O Carmo e a Trindade: Cinema sem os cinemas tradicionais

25-06-2009
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Faz agora uma semana, houve na Cinemateca uma sessão comemorativa dos 80 anos da inauguração do Cinema Odeon, a 21 de Setembro de 1927. Passou-se A Viúva Alegre, o filme mudo de Erich von Stroheim, o mesmo que abriu a sala há 8 décadas atrás. Pode parecer estranho comemorar-se a abertura de um cinema que está fechado há alguns anos, mas faz todo o sentido se pensarmos que o Odeon, apesar de encerrado e bastante degradado, ainda pode ser salvo e recuperado para a cidade - como se fez ao São Jorge. Ao contrário de quase todos os outros cinemas monumentais, históricos e de bairro de Lisboa, que ficaram ao abandono, foram demolidos, reconvertidos para outros negócios ou então partidos em várias salas pequenas para continuarem a passar filmes. É impressionante. Em poucos anos, mudou tudo. Vetustos, velhos ou não tão antigos como isso, os cinemas tradicionais da capital desapareceram quase todos, e foram substituídos pelos multiplexes dos centros comerciais. Os relativamente recentes Nimas e o Quarteto - este o primeiro dos multiplexes portugueses, ainda sem shopping à volta - já são chamados de "sobreviventes".A experiência de ir ao cinema alterou-se por completo. Ir ao Monumental não era o mesmo que ir ao Odeon, como ir ao Star não era igual a ir ao Lys. Agora, é tudo a mesma coisa. Há uma geração que já não sabe - nunca chegou a saber - o que é entrar num cinema a sério, num "mastodonte" como o Império ou o Eden, num estúdio como o 444, o Satélite ou o Apolo 70, numa sala de bairro como o Berna, o Alvalade, o Europa, ou o Royal, ou num "piolho" popular como o Salão Lisboa (este o original), o Max ou o Olympia, o do tempo das sessões duplas em que no intervalo se guardava o lugar com um lenço atado ao assento, porque senão voltávamos e estava lá um castiço sentado a beber vinho por uma garrafa sem rótulo, e tínhamos que mudar de lugar para ver, de seguida, Hércules Contra os Mongóis e Cava a Tua Sepultura, Sartana Está a Chegar. Não contando com o remodelado São Jorge, o cinema mais antigo de Lisboa, se ainda está em actividade e a passar filmes hardcore, deve ser o Cinema Paraíso, que viu a luz do dia em 1904 com o nome de Salão Ideal. O Ideal até teve som antes do cinema começar a falar, como recorda Marina Tavares Dias no volume 7 de Lisboa Desaparecida, porque um dos dois fundadores se lembrou de pagar a pessoas para se porem por trás do ecrã, e fazerem barulhos sincronizados com o que ia acontecendo nos filmes mudos exibidos.Será assim tão caro e complicado recuperar o bom e velho Odeon, por onde passaram desde realizações de von Stroheim, Capra, Lang e Eisenstein, a musicais com António Calvário e Madalena Iglésias, encharca-lenços espanhóis e mexicanos e as primeiras produções de Hong Kong vistas em Portugal, mais o inenarrável fenómeno espanhol O Delicadinho do 5º, durante o caetanismo, e do qual se dizia que anunciava a queda do regime? Há mais histórico do que isto, caramba? Eurico de Barros (in DN)


Faz agora uma semana, houve na Cinemateca uma sessão comemorativa dos 80 anos da inauguração do Cinema Odeon, a 21 de Setembro de 1927. Passou-se A Viúva Alegre, o filme mudo de Erich von Stroheim, o mesmo que abriu a sala há 8 décadas atrás. Pode parecer estranho comemorar-se a abertura de um cinema que está fechado há alguns anos, mas faz todo o sentido se pensarmos que o Odeon, apesar de encerrado e bastante degradado, ainda pode ser salvo e recuperado para a cidade - como se fez ao São Jorge. Ao contrário de quase todos os outros cinemas monumentais, históricos e de bairro de Lisboa, que ficaram ao abandono, foram demolidos, reconvertidos para outros negócios ou então partidos em várias salas pequenas para continuarem a passar filmes. É impressionante. Em poucos anos, mudou tudo. Vetustos, velhos ou não tão antigos como isso, os cinemas tradicionais da capital desapareceram quase todos, e foram substituídos pelos multiplexes dos centros comerciais. Os relativamente recentes Nimas e o Quarteto - este o primeiro dos multiplexes portugueses, ainda sem shopping à volta - já são chamados de "sobreviventes".A experiência de ir ao cinema alterou-se por completo. Ir ao Monumental não era o mesmo que ir ao Odeon, como ir ao Star não era igual a ir ao Lys. Agora, é tudo a mesma coisa. Há uma geração que já não sabe - nunca chegou a saber - o que é entrar num cinema a sério, num "mastodonte" como o Império ou o Eden, num estúdio como o 444, o Satélite ou o Apolo 70, numa sala de bairro como o Berna, o Alvalade, o Europa, ou o Royal, ou num "piolho" popular como o Salão Lisboa (este o original), o Max ou o Olympia, o do tempo das sessões duplas em que no intervalo se guardava o lugar com um lenço atado ao assento, porque senão voltávamos e estava lá um castiço sentado a beber vinho por uma garrafa sem rótulo, e tínhamos que mudar de lugar para ver, de seguida, Hércules Contra os Mongóis e Cava a Tua Sepultura, Sartana Está a Chegar. Não contando com o remodelado São Jorge, o cinema mais antigo de Lisboa, se ainda está em actividade e a passar filmes hardcore, deve ser o Cinema Paraíso, que viu a luz do dia em 1904 com o nome de Salão Ideal. O Ideal até teve som antes do cinema começar a falar, como recorda Marina Tavares Dias no volume 7 de Lisboa Desaparecida, porque um dos dois fundadores se lembrou de pagar a pessoas para se porem por trás do ecrã, e fazerem barulhos sincronizados com o que ia acontecendo nos filmes mudos exibidos.Será assim tão caro e complicado recuperar o bom e velho Odeon, por onde passaram desde realizações de von Stroheim, Capra, Lang e Eisenstein, a musicais com António Calvário e Madalena Iglésias, encharca-lenços espanhóis e mexicanos e as primeiras produções de Hong Kong vistas em Portugal, mais o inenarrável fenómeno espanhol O Delicadinho do 5º, durante o caetanismo, e do qual se dizia que anunciava a queda do regime? Há mais histórico do que isto, caramba? Eurico de Barros (in DN)

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