A Arte da Fuga: As origens do PPD

21-05-2009
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Muito se tem dito e escrito sobre a recuperação da vocação fundacional do PSD. Os candidatos assumidos à sua liderança parecem convergir para uma viragem à esquerda, recuperando assim, segundo dizem, o lugar tradicional do partido. Gostaria de reflectir um pouco acerca das origens do PPD/PSD.Criado a 6 de Maio de 1974, havia no PPD um cruzamento entre uma linha católica-social, onde se encontravam representantes de movimentos católicos, grupos de cristãos, associações, cooperativas, jornais e revistas, uma linha social-liberal, uma linha social-democrática e uma linha tecnocrático-social[1].Por ter sido criado alguns meses antes do CDS, o partido fundado por Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão conseguiu arregimentar uma significativa parte dos chamados católicos progressistas[2] com base, por um lado, no carisma pessoal de Sá Carneiro, a quem era reconhecida a extraordinária influência do personalismo cristão e, por outro lado, na experiência da Ala Liberal, que transitou quase toda para este partido.Nestas circunstâncias, o PPD apareceu como a sequência lógica, na democracia, do esforço de renovação iniciado naqueles tempos do Marcelismo[3]. Enquanto “partido instantâneo”[4], o PPD arregimentou as suas bases mais pelo que o PPD parecia representar devido ao passado dos seus fundadores, do que propriamente pelo seu programa e ideias, que aliás eram desconhecidas de grande parte dos que a ele aderiram[5].Daí que o PPD desde sempre tenha constituído uma ameaça à hegemonia do CDS no eleitorado tradicionalmente adepto da democracia cristã, ajudando, por isso, a espartilhá-lo e a impedir a sua homogeneização ou mesmo a sua autonomização.Apesar da influência do personalismo humanista, tão caro aos democratas cristãos, o PPD foi fundado como partido da social democracia, corrente ideológica por que Francisco Sá Carneiro já mostrara preferência mesmo antes da Revolução[6], optando por nunca se afirmar democrata cristão. Para isso contribuiu não só a ausência de um verdadeiro e autonomizado eleitorado democrata cristão, mas também a crise de identidade que então se verificava nas democracias cristãs europeias[7], causada especialmente pela secularização da vida política e o domínio do espectro político do centro-direita por forças políticas sociais democratas ou por forças conservadoras.Claramente preocupado em fazer aceite o seu partido no quadro partidário português, todo o discurso inicial do PPD se conduzia para a esquerda e falava na construção do socialismo, do qual a social democracia constituía o verdadeiro caminho[8]. No entanto, esse posicionamento à esquerda contrastava com grande parte dos dirigentes fundadores do PPD, levando mesmo a que se considerasse esse partido mais como uma reacção dos “liberais” à revolução de Abril do que como um partido socialista. Afinal, o PPD era considerado como um partido que se afirmava em torno “do objectivo liberal de afirmação da classe média”[9] e que se poderia definir como um bloco “girondino e liberal”[10].Existia portanto um desfasamento evidente entre o entendimento da classe dirigente do PPD e o programa então apresentado. Fenómeno idêntico sucedia também no CDS. No entanto, ao contrário do que sucedia no CDS, o PPD, e depois PPD/PSD, fez da falta de “tradição política consistente, dotada de uma posição ideológica reconhecida no sistema das classificações políticas usuais”[11] um dos seus principais atractivos.O PPD/PSD tornou-se rapidamente num partido pragmático, que vai alterando, consoante as lideranças[12] e as circunstâncias, o seu rumo e a sua ideologia de base[13] e vai fazer desse pragmatismo a sua imagem de marca[14]. Tal estratégia não deixou, no entanto, de criar alguns problemas na vida interna do partido, culminando, algumas das vezes, com a saída dos militantes que discordavam da deriva pragmática que Sá Carneiro impunha[15].Por tudo isto, na minha opinião, a referência à vocação fundadora do PPD/PSD pode ser usada, afinal, em vários contextos e significando diversas coisas. E penso que, mais liberais ou menos liberais, mais à esquerda ou mais à direita, todos pensam (e estão) a falar a verdade. É que na origem do PPD/PSD esteve de tudo.--[1] Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, A Revolução e o Nascimento do PPD, 1.º Volume, Lisboa, 2000, pág. 14-15.[2] Casos de Guilherme d’Oliveira Martins, João Salgueiro, Magalhães Mota ou João Bosco Mota Amaral.[3] No sentido de que a Ala Liberal funcionaria como referência invocada pelo PPD, JOAQUIM AGUIAR, A Ilusão do Poder, Análise do Sistema Partidário Português 1976-1982,Lisboa, 1983, pág. 239[4] A expressão é de JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 240.[5] Cfr. ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, A Cisão Social-Democrata e a Formação da ASDI in Estudos Políticos e Sociais, vol. XII, Lisboa, 1984, pág. 115.[6] Numa entrevista a Jaime Gama, então jornalista do A República, em Janeiro de 1972, MARIA JOÃO AVILLEZ, Francisco Sá Carneiro: Solidão e Poder, Lisboa, 1981, pág. 69.[7] Sucintamente descrita em ROBERTO PAPINI, L’Internationale Démocrate-Chrétienne 1925-1986, Paris, 1988, pág. 197 e ss.[8] In Por uma Social-Democracia Portuguesa, Lisboa, 1975, pág. 32-33.[9] Cfr. JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 242.[10] Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Os Partidos Políticos – Modelo e Prática em Portugal in Futuro Presente, Lisboa, 1984, pág. 11.[11] JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 240.[12] Para uma total compreensão do papel dos líderes do PSD na formação da ideologia típica do partido, v. por todos NUNO MANALVO, PSD, A Marca dos Líderes, Lisboa, 2001.[13] O pragmatismo e a constante alternância entre as vertentes mais socializante e mais liberal do partido encontram-se plasmadas, por exemplo, na formação da AD, que ocorre como resposta à recusa do PS em se aliar com os sociais democratas. Neste sentido, JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 262.[14] José Freire Antunes chama-lhe “hibridismo ideológico”, o que cedo teria trazido “vendavais internos” ao partido, JOSÉ FREIRE ANTUNES, Sá Carneiro – Um Meteoro dos Anos Setenta, Lisboa, 1982, pág. 100.[15] Veja-se, por exemplo, o caso das Opções Inadiáveis, ou a formação da ASDI, ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, ob. cit., pág. 107 e ss e FERNANDO FARELO LOPES E ANDRÉ FREIRE, Partidos Políticos e Sistemas Eleitorais – Uma Introdução, Oeiras, 2002, pág. 45.

Muito se tem dito e escrito sobre a recuperação da vocação fundacional do PSD. Os candidatos assumidos à sua liderança parecem convergir para uma viragem à esquerda, recuperando assim, segundo dizem, o lugar tradicional do partido. Gostaria de reflectir um pouco acerca das origens do PPD/PSD.Criado a 6 de Maio de 1974, havia no PPD um cruzamento entre uma linha católica-social, onde se encontravam representantes de movimentos católicos, grupos de cristãos, associações, cooperativas, jornais e revistas, uma linha social-liberal, uma linha social-democrática e uma linha tecnocrático-social[1].Por ter sido criado alguns meses antes do CDS, o partido fundado por Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão conseguiu arregimentar uma significativa parte dos chamados católicos progressistas[2] com base, por um lado, no carisma pessoal de Sá Carneiro, a quem era reconhecida a extraordinária influência do personalismo cristão e, por outro lado, na experiência da Ala Liberal, que transitou quase toda para este partido.Nestas circunstâncias, o PPD apareceu como a sequência lógica, na democracia, do esforço de renovação iniciado naqueles tempos do Marcelismo[3]. Enquanto “partido instantâneo”[4], o PPD arregimentou as suas bases mais pelo que o PPD parecia representar devido ao passado dos seus fundadores, do que propriamente pelo seu programa e ideias, que aliás eram desconhecidas de grande parte dos que a ele aderiram[5].Daí que o PPD desde sempre tenha constituído uma ameaça à hegemonia do CDS no eleitorado tradicionalmente adepto da democracia cristã, ajudando, por isso, a espartilhá-lo e a impedir a sua homogeneização ou mesmo a sua autonomização.Apesar da influência do personalismo humanista, tão caro aos democratas cristãos, o PPD foi fundado como partido da social democracia, corrente ideológica por que Francisco Sá Carneiro já mostrara preferência mesmo antes da Revolução[6], optando por nunca se afirmar democrata cristão. Para isso contribuiu não só a ausência de um verdadeiro e autonomizado eleitorado democrata cristão, mas também a crise de identidade que então se verificava nas democracias cristãs europeias[7], causada especialmente pela secularização da vida política e o domínio do espectro político do centro-direita por forças políticas sociais democratas ou por forças conservadoras.Claramente preocupado em fazer aceite o seu partido no quadro partidário português, todo o discurso inicial do PPD se conduzia para a esquerda e falava na construção do socialismo, do qual a social democracia constituía o verdadeiro caminho[8]. No entanto, esse posicionamento à esquerda contrastava com grande parte dos dirigentes fundadores do PPD, levando mesmo a que se considerasse esse partido mais como uma reacção dos “liberais” à revolução de Abril do que como um partido socialista. Afinal, o PPD era considerado como um partido que se afirmava em torno “do objectivo liberal de afirmação da classe média”[9] e que se poderia definir como um bloco “girondino e liberal”[10].Existia portanto um desfasamento evidente entre o entendimento da classe dirigente do PPD e o programa então apresentado. Fenómeno idêntico sucedia também no CDS. No entanto, ao contrário do que sucedia no CDS, o PPD, e depois PPD/PSD, fez da falta de “tradição política consistente, dotada de uma posição ideológica reconhecida no sistema das classificações políticas usuais”[11] um dos seus principais atractivos.O PPD/PSD tornou-se rapidamente num partido pragmático, que vai alterando, consoante as lideranças[12] e as circunstâncias, o seu rumo e a sua ideologia de base[13] e vai fazer desse pragmatismo a sua imagem de marca[14]. Tal estratégia não deixou, no entanto, de criar alguns problemas na vida interna do partido, culminando, algumas das vezes, com a saída dos militantes que discordavam da deriva pragmática que Sá Carneiro impunha[15].Por tudo isto, na minha opinião, a referência à vocação fundadora do PPD/PSD pode ser usada, afinal, em vários contextos e significando diversas coisas. E penso que, mais liberais ou menos liberais, mais à esquerda ou mais à direita, todos pensam (e estão) a falar a verdade. É que na origem do PPD/PSD esteve de tudo.--[1] Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, A Revolução e o Nascimento do PPD, 1.º Volume, Lisboa, 2000, pág. 14-15.[2] Casos de Guilherme d’Oliveira Martins, João Salgueiro, Magalhães Mota ou João Bosco Mota Amaral.[3] No sentido de que a Ala Liberal funcionaria como referência invocada pelo PPD, JOAQUIM AGUIAR, A Ilusão do Poder, Análise do Sistema Partidário Português 1976-1982,Lisboa, 1983, pág. 239[4] A expressão é de JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 240.[5] Cfr. ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, A Cisão Social-Democrata e a Formação da ASDI in Estudos Políticos e Sociais, vol. XII, Lisboa, 1984, pág. 115.[6] Numa entrevista a Jaime Gama, então jornalista do A República, em Janeiro de 1972, MARIA JOÃO AVILLEZ, Francisco Sá Carneiro: Solidão e Poder, Lisboa, 1981, pág. 69.[7] Sucintamente descrita em ROBERTO PAPINI, L’Internationale Démocrate-Chrétienne 1925-1986, Paris, 1988, pág. 197 e ss.[8] In Por uma Social-Democracia Portuguesa, Lisboa, 1975, pág. 32-33.[9] Cfr. JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 242.[10] Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Os Partidos Políticos – Modelo e Prática em Portugal in Futuro Presente, Lisboa, 1984, pág. 11.[11] JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 240.[12] Para uma total compreensão do papel dos líderes do PSD na formação da ideologia típica do partido, v. por todos NUNO MANALVO, PSD, A Marca dos Líderes, Lisboa, 2001.[13] O pragmatismo e a constante alternância entre as vertentes mais socializante e mais liberal do partido encontram-se plasmadas, por exemplo, na formação da AD, que ocorre como resposta à recusa do PS em se aliar com os sociais democratas. Neste sentido, JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 262.[14] José Freire Antunes chama-lhe “hibridismo ideológico”, o que cedo teria trazido “vendavais internos” ao partido, JOSÉ FREIRE ANTUNES, Sá Carneiro – Um Meteoro dos Anos Setenta, Lisboa, 1982, pág. 100.[15] Veja-se, por exemplo, o caso das Opções Inadiáveis, ou a formação da ASDI, ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, ob. cit., pág. 107 e ss e FERNANDO FARELO LOPES E ANDRÉ FREIRE, Partidos Políticos e Sistemas Eleitorais – Uma Introdução, Oeiras, 2002, pág. 45.

Muito se tem dito e escrito sobre a recuperação da vocação fundacional do PSD. Os candidatos assumidos à sua liderança parecem convergir para uma viragem à esquerda, recuperando assim, segundo dizem, o lugar tradicional do partido. Gostaria de reflectir um pouco acerca das origens do PPD/PSD.Criado a 6 de Maio de 1974, havia no PPD um cruzamento entre uma linha católica-social, onde se encontravam representantes de movimentos católicos, grupos de cristãos, associações, cooperativas, jornais e revistas, uma linha social-liberal, uma linha social-democrática e uma linha tecnocrático-social[1].Por ter sido criado alguns meses antes do CDS, o partido fundado por Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão conseguiu arregimentar uma significativa parte dos chamados católicos progressistas[2] com base, por um lado, no carisma pessoal de Sá Carneiro, a quem era reconhecida a extraordinária influência do personalismo cristão e, por outro lado, na experiência da Ala Liberal, que transitou quase toda para este partido.Nestas circunstâncias, o PPD apareceu como a sequência lógica, na democracia, do esforço de renovação iniciado naqueles tempos do Marcelismo[3]. Enquanto “partido instantâneo”[4], o PPD arregimentou as suas bases mais pelo que o PPD parecia representar devido ao passado dos seus fundadores, do que propriamente pelo seu programa e ideias, que aliás eram desconhecidas de grande parte dos que a ele aderiram[5].Daí que o PPD desde sempre tenha constituído uma ameaça à hegemonia do CDS no eleitorado tradicionalmente adepto da democracia cristã, ajudando, por isso, a espartilhá-lo e a impedir a sua homogeneização ou mesmo a sua autonomização.Apesar da influência do personalismo humanista, tão caro aos democratas cristãos, o PPD foi fundado como partido da social democracia, corrente ideológica por que Francisco Sá Carneiro já mostrara preferência mesmo antes da Revolução[6], optando por nunca se afirmar democrata cristão. Para isso contribuiu não só a ausência de um verdadeiro e autonomizado eleitorado democrata cristão, mas também a crise de identidade que então se verificava nas democracias cristãs europeias[7], causada especialmente pela secularização da vida política e o domínio do espectro político do centro-direita por forças políticas sociais democratas ou por forças conservadoras.Claramente preocupado em fazer aceite o seu partido no quadro partidário português, todo o discurso inicial do PPD se conduzia para a esquerda e falava na construção do socialismo, do qual a social democracia constituía o verdadeiro caminho[8]. No entanto, esse posicionamento à esquerda contrastava com grande parte dos dirigentes fundadores do PPD, levando mesmo a que se considerasse esse partido mais como uma reacção dos “liberais” à revolução de Abril do que como um partido socialista. Afinal, o PPD era considerado como um partido que se afirmava em torno “do objectivo liberal de afirmação da classe média”[9] e que se poderia definir como um bloco “girondino e liberal”[10].Existia portanto um desfasamento evidente entre o entendimento da classe dirigente do PPD e o programa então apresentado. Fenómeno idêntico sucedia também no CDS. No entanto, ao contrário do que sucedia no CDS, o PPD, e depois PPD/PSD, fez da falta de “tradição política consistente, dotada de uma posição ideológica reconhecida no sistema das classificações políticas usuais”[11] um dos seus principais atractivos.O PPD/PSD tornou-se rapidamente num partido pragmático, que vai alterando, consoante as lideranças[12] e as circunstâncias, o seu rumo e a sua ideologia de base[13] e vai fazer desse pragmatismo a sua imagem de marca[14]. Tal estratégia não deixou, no entanto, de criar alguns problemas na vida interna do partido, culminando, algumas das vezes, com a saída dos militantes que discordavam da deriva pragmática que Sá Carneiro impunha[15].Por tudo isto, na minha opinião, a referência à vocação fundadora do PPD/PSD pode ser usada, afinal, em vários contextos e significando diversas coisas. E penso que, mais liberais ou menos liberais, mais à esquerda ou mais à direita, todos pensam (e estão) a falar a verdade. É que na origem do PPD/PSD esteve de tudo.--[1] Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, A Revolução e o Nascimento do PPD, 1.º Volume, Lisboa, 2000, pág. 14-15.[2] Casos de Guilherme d’Oliveira Martins, João Salgueiro, Magalhães Mota ou João Bosco Mota Amaral.[3] No sentido de que a Ala Liberal funcionaria como referência invocada pelo PPD, JOAQUIM AGUIAR, A Ilusão do Poder, Análise do Sistema Partidário Português 1976-1982,Lisboa, 1983, pág. 239[4] A expressão é de JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 240.[5] Cfr. ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, A Cisão Social-Democrata e a Formação da ASDI in Estudos Políticos e Sociais, vol. XII, Lisboa, 1984, pág. 115.[6] Numa entrevista a Jaime Gama, então jornalista do A República, em Janeiro de 1972, MARIA JOÃO AVILLEZ, Francisco Sá Carneiro: Solidão e Poder, Lisboa, 1981, pág. 69.[7] Sucintamente descrita em ROBERTO PAPINI, L’Internationale Démocrate-Chrétienne 1925-1986, Paris, 1988, pág. 197 e ss.[8] In Por uma Social-Democracia Portuguesa, Lisboa, 1975, pág. 32-33.[9] Cfr. JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 242.[10] Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Os Partidos Políticos – Modelo e Prática em Portugal in Futuro Presente, Lisboa, 1984, pág. 11.[11] JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 240.[12] Para uma total compreensão do papel dos líderes do PSD na formação da ideologia típica do partido, v. por todos NUNO MANALVO, PSD, A Marca dos Líderes, Lisboa, 2001.[13] O pragmatismo e a constante alternância entre as vertentes mais socializante e mais liberal do partido encontram-se plasmadas, por exemplo, na formação da AD, que ocorre como resposta à recusa do PS em se aliar com os sociais democratas. Neste sentido, JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 262.[14] José Freire Antunes chama-lhe “hibridismo ideológico”, o que cedo teria trazido “vendavais internos” ao partido, JOSÉ FREIRE ANTUNES, Sá Carneiro – Um Meteoro dos Anos Setenta, Lisboa, 1982, pág. 100.[15] Veja-se, por exemplo, o caso das Opções Inadiáveis, ou a formação da ASDI, ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, ob. cit., pág. 107 e ss e FERNANDO FARELO LOPES E ANDRÉ FREIRE, Partidos Políticos e Sistemas Eleitorais – Uma Introdução, Oeiras, 2002, pág. 45.

Muito se tem dito e escrito sobre a recuperação da vocação fundacional do PSD. Os candidatos assumidos à sua liderança parecem convergir para uma viragem à esquerda, recuperando assim, segundo dizem, o lugar tradicional do partido. Gostaria de reflectir um pouco acerca das origens do PPD/PSD.Criado a 6 de Maio de 1974, havia no PPD um cruzamento entre uma linha católica-social, onde se encontravam representantes de movimentos católicos, grupos de cristãos, associações, cooperativas, jornais e revistas, uma linha social-liberal, uma linha social-democrática e uma linha tecnocrático-social[1].Por ter sido criado alguns meses antes do CDS, o partido fundado por Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão conseguiu arregimentar uma significativa parte dos chamados católicos progressistas[2] com base, por um lado, no carisma pessoal de Sá Carneiro, a quem era reconhecida a extraordinária influência do personalismo cristão e, por outro lado, na experiência da Ala Liberal, que transitou quase toda para este partido.Nestas circunstâncias, o PPD apareceu como a sequência lógica, na democracia, do esforço de renovação iniciado naqueles tempos do Marcelismo[3]. Enquanto “partido instantâneo”[4], o PPD arregimentou as suas bases mais pelo que o PPD parecia representar devido ao passado dos seus fundadores, do que propriamente pelo seu programa e ideias, que aliás eram desconhecidas de grande parte dos que a ele aderiram[5].Daí que o PPD desde sempre tenha constituído uma ameaça à hegemonia do CDS no eleitorado tradicionalmente adepto da democracia cristã, ajudando, por isso, a espartilhá-lo e a impedir a sua homogeneização ou mesmo a sua autonomização.Apesar da influência do personalismo humanista, tão caro aos democratas cristãos, o PPD foi fundado como partido da social democracia, corrente ideológica por que Francisco Sá Carneiro já mostrara preferência mesmo antes da Revolução[6], optando por nunca se afirmar democrata cristão. Para isso contribuiu não só a ausência de um verdadeiro e autonomizado eleitorado democrata cristão, mas também a crise de identidade que então se verificava nas democracias cristãs europeias[7], causada especialmente pela secularização da vida política e o domínio do espectro político do centro-direita por forças políticas sociais democratas ou por forças conservadoras.Claramente preocupado em fazer aceite o seu partido no quadro partidário português, todo o discurso inicial do PPD se conduzia para a esquerda e falava na construção do socialismo, do qual a social democracia constituía o verdadeiro caminho[8]. No entanto, esse posicionamento à esquerda contrastava com grande parte dos dirigentes fundadores do PPD, levando mesmo a que se considerasse esse partido mais como uma reacção dos “liberais” à revolução de Abril do que como um partido socialista. Afinal, o PPD era considerado como um partido que se afirmava em torno “do objectivo liberal de afirmação da classe média”[9] e que se poderia definir como um bloco “girondino e liberal”[10].Existia portanto um desfasamento evidente entre o entendimento da classe dirigente do PPD e o programa então apresentado. Fenómeno idêntico sucedia também no CDS. No entanto, ao contrário do que sucedia no CDS, o PPD, e depois PPD/PSD, fez da falta de “tradição política consistente, dotada de uma posição ideológica reconhecida no sistema das classificações políticas usuais”[11] um dos seus principais atractivos.O PPD/PSD tornou-se rapidamente num partido pragmático, que vai alterando, consoante as lideranças[12] e as circunstâncias, o seu rumo e a sua ideologia de base[13] e vai fazer desse pragmatismo a sua imagem de marca[14]. Tal estratégia não deixou, no entanto, de criar alguns problemas na vida interna do partido, culminando, algumas das vezes, com a saída dos militantes que discordavam da deriva pragmática que Sá Carneiro impunha[15].Por tudo isto, na minha opinião, a referência à vocação fundadora do PPD/PSD pode ser usada, afinal, em vários contextos e significando diversas coisas. E penso que, mais liberais ou menos liberais, mais à esquerda ou mais à direita, todos pensam (e estão) a falar a verdade. É que na origem do PPD/PSD esteve de tudo.--[1] Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, A Revolução e o Nascimento do PPD, 1.º Volume, Lisboa, 2000, pág. 14-15.[2] Casos de Guilherme d’Oliveira Martins, João Salgueiro, Magalhães Mota ou João Bosco Mota Amaral.[3] No sentido de que a Ala Liberal funcionaria como referência invocada pelo PPD, JOAQUIM AGUIAR, A Ilusão do Poder, Análise do Sistema Partidário Português 1976-1982,Lisboa, 1983, pág. 239[4] A expressão é de JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 240.[5] Cfr. ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, A Cisão Social-Democrata e a Formação da ASDI in Estudos Políticos e Sociais, vol. XII, Lisboa, 1984, pág. 115.[6] Numa entrevista a Jaime Gama, então jornalista do A República, em Janeiro de 1972, MARIA JOÃO AVILLEZ, Francisco Sá Carneiro: Solidão e Poder, Lisboa, 1981, pág. 69.[7] Sucintamente descrita em ROBERTO PAPINI, L’Internationale Démocrate-Chrétienne 1925-1986, Paris, 1988, pág. 197 e ss.[8] In Por uma Social-Democracia Portuguesa, Lisboa, 1975, pág. 32-33.[9] Cfr. JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 242.[10] Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Os Partidos Políticos – Modelo e Prática em Portugal in Futuro Presente, Lisboa, 1984, pág. 11.[11] JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 240.[12] Para uma total compreensão do papel dos líderes do PSD na formação da ideologia típica do partido, v. por todos NUNO MANALVO, PSD, A Marca dos Líderes, Lisboa, 2001.[13] O pragmatismo e a constante alternância entre as vertentes mais socializante e mais liberal do partido encontram-se plasmadas, por exemplo, na formação da AD, que ocorre como resposta à recusa do PS em se aliar com os sociais democratas. Neste sentido, JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pág. 262.[14] José Freire Antunes chama-lhe “hibridismo ideológico”, o que cedo teria trazido “vendavais internos” ao partido, JOSÉ FREIRE ANTUNES, Sá Carneiro – Um Meteoro dos Anos Setenta, Lisboa, 1982, pág. 100.[15] Veja-se, por exemplo, o caso das Opções Inadiáveis, ou a formação da ASDI, ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, ob. cit., pág. 107 e ss e FERNANDO FARELO LOPES E ANDRÉ FREIRE, Partidos Políticos e Sistemas Eleitorais – Uma Introdução, Oeiras, 2002, pág. 45.

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