não é, o moralista do anti-capitalismo, ideologicamente coerente desde os 15 anos, surge com uma sombra: procurou tirar os benefícios que o sistema capitalista lhe oferecia. E, na aparência, o meticuloso estudo por detrás das propostas eleitorais do BE são as experiências fracassadas de Louçã nos mercados financeiros.Diz o programa do BE, que os PPR são uma forma de esvaziamento da provisão pública da segurança social. Para o qual, conscientemente, Francisco Louçã quis contribuir?Ana Drago dá igualmente o rosto por um programa em que as nacionalizações são um elemento forte e marcante. Contudo, beneficiou dos ganhos bolsistas resultantes da compra de acções em processos de privatização. Indigna-se Daniel Oliveira por serem pequenos montantes. Caro Daniel, foi exactamente esse tipo de capitalismo popular que Margaret Thatcher fomentou no Reino Unido. No que é considerada a maior experiência do neoliberalismo na Europa. Um partido com a pureza ideológica do BE, que não cede ao neoliberalismo nem um milímetro, que não se compromete, perde coerência ao procurar beneficiar de processos de alienação de empresas públicas, para depois advogar que os monopólios naturais, os seguros, a banca e todas as instituições financeiras devem estar na propriedade do Estado, ou subordinadas ao controlo de políticas públicas.Acreditando que Ana Drago não tenha comprado acções em processos de privatização para tentar tomar o poder nessas empresas e as devolver ao Estado, o seu objectivo foi revendê-las a um preço mais alto (especulação bolsista?) ou beneficiar dos dividendos distribuídos(tanto maiores quanto mais se afastassem as empresas em causa de uma política de preços que tivesse em mente os interesses sociais). É por estas coisas que prefiro servidores públicos com defeitos assumidos, mas que procuram políticas reformistas que defendam valores de esquerda, sem se proclamarem como santos. Prefiro homens. José Sócrates disputas as eleições no plano das ideias de cada programa. Não se esconde em cortinas de fumo de purezas auto proclamadas. Assume um programa de esquerda que recusa o Estado Mínimo e o Estado Totalitário. A isso eu chamo um Político. Com p maiúsculo.


Manchetes como a do Expresso de hoje, sobre o PPR de Francisco Louçã, ou a participação de Ana Drago na compra de acções em privatizações, seriam em princípio matéria do foro privado e que não seria digno trazer ao espaço público de discussão. E, no entanto, o Expresso agiu bem. Porque o BE, tal como este PSD, com esta liderança, assume-se como mais que um partido político que disputa eleições no campo das ideias e dos projectos. Se o PSD proclama ter uma líder ungida pelo dom da Verdade, concedido por graça divina, caindo sobre ela um manto de insuspeita honestidade, que dispensa prova porque fala por si (apesar das contradições, das mentiras em que foi apanhada em debates, dos casos de António Preto e Helena Lopes da Costa, das alegadas compras de votos na distrital a que presidiu, do seu passado como ministra das finanças - em que se deram os negócios da venda de dívida ao Citigroup, do edifício dos CTT, da Quinta da Falagueira, etc.), e se dispensa por isso de ter um programa coerente; o BE surge como o arauto da pureza anti-capitalista, ideologicamente fundada num socialismo de que são donos, e com raízes em toda a sua história de vida.Ambos vendem mais que um projecto: vendem uma ideia de seriedade política incorruptível. Estão, acima da própria política, que é uma actividade menor. Para uns porque é suja e a líder, apesar dos 20 anos que leva no meio político, passa por cima dela como numa núvem, sem a tocar com os pés, De modo angelical. Para outros, porque a essência da política (o compromisso, a negociação) é negada pela impossibilidade de cederem às forças democráticas com matrizes de pensamento diferentes.Pela sua natureza, proclamada como anti-capitalista por Francisco Louçã, em recente entrevista ao Público, o BE coloca-se como um partido fora da ordenação social e jurídica em que vivemos. Buscando uma sociedade sem classes, como se infere deste texto do João Rodrigues. Ao advogar o fim dos benefícios fiscais dos PPR, Louçã está, diz ele, a defender a maior progressividade do sistema fiscal, que esses benefícios atenuam. Não basta por isso, a quem apresenta um ideário deste teor, justificar-se hoje no plano divino, dizendo que defendeu o fim dos benefícios fiscais contra os seus próprios interesses. Pode resultar em termos televisivos, mas a contradição insanável existe.Louçã deteve 30000 Euros sob a forma de um PPR. Que não constavam das declarações do Tribunal Constitucional de 2004 ou 2007. Foi, portanto, uma decisão recente. O que significa que procurou o tipo de benefícios fiscais que hoje condena. O revolucionário e fracturante líder do BE, que declarou ao Público, na tal entrevista, ser um homem coerente, com a mesma ideologia desde os 15 anos!, surge com uma mácula que não consegue explicar: já que o PPR foi constituído depois de Louçã ter 15 anos, a sua ideologia autoproclamada como imutável, choca frontalmente com a sua conduta. Num momento recente, ele procurou beneficiar de um produto de poupança privado, que atacava a essência do objectivo da sociedade sem classes que o BE persegue. E não abandonou esse produto por perceber a incoerência. Segundo disse às televisões: foi com o seu PPR que ganhou consciência dos fracos retornos destes instrumentos.Em suma, o sacerdote da esquerda, que se arroga o direito de definir quem é verdadeiramente socialista e quem não é, o moralista do anti-capitalismo, ideologicamente coerente desde os 15 anos, surge com uma sombra: procurou tirar os benefícios que o sistema capitalista lhe oferecia. E, na aparência, o meticuloso estudo por detrás das propostas eleitorais do BE são as experiências fracassadas de Louçã nos mercados financeiros.Diz o programa do BE, que os PPR são uma forma de esvaziamento da provisão pública da segurança social. Para o qual, conscientemente, Francisco Louçã quis contribuir?Ana Drago dá igualmente o rosto por um programa em que as nacionalizações são um elemento forte e marcante. Contudo, beneficiou dos ganhos bolsistas resultantes da compra de acções em processos de privatização. Indigna-se Daniel Oliveira por serem pequenos montantes. Caro Daniel, foi exactamente esse tipo de capitalismo popular que Margaret Thatcher fomentou no Reino Unido. No que é considerada a maior experiência do neoliberalismo na Europa. Um partido com a pureza ideológica do BE, que não cede ao neoliberalismo nem um milímetro, que não se compromete, perde coerência ao procurar beneficiar de processos de alienação de empresas públicas, para depois advogar que os monopólios naturais, os seguros, a banca e todas as instituições financeiras devem estar na propriedade do Estado, ou subordinadas ao controlo de políticas públicas.Acreditando que Ana Drago não tenha comprado acções em processos de privatização para tentar tomar o poder nessas empresas e as devolver ao Estado, o seu objectivo foi revendê-las a um preço mais alto (especulação bolsista?) ou beneficiar dos dividendos distribuídos(tanto maiores quanto mais se afastassem as empresas em causa de uma política de preços que tivesse em mente os interesses sociais). É por estas coisas que prefiro servidores públicos com defeitos assumidos, mas que procuram políticas reformistas que defendam valores de esquerda, sem se proclamarem como santos. Prefiro homens. José Sócrates disputas as eleições no plano das ideias de cada programa. Não se esconde em cortinas de fumo de purezas auto proclamadas. Assume um programa de esquerda que recusa o Estado Mínimo e o Estado Totalitário. A isso eu chamo um Político. Com p maiúsculo.

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