O Carmo e a Trindade

26-06-2009
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(fotografia Portugal Diário)Coerente nas suas posições (antes e após a sua construção) quanto às questões de segurança no túnel do Marquês, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, recebi o seguinte comunicado que tomo a liberdade de divulgar:LISBOA: NASCE UM PONTO NEGRO NO MARQUÊS Um túnel com 9% de inclinação – 10% em certos pontos – não é um túnel seguro.É um túnel de risco.Esse risco pode ser diminuído, monitorizado, desvalorizado, negado.Mas existe.Por isso mesmo, a Directiva da União Europeia sobre segurança em túneis, de Abril 2004, indica que não se ultrapasse a inclinação máxima de 5% em túneis da Rede Europeia de Estradas.A CML não tem normas específicas sobre segurança em túneis. Segue as normas da Estradas de Portugal (ex-JAE) que, por sua vez transcreve a Directiva Europeia como referência para todos os túneis portugueses.O desrespeito por normas de segurança internacional não pode (ou não deveria) ser camuflado por propaganda publicitária.Voltamos a dizer, como sempre dissemos: o túnel do Marquês não é seguro.E voltamos a dizer, como sempre dissemos: as entradas e saídas do túnel impedem a livre e segura circulação dos peões na zona do Marquês.Não queremos ser cúmplices de eventuais fatalidades futuras neste novo túnel, seja por atropelamento seja por despiste ou colisão.Por isso, voltamos a lembrar o que dissemos em 2004: A CML construiu um ponto negro no Marquês.Abaixo, enviamos extractos da documentação produzida pela ACA-M no âmbito da Declaração de Impacto Ambiental do Túnel do Marquês, em 2004A direcção da ACA-MDocumentos:Directiva 2004/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa aos requisitos mínimos de segurança para os túneis da rede rodoviária transeuropeia:(...)2.2.2. Não devem ser permitidos declives longitudinais superiores a 5% nos novos túneis, salvo se não for geograficamente possível nenhuma outra solução. [era possível outra solução]2.2.3. Nos túneis com declives superiores a 3%, serão tomadas medidas adicionais e/ou reforçadas para melhorar a segurança com base numa análise de riscos [não foi realizada análise e riscos].Pronunciamento da ACA-M sobre o Estudo de Impacte Ambiental da Concepção/Construção do Desnivelamento da Av. Duarte Pacheco, Rua Joaquim António de Aguiar e Av. Fontes Pereira de Melo (Túnel do Marquês):Consultar o texto completo em Consultar o texto completo emhttp://www.aca-m.org/documentos/propostas_e_pareceres/pronunciamento_eia_tunel.pdf(...) Perigo inerente ao projectoO perigo inerente (in-built) da infra-estrutura proposta – sobretudo, a sua inclinação excessiva, a sua grande extensão e a suas características indutoras de congestionamento - decorre directamente da opção de traçado e não é um factor de risco que possa ser simplesmente negligenciado, minimizado ou eliminado.- no final da inclinação com uma pendente média de 9,3%, no sentido Cascais-Lisboa, indica-se a intenção de construção de uma curva apertada e sem visibilidade;- o perfil transversal do túnel não é suficientemente largo para possibilitar a passagem de veículos de emergência entre as duas vias que compõem cada faixa de rodagem;- não estão previstas rampas de fuga intervaladas de modo a permitir o auto-salvamento de pessoas, incluindo aquelas com capacidades de mobilidade reduzida;- o túnel, apesar da sua grande extensão – mais de 1200 metros – não é concebido em tubo duplo com corta-fogos intervalados;- e a sua estrutura, com vigas de sustentação transversais, não permite uma ventilação adequada preventora de intoxicação em caso de incêndio.O imperativo ético-legalO Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia aprovaram a Directiva 2004/54/CE relativa aos requisitos mínimos de segurança para os túneis da Rede Rodoviária Europeia.A inexistência de qualquer norma construtiva específica sobre túneis, por parte da Câmara Municipal de Lisboa é um motivo adicional para que seja tido em consideração o conjunto de requisitos mínimos de segurança em túneis listados na directiva supra-mencionada. Não é nunca, por isso, demais sublinhar que esta vem obrigar os estados-membros a cumprir pelo menos esses requisitos mínimos, desejando-se sempre que eles prefiram a todo o momento valorizar requisitos máximos de segurança nos túneis sob sua responsabilidade.[um ano mais tarde, a directiva foi adoptada pelo então Instituto de Estradas de Portugal]Perigo no túnelO Comité da PIARC para os Túneis Rodoviários estipula que:- um gradiente de 3,5% aumenta em 5 vezes probabilidade de avarias e auto-ignição dos veículos;- um gradiente de 5% duplica a probabilidade de intoxicação mortal por ingestão de monóxido de carbono e outros gases venenosos (dado os fumos só terem uma direcção de saída);- um gradiente de 3,5% obriga a distâncias de travagem superiores a 30m, a 50km/h.É verdade que um desastre, auto-ignição ou incêndio num túnel com pendentes elevadas envolvendo veículos pesados tem consequências particularmente graves, por relação àqueles envolvendo apenas viaturas ligeiras. Mas a análise de risco não avalia o risco de despiste ou colisão de um veículo com peso bruto entre os 3,000 e os 3,500 quilos, nem calcula as distâncias de segurança e a velocidade permitida em função dos tempos de travagem nas descidas de grande inclinação, seja para as viaturas autorizadas em geral, seja para este tipo de veículos em particular.A Directiva indica que “os condutores dos veículos rodoviários de transporte de passageiros devem, em condições normais, manter em relação ao veículo da frente uma distancia mínima equivalente à distância percorrida pelo veículo em dois segundos” (Directiva 2004/54/CE, p. 79). O Estudo de Impacte Ambiental, infelizmente, não procede a um cálculo dos fluxos de tráfego no interior do túnel em combinação com a velocidade máxima a permitir, o tempo de travagem, a pendente e a curva apertada.Numa via com uma pendente inferior a 2,5%, o tempo de travagem para uma viatura ligeira circulando a 40/50 km/h é, em média, de 2 segundos, e a distância percorrida de 25 metros. No caso do “túnel do Marquês” seria essencial calcular o impacto de uma inclinação superior a 9% em pelo menos duas secções do túnel sobre os tempos e distâncias de travagem para determinar qual a distância de segurança entre veículos e, por extensão, definir a real capacidade do túnel. Sem estabelecer estes valores, é totalmente especulativa qualquer análise do impacto do túnel sobre fluxos de tráfego e sobre segurança rodoviária.O EIA não considera o facto de, em pendentes inclinadas, uma viatura com peso bruto de 3,500 quilos (se tiver uma tara legal) necessita de um tempo de travagem até 50% superior a um veículo ligeiro de classe 1 e 2, o que significa que as distâncias de segurança no interior do túnel não apenas deverão ser claramente superiores aos 25 metros propostos na Directiva para “condições normais” devido à pendente e curva apertada, mas também devido à presença daquele tipo de veículos (viaturas comerciais, viaturas mistas, minibus, camionetas de caixa aberta, jipes, SUVs).Como afirmámos anteriormente, a equipa que elaborou a análise de risco não fundamenta a sua recomendação sobre uma velocidade máxima no interior do túnel entre 40 e 50 km/hora. Não seria de admirar que o cálculo acima proposto impusesse uma velocidade máxima segura não superior a 30 km/h, com uma presença de não mais de 25 veículos no interior do túnel a cada momento, em cada faixa – situação que, associada à necessidade de monitorização nas rampas de saída das Avs. Fontes Pereira de Melo e António Augusto Aguiar devido à probabilidade de congestionamento à superfície em horas de ponta, obrigaria ao acendimento frequente da semaforização antecipativa na entrada da Av. Duarte Pacheco - Av. Joaquim António de Aguiar e, portanto, à perversão absoluta da intenção de descongestionamento do trânsito de entrada naquela secção.Desresponsabilização vs boas práticasA não consideração deste tipo de cálculos, impede uma devida avaliação da obra em termos de custo-eficácia no descongestionamento do tráfego e de custo-benefício com contabilização do risco potencial de acidente e incêndio. A este propósito, há que confrontar a argumentação do EIA a propósito do “civismo” dos condutores. O estudo diz que “a questão do civismo dos automobilistas é uma questão de formação no que se refere ao cumprimento da lei. Em relação a esta matéria nada poderá ser proposto (Relatórios Técnicos: Análise de Risco, p. 41). Responsabiliza também os condutores pela eventualidade de colisão e despiste, caso não cumpram rigorosamente os limites de velocidade, em especial na secção com pendente superior a 9% (sentido Cascais-Lisboa) (cf. Relatório-Síntese, p.108).A primeira responsabilidade da CML é oferecer uma infra-estrutura segura, tolerante e auto-explicativa. No caso do “túnel do Marquês” não será apenas no período nocturno que o problema da velocidade excessiva (e da alegada “falta de civisimo”) se poderá colocar. Estudos recentes de psicologia social demonstram que a condução agressiva e o excesso de velocidade em zonas urbanas e peri-urbanas derivam directamente da tensão provocada por congestionamentos, em particular quando estes antecedem vias onde a circulação se faz fluidamente. O caso do projecto do túnel do Marquês é uma ilustração da previsibilidade deste tipo de reacção: confrontados com congestionamentos contínuos à superfície, nomeadamente à entrada de Lisboa (A5, acessos em Monsanto, Av. Duarte Pacheco, túnel das Amoreiras), os condutores terão a tendência, potenciada pela inclinação excessiva do túnel e pela súbita ausência de congestionamento (pelas razões de segurança acima apontadas), para a prática de comportamentos agressivos, velocidades excessivas e manobras perigosas.Em casos como este, desresponsabilizar a influência da infra-estrutura projectada, como parte co-causadora, na ocorrência de desastres graves, e lançar o ónus da responsabilidade para os chamados – mas não compreendidos – comportamentos de falta de civismo, é uma atitude totalmente contrária ao espírito de boas práticas e auto-responsabilização das entidades gestoras, que deveriam ter no conceito “horizonte zero”, primeiramente desenvolvido pelas autoridades gestoras da segurança rodoviária da Suécia, e posteriormente promovido pela Organização Mundial de Saúde e adoptado pela Comissão Europeia e pelo Conselho da UE, um importante corolário e exemplo.Consultar também:http://www.aca-m.org/documentos/opiniao/fazer_tuneis_a_olhometro.htmlhttp://www.aca-m.org/documentos/comunicados/comunicado_de_2004_5_4.htmlhttp://www.aca-m.org/documentos/comunicados/comunicado_de_2003_9_18.htmlhttp://www.aca-m.org/documentos/propostas_e_pareceres/eia_tunel_jsfernandes.pdfLisboa, 24 de Abril 2007(Maria Isabel Goulão)


(fotografia Portugal Diário)Coerente nas suas posições (antes e após a sua construção) quanto às questões de segurança no túnel do Marquês, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, recebi o seguinte comunicado que tomo a liberdade de divulgar:LISBOA: NASCE UM PONTO NEGRO NO MARQUÊS Um túnel com 9% de inclinação – 10% em certos pontos – não é um túnel seguro.É um túnel de risco.Esse risco pode ser diminuído, monitorizado, desvalorizado, negado.Mas existe.Por isso mesmo, a Directiva da União Europeia sobre segurança em túneis, de Abril 2004, indica que não se ultrapasse a inclinação máxima de 5% em túneis da Rede Europeia de Estradas.A CML não tem normas específicas sobre segurança em túneis. Segue as normas da Estradas de Portugal (ex-JAE) que, por sua vez transcreve a Directiva Europeia como referência para todos os túneis portugueses.O desrespeito por normas de segurança internacional não pode (ou não deveria) ser camuflado por propaganda publicitária.Voltamos a dizer, como sempre dissemos: o túnel do Marquês não é seguro.E voltamos a dizer, como sempre dissemos: as entradas e saídas do túnel impedem a livre e segura circulação dos peões na zona do Marquês.Não queremos ser cúmplices de eventuais fatalidades futuras neste novo túnel, seja por atropelamento seja por despiste ou colisão.Por isso, voltamos a lembrar o que dissemos em 2004: A CML construiu um ponto negro no Marquês.Abaixo, enviamos extractos da documentação produzida pela ACA-M no âmbito da Declaração de Impacto Ambiental do Túnel do Marquês, em 2004A direcção da ACA-MDocumentos:Directiva 2004/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa aos requisitos mínimos de segurança para os túneis da rede rodoviária transeuropeia:(...)2.2.2. Não devem ser permitidos declives longitudinais superiores a 5% nos novos túneis, salvo se não for geograficamente possível nenhuma outra solução. [era possível outra solução]2.2.3. Nos túneis com declives superiores a 3%, serão tomadas medidas adicionais e/ou reforçadas para melhorar a segurança com base numa análise de riscos [não foi realizada análise e riscos].Pronunciamento da ACA-M sobre o Estudo de Impacte Ambiental da Concepção/Construção do Desnivelamento da Av. Duarte Pacheco, Rua Joaquim António de Aguiar e Av. Fontes Pereira de Melo (Túnel do Marquês):Consultar o texto completo em Consultar o texto completo emhttp://www.aca-m.org/documentos/propostas_e_pareceres/pronunciamento_eia_tunel.pdf(...) Perigo inerente ao projectoO perigo inerente (in-built) da infra-estrutura proposta – sobretudo, a sua inclinação excessiva, a sua grande extensão e a suas características indutoras de congestionamento - decorre directamente da opção de traçado e não é um factor de risco que possa ser simplesmente negligenciado, minimizado ou eliminado.- no final da inclinação com uma pendente média de 9,3%, no sentido Cascais-Lisboa, indica-se a intenção de construção de uma curva apertada e sem visibilidade;- o perfil transversal do túnel não é suficientemente largo para possibilitar a passagem de veículos de emergência entre as duas vias que compõem cada faixa de rodagem;- não estão previstas rampas de fuga intervaladas de modo a permitir o auto-salvamento de pessoas, incluindo aquelas com capacidades de mobilidade reduzida;- o túnel, apesar da sua grande extensão – mais de 1200 metros – não é concebido em tubo duplo com corta-fogos intervalados;- e a sua estrutura, com vigas de sustentação transversais, não permite uma ventilação adequada preventora de intoxicação em caso de incêndio.O imperativo ético-legalO Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia aprovaram a Directiva 2004/54/CE relativa aos requisitos mínimos de segurança para os túneis da Rede Rodoviária Europeia.A inexistência de qualquer norma construtiva específica sobre túneis, por parte da Câmara Municipal de Lisboa é um motivo adicional para que seja tido em consideração o conjunto de requisitos mínimos de segurança em túneis listados na directiva supra-mencionada. Não é nunca, por isso, demais sublinhar que esta vem obrigar os estados-membros a cumprir pelo menos esses requisitos mínimos, desejando-se sempre que eles prefiram a todo o momento valorizar requisitos máximos de segurança nos túneis sob sua responsabilidade.[um ano mais tarde, a directiva foi adoptada pelo então Instituto de Estradas de Portugal]Perigo no túnelO Comité da PIARC para os Túneis Rodoviários estipula que:- um gradiente de 3,5% aumenta em 5 vezes probabilidade de avarias e auto-ignição dos veículos;- um gradiente de 5% duplica a probabilidade de intoxicação mortal por ingestão de monóxido de carbono e outros gases venenosos (dado os fumos só terem uma direcção de saída);- um gradiente de 3,5% obriga a distâncias de travagem superiores a 30m, a 50km/h.É verdade que um desastre, auto-ignição ou incêndio num túnel com pendentes elevadas envolvendo veículos pesados tem consequências particularmente graves, por relação àqueles envolvendo apenas viaturas ligeiras. Mas a análise de risco não avalia o risco de despiste ou colisão de um veículo com peso bruto entre os 3,000 e os 3,500 quilos, nem calcula as distâncias de segurança e a velocidade permitida em função dos tempos de travagem nas descidas de grande inclinação, seja para as viaturas autorizadas em geral, seja para este tipo de veículos em particular.A Directiva indica que “os condutores dos veículos rodoviários de transporte de passageiros devem, em condições normais, manter em relação ao veículo da frente uma distancia mínima equivalente à distância percorrida pelo veículo em dois segundos” (Directiva 2004/54/CE, p. 79). O Estudo de Impacte Ambiental, infelizmente, não procede a um cálculo dos fluxos de tráfego no interior do túnel em combinação com a velocidade máxima a permitir, o tempo de travagem, a pendente e a curva apertada.Numa via com uma pendente inferior a 2,5%, o tempo de travagem para uma viatura ligeira circulando a 40/50 km/h é, em média, de 2 segundos, e a distância percorrida de 25 metros. No caso do “túnel do Marquês” seria essencial calcular o impacto de uma inclinação superior a 9% em pelo menos duas secções do túnel sobre os tempos e distâncias de travagem para determinar qual a distância de segurança entre veículos e, por extensão, definir a real capacidade do túnel. Sem estabelecer estes valores, é totalmente especulativa qualquer análise do impacto do túnel sobre fluxos de tráfego e sobre segurança rodoviária.O EIA não considera o facto de, em pendentes inclinadas, uma viatura com peso bruto de 3,500 quilos (se tiver uma tara legal) necessita de um tempo de travagem até 50% superior a um veículo ligeiro de classe 1 e 2, o que significa que as distâncias de segurança no interior do túnel não apenas deverão ser claramente superiores aos 25 metros propostos na Directiva para “condições normais” devido à pendente e curva apertada, mas também devido à presença daquele tipo de veículos (viaturas comerciais, viaturas mistas, minibus, camionetas de caixa aberta, jipes, SUVs).Como afirmámos anteriormente, a equipa que elaborou a análise de risco não fundamenta a sua recomendação sobre uma velocidade máxima no interior do túnel entre 40 e 50 km/hora. Não seria de admirar que o cálculo acima proposto impusesse uma velocidade máxima segura não superior a 30 km/h, com uma presença de não mais de 25 veículos no interior do túnel a cada momento, em cada faixa – situação que, associada à necessidade de monitorização nas rampas de saída das Avs. Fontes Pereira de Melo e António Augusto Aguiar devido à probabilidade de congestionamento à superfície em horas de ponta, obrigaria ao acendimento frequente da semaforização antecipativa na entrada da Av. Duarte Pacheco - Av. Joaquim António de Aguiar e, portanto, à perversão absoluta da intenção de descongestionamento do trânsito de entrada naquela secção.Desresponsabilização vs boas práticasA não consideração deste tipo de cálculos, impede uma devida avaliação da obra em termos de custo-eficácia no descongestionamento do tráfego e de custo-benefício com contabilização do risco potencial de acidente e incêndio. A este propósito, há que confrontar a argumentação do EIA a propósito do “civismo” dos condutores. O estudo diz que “a questão do civismo dos automobilistas é uma questão de formação no que se refere ao cumprimento da lei. Em relação a esta matéria nada poderá ser proposto (Relatórios Técnicos: Análise de Risco, p. 41). Responsabiliza também os condutores pela eventualidade de colisão e despiste, caso não cumpram rigorosamente os limites de velocidade, em especial na secção com pendente superior a 9% (sentido Cascais-Lisboa) (cf. Relatório-Síntese, p.108).A primeira responsabilidade da CML é oferecer uma infra-estrutura segura, tolerante e auto-explicativa. No caso do “túnel do Marquês” não será apenas no período nocturno que o problema da velocidade excessiva (e da alegada “falta de civisimo”) se poderá colocar. Estudos recentes de psicologia social demonstram que a condução agressiva e o excesso de velocidade em zonas urbanas e peri-urbanas derivam directamente da tensão provocada por congestionamentos, em particular quando estes antecedem vias onde a circulação se faz fluidamente. O caso do projecto do túnel do Marquês é uma ilustração da previsibilidade deste tipo de reacção: confrontados com congestionamentos contínuos à superfície, nomeadamente à entrada de Lisboa (A5, acessos em Monsanto, Av. Duarte Pacheco, túnel das Amoreiras), os condutores terão a tendência, potenciada pela inclinação excessiva do túnel e pela súbita ausência de congestionamento (pelas razões de segurança acima apontadas), para a prática de comportamentos agressivos, velocidades excessivas e manobras perigosas.Em casos como este, desresponsabilizar a influência da infra-estrutura projectada, como parte co-causadora, na ocorrência de desastres graves, e lançar o ónus da responsabilidade para os chamados – mas não compreendidos – comportamentos de falta de civismo, é uma atitude totalmente contrária ao espírito de boas práticas e auto-responsabilização das entidades gestoras, que deveriam ter no conceito “horizonte zero”, primeiramente desenvolvido pelas autoridades gestoras da segurança rodoviária da Suécia, e posteriormente promovido pela Organização Mundial de Saúde e adoptado pela Comissão Europeia e pelo Conselho da UE, um importante corolário e exemplo.Consultar também:http://www.aca-m.org/documentos/opiniao/fazer_tuneis_a_olhometro.htmlhttp://www.aca-m.org/documentos/comunicados/comunicado_de_2004_5_4.htmlhttp://www.aca-m.org/documentos/comunicados/comunicado_de_2003_9_18.htmlhttp://www.aca-m.org/documentos/propostas_e_pareceres/eia_tunel_jsfernandes.pdfLisboa, 24 de Abril 2007(Maria Isabel Goulão)

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