mind this gap

04-07-2009
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Ana Borges, Ex-toxicodependente, Eng.ª. Química, Itália, Reino Unido A minha história tem um percurso um pouco atribulado mas não é, afinal, muito diferente de muitas que li neste blog. Comecei uma licenciatura em gestão de empresas quando tinha 18 anos. Acabadinha de sair do 12º ano, no princípio dos anos 90 a minha família dizia-me que o importante era o dinheiro e a gestão de empresas estava muito na moda na altura. Eu era apenas uma adolescente e fui. Apesar de sempre ter gostado de ciências todos me diziam que era uma licenciatura para o desemprego. Num curso que detestava, numa crise de identidade e de futuro negro, conheci umas pessoas “menos recomendáveis” e depressa caí no mundo da droga. Os supostos melhores anos da minha juventude (dos 23 aos 28) desperdicei-os casada com a heroína e a minha vida estava descambada. Depois de muitas atribulações, parti para a Sardenha, Itália com o intuito de curar a minha toxicodependência. Ao fim de 4 anos na Sardenha (que tem praias espectaculares) mas onde a mentalidade das pessoas é tão fechada e tão pouco tolerante a estrangeiros, vivia num mundo rural numa relação amorosa já condenada há muito tempo atrás. Curada definitivamente da minha dependência, resolvi virar o rumo à minha vida e voltar a Portugal que pensava, dada a experiência que tive em Itália, ser a terra das oportunidades. Voltei a casa da mãe (que foi muito duro, estava já habituada à minha independência) e arranjei trabalho num armazém de tratamento de documentos da vodafone. Resolvida a refazer a minha vida e ser “normal” decidi voltar a estudar e tirar o curso superior (desta vez mais a meu gosto) de engenharia química. Tirei o curso como trabalhador-estudante, sem nunca chumbar a nenhuma cadeira e com as melhores notas das turmas todas, inclusive as diurnas. Acabado o curso, com mais de 30 anos, a procura de emprego foi uma frustração. Os poucos anúncios que existiam para a área exigiam menos de 30 anos ou se tivesse mais deveria possuir uma experiência profissional de 5 anos. Passei um ano, continuando a trabalhar no armazém, a mandar currículos para todo o país, e nada! Inscrevi-me no programa do Inov-Jovem, onde se faz um estágio de 9 meses remunerado numa empresa que se adeqúe às nossas qualificações como recém-licenciados. Saí de Lisboa e rumei, cheia de esperança no futuro, para Santa Maria da Feira. Gastei todo o dinheiro que recebi da minha saída do armazém para me instalar no norte. Tive 3 meses de formação lá (dos melhores que já passei até agora), ao fim deste tempo o programa incluía então o nosso tão esperado estágio. Fui colocada numa empresa em Alcobaça, tive mais uma vez de me mudar e gastar as poucas economias que me sobravam. Nesta empresa, o pouco estágio que fiz, foi desastroso! A empresa estava à beira da falência, salários em atraso aos trabalhadores, dívidas à segurança social e às finanças e a quase todos os fornecedores. O meu futuro ali era nulo e, além do mais, a actividade da empresa nada tinha a ver com a minha formação. Empresas familiares que vivem à custa de estagiários pagos pelo estado, sem mais nada para oferecer. Não aumentei em nada a minha experiência, não me deram espaço para ter iniciativa e tratavam-me como uma pessoa “fora da família”. Os patrões orgulhavam-se de dizer que eles é que eram “as cabeças pensantes” da empresa (por isso estavam na falência…). Queixei-me ao meu supervisor de estágio da situação ao que ele me respondeu “pois é… mas tem de se adaptar”. Nunca fui pessoa de me adaptar a situações ridículas como esta mas no entanto encontrava-me agora com 34 anos de idade e as minhas perspectivas eram zero! A procura no “expressoemprego” não era uma opção. Tinha os meus sonhos destroçados e não me sobrava alternativa. Dentro de 6 meses estaria no desemprego pois aquela empresa não me iria oferecer nada. Resolvi antecipar-me e saí do estágio a meio. Por ter saído a meio o estado ainda me exigiu que lhes pagasse 4000 euros por não ter completado o tempo. Com advogados metidos pelo meio consegui escapar a pagar o dinheiro mas não me escapei à humilhação. Queria e quero desenvolver actividade profissional em Portugal mas tomei a decisão de ir para fora mais uma vez e investir (mais uma vez também) no meu futuro. Com algumas horas de Internet encontrei a possibilidade de fazer um doutoramento em Inglaterra remunerado (1000 libras por mês). Nem hesitei. Deixei a casa em Alcobaça, o meu namorado ficou em Lisboa e parti. Vivo num campus universitário. As condições de investigação aqui, apesar de não serem as ideais, pelo menos existem e continuo a ser uma sonhadora e achar que um dia, com um doutoramento na mão, posso arranjar um emprego normal em Portugal, que reflicta as minhas capacidades e potencialidades. Não posso dizer se estou arrependida ou não de ter saído de Portugal. Não foi uma opção que tomei, foi apenas a única saída. Detesto o clima inglês e não me identifico com a mentalidade “fria” inglesa. Mas ao menos aqui talvez consiga fazer com que alguém me dê uma palmadinha no ombro, me diga “Good Job” e reconheça o meu trabalho e esforço para me manter à tona de água.


Ana Borges, Ex-toxicodependente, Eng.ª. Química, Itália, Reino Unido A minha história tem um percurso um pouco atribulado mas não é, afinal, muito diferente de muitas que li neste blog. Comecei uma licenciatura em gestão de empresas quando tinha 18 anos. Acabadinha de sair do 12º ano, no princípio dos anos 90 a minha família dizia-me que o importante era o dinheiro e a gestão de empresas estava muito na moda na altura. Eu era apenas uma adolescente e fui. Apesar de sempre ter gostado de ciências todos me diziam que era uma licenciatura para o desemprego. Num curso que detestava, numa crise de identidade e de futuro negro, conheci umas pessoas “menos recomendáveis” e depressa caí no mundo da droga. Os supostos melhores anos da minha juventude (dos 23 aos 28) desperdicei-os casada com a heroína e a minha vida estava descambada. Depois de muitas atribulações, parti para a Sardenha, Itália com o intuito de curar a minha toxicodependência. Ao fim de 4 anos na Sardenha (que tem praias espectaculares) mas onde a mentalidade das pessoas é tão fechada e tão pouco tolerante a estrangeiros, vivia num mundo rural numa relação amorosa já condenada há muito tempo atrás. Curada definitivamente da minha dependência, resolvi virar o rumo à minha vida e voltar a Portugal que pensava, dada a experiência que tive em Itália, ser a terra das oportunidades. Voltei a casa da mãe (que foi muito duro, estava já habituada à minha independência) e arranjei trabalho num armazém de tratamento de documentos da vodafone. Resolvida a refazer a minha vida e ser “normal” decidi voltar a estudar e tirar o curso superior (desta vez mais a meu gosto) de engenharia química. Tirei o curso como trabalhador-estudante, sem nunca chumbar a nenhuma cadeira e com as melhores notas das turmas todas, inclusive as diurnas. Acabado o curso, com mais de 30 anos, a procura de emprego foi uma frustração. Os poucos anúncios que existiam para a área exigiam menos de 30 anos ou se tivesse mais deveria possuir uma experiência profissional de 5 anos. Passei um ano, continuando a trabalhar no armazém, a mandar currículos para todo o país, e nada! Inscrevi-me no programa do Inov-Jovem, onde se faz um estágio de 9 meses remunerado numa empresa que se adeqúe às nossas qualificações como recém-licenciados. Saí de Lisboa e rumei, cheia de esperança no futuro, para Santa Maria da Feira. Gastei todo o dinheiro que recebi da minha saída do armazém para me instalar no norte. Tive 3 meses de formação lá (dos melhores que já passei até agora), ao fim deste tempo o programa incluía então o nosso tão esperado estágio. Fui colocada numa empresa em Alcobaça, tive mais uma vez de me mudar e gastar as poucas economias que me sobravam. Nesta empresa, o pouco estágio que fiz, foi desastroso! A empresa estava à beira da falência, salários em atraso aos trabalhadores, dívidas à segurança social e às finanças e a quase todos os fornecedores. O meu futuro ali era nulo e, além do mais, a actividade da empresa nada tinha a ver com a minha formação. Empresas familiares que vivem à custa de estagiários pagos pelo estado, sem mais nada para oferecer. Não aumentei em nada a minha experiência, não me deram espaço para ter iniciativa e tratavam-me como uma pessoa “fora da família”. Os patrões orgulhavam-se de dizer que eles é que eram “as cabeças pensantes” da empresa (por isso estavam na falência…). Queixei-me ao meu supervisor de estágio da situação ao que ele me respondeu “pois é… mas tem de se adaptar”. Nunca fui pessoa de me adaptar a situações ridículas como esta mas no entanto encontrava-me agora com 34 anos de idade e as minhas perspectivas eram zero! A procura no “expressoemprego” não era uma opção. Tinha os meus sonhos destroçados e não me sobrava alternativa. Dentro de 6 meses estaria no desemprego pois aquela empresa não me iria oferecer nada. Resolvi antecipar-me e saí do estágio a meio. Por ter saído a meio o estado ainda me exigiu que lhes pagasse 4000 euros por não ter completado o tempo. Com advogados metidos pelo meio consegui escapar a pagar o dinheiro mas não me escapei à humilhação. Queria e quero desenvolver actividade profissional em Portugal mas tomei a decisão de ir para fora mais uma vez e investir (mais uma vez também) no meu futuro. Com algumas horas de Internet encontrei a possibilidade de fazer um doutoramento em Inglaterra remunerado (1000 libras por mês). Nem hesitei. Deixei a casa em Alcobaça, o meu namorado ficou em Lisboa e parti. Vivo num campus universitário. As condições de investigação aqui, apesar de não serem as ideais, pelo menos existem e continuo a ser uma sonhadora e achar que um dia, com um doutoramento na mão, posso arranjar um emprego normal em Portugal, que reflicta as minhas capacidades e potencialidades. Não posso dizer se estou arrependida ou não de ter saído de Portugal. Não foi uma opção que tomei, foi apenas a única saída. Detesto o clima inglês e não me identifico com a mentalidade “fria” inglesa. Mas ao menos aqui talvez consiga fazer com que alguém me dê uma palmadinha no ombro, me diga “Good Job” e reconheça o meu trabalho e esforço para me manter à tona de água.

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