O BAR DO OSSIAN: TREZE MULTIPLICADO POR DOIS DO MÊS SEGUNDO

02-10-2009
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Dedicado ao Ruela, no dia do seu aniversárioArs Moriendi, Joel-Peter Witkin, 2007Há um tear que não o tece mão humana, talvez o tempo, o abismo, ou uma palavra mágica como um jorro de luz, se os deuses não nos esqueceram ainda. Nada é por acaso, mas esquecemos a arte de ler os sinais.O símbolo emerge do costume grego de quebrar em duas metades um pequeno objecto numa despedida, ficando os amigos, ou os amantes (para os gregos a diferença era semanticamente ambígua), cada com a sua parte, podia ser uma moeda, uma concha, um anel. A metade guardada do objecto conservava a memória da separação e o laço; passava de pai a filho, ficando os descendentes obrigados ao dever de hospitalidade, mesmo que aquele que apresentasse o symbolon fosse um desconhecido: a junção do que havia sido separado rasgava o véu de treva. O tear do destino é uma assembleia de símbolos, tão remoto o seu fio primeiro, que nos ficam somente os sinais, indícios, espectros, vestígios, ruínas.O irmão do pai do pai do teu pai, numa manhã extrema, entrepôs o peito entre as flechas e a vida do pai do pai do meu pai. A metade, que tenho comigo, desse pedaço de pedra azul, prova-o – tu, os teus filhos, os filhos dos teus filhos, a tua linhagem, até à noite última em que os deuses libertem a raça dos homens do túmulo da vida, são nossos irmãos e onde quer que um de nós viva abrir-se-ão as portas, a mesa será farta, não passareis sede, nada vos faltará, as vossas feridas serão limpas e as nossas espadas, escudos e lanças a muralha em redor dos vossos corações.O tear, a existência, em duas metades, vida e morte, rosto e véu, nada é por acaso, nada é coincidência. Podia ser uma sigla, uma palavra só, um segredo, ou reconhecer uma cicatriz iniciática, a marca de uma linha de sangue, ou saber uma melodia. O tear, a assembleia das águas, os mananciais ocultos que atravessam a terra, as pedras altas.Eu encostei o ouvido ao ribeiro, era de noite, as águas falaram e a minha alma recordou.Lord of Erewhon


Dedicado ao Ruela, no dia do seu aniversárioArs Moriendi, Joel-Peter Witkin, 2007Há um tear que não o tece mão humana, talvez o tempo, o abismo, ou uma palavra mágica como um jorro de luz, se os deuses não nos esqueceram ainda. Nada é por acaso, mas esquecemos a arte de ler os sinais.O símbolo emerge do costume grego de quebrar em duas metades um pequeno objecto numa despedida, ficando os amigos, ou os amantes (para os gregos a diferença era semanticamente ambígua), cada com a sua parte, podia ser uma moeda, uma concha, um anel. A metade guardada do objecto conservava a memória da separação e o laço; passava de pai a filho, ficando os descendentes obrigados ao dever de hospitalidade, mesmo que aquele que apresentasse o symbolon fosse um desconhecido: a junção do que havia sido separado rasgava o véu de treva. O tear do destino é uma assembleia de símbolos, tão remoto o seu fio primeiro, que nos ficam somente os sinais, indícios, espectros, vestígios, ruínas.O irmão do pai do pai do teu pai, numa manhã extrema, entrepôs o peito entre as flechas e a vida do pai do pai do meu pai. A metade, que tenho comigo, desse pedaço de pedra azul, prova-o – tu, os teus filhos, os filhos dos teus filhos, a tua linhagem, até à noite última em que os deuses libertem a raça dos homens do túmulo da vida, são nossos irmãos e onde quer que um de nós viva abrir-se-ão as portas, a mesa será farta, não passareis sede, nada vos faltará, as vossas feridas serão limpas e as nossas espadas, escudos e lanças a muralha em redor dos vossos corações.O tear, a existência, em duas metades, vida e morte, rosto e véu, nada é por acaso, nada é coincidência. Podia ser uma sigla, uma palavra só, um segredo, ou reconhecer uma cicatriz iniciática, a marca de uma linha de sangue, ou saber uma melodia. O tear, a assembleia das águas, os mananciais ocultos que atravessam a terra, as pedras altas.Eu encostei o ouvido ao ribeiro, era de noite, as águas falaram e a minha alma recordou.Lord of Erewhon

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