NOVA ÁGUIA: O BLOGUE DA LUSOFONIA: Da Saudade

24-05-2009
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.A orientação filosófica de um povo reflecte e faz parte essencial da sua identidade, ainda que obviamente a reflexão filosófica apenas a alguns homens possa despertar, seja ela mais ou menos marcante, mais ou menos considerada, por aqueles que elaboram as Histórias da Filosofia. Se os grandes modelos e os grandes exemplos de orientações filosóficas vêm sobretudo da Alemanha, da França e da Inglaterra, o mesmo não invalida que a reflexão filosófica não aconteça noutros países, mesmo que a possamos ignorar pelas mais diversas razões. Como cultores da filosofia, é do interesse vital o estudo e conhecimento da Filosofia em Portugal, e, quiçá, de uma “filosofia portuguesa” como uma filosofia da saudade ontológica, simultaneamente religiosa e metafísica, pela especificidade que advém da cultura de um povo situado no mundo “onde a terra acaba e o mar começa”, por mais anti-filosófico que esse mesmo povo se possa apresentar.As características próprias e intrínsecas de uma cultura em si considerada configuram depois o pensamento que se gera no seio dessa mesma cultura, não porque a actividade pensante tenha que acontecer ou se desencadeie por causa da cultura, mas porque esta é o solo no qual ela se pode enraizar e encontrar o seu alimento. Desde logo, uma língua, sem a qual nenhum pensamento se pode erguer.É o pensamento, a reflexão filosófica que em Portugal ao longo dos tempos se foi desenvolvendo, além da iniludível dimensão filosofante do humano, uma consequência de um determinado modo de ser e estar, em que, entre outras, as características de natureza geográfica e de natureza religiosa assumem decisivo relevo.Junto ao Atlântico e próximo da entrada do Mediterrâneo, entre a Europa e a África, entre a Europa e as Américas, na zona temperada do Norte, vizinhos da zona tórrida, a cultura portuguesa vai emergindo entre a errância, a itinerância de um povo que para lá da terra, tem o e o céu. Terra, Mar e Céu são, pois, os elementos a partir dos quais podemos em certa medida reflectir no sentido de encontrar algumas explicações fundamentais, tanto na ordem cultural como filosoficamente. Uma certa indefinição e consequente desassossego repartido entre o infinito e o finito, o que somos e não somos, traduzem em grande parte o nosso mais íntimo ser, as nossas inquietações e aspirações mais profundas, com as inevitáveis repercussões, nomeadamente de natureza especulativa, que a nossa filosofia apresenta.Algumas “teorias da esperança”, onde podemos encontrar significativo contributo para a compreensão do perfil espiritual dos portugueses surgem assim mais compreensíveis no contexto geral. Pode dizer-se que não só para o Messianismo, Sebastianismo e Saudosismo, como até para a questão do Quinto Império, que, sobretudo a partir de Padre António Vieira, ganha maior importância, com o messianismo formulado nas Sagradas Escrituras relativo ao Messias Salvador, assim como com a ideia de pecado original, mal e, obviamente, com a ideia de Deus e de morte, pontos matriciais de forte influência não só para estas “teorias da esperança”, como também ideias-noções nucleares das problemáticas fundamentais de grande parte dos filósofos portugueses, intitulem-se eles deístas, agnósticos ou ateus.Esperança em algo ou nalgum redentor de uma humanidade considerada degradada, quedada ou perdida, seja porque caiu da sua condição original, porque cometeu pecado, porque perdeu a sua natureza sagrada, a sua felicidade, bondade, verdade, sabedoria e até identidade (política ou outra), a cultura portuguesa e a seu modo a filosofia em Portugal está fortemente ligada a estas dimensões da esperança, podendo também traduzir-se a seu modo como dimensões da Saudade.Será também de referir a tendência de alguns pensadores portugueses que se voltaram para o estrangeiro – daí o nome de “estrangeirados”, como vieram a ser designados a partir do séc. XVIII (como é o caso de Verney) –, procurando adaptar alguns paradigmas apreendidos lá fora à realidade portuguesa (“reino cadaveroso”), ou, noutros casos, pretendendo mesmo moldá-la.Não pretendendo identificar Filosofia e Cultura, ou reduzir a “Filosofia em Portugal” à “Filosofia da Cultura Portuguesa”, no caso português, como noutros, é importante que, para uma melhor compreensão do nosso pensamento filosófico, tenhamos em consideração aquelas que poderão ser as marcas mais relevantes da nossa Cultura. Daí a matriz da nossa filosofia: uma filosofia muito radicada no sentimento, em particular na Saudade.Maria Celeste Natário


.A orientação filosófica de um povo reflecte e faz parte essencial da sua identidade, ainda que obviamente a reflexão filosófica apenas a alguns homens possa despertar, seja ela mais ou menos marcante, mais ou menos considerada, por aqueles que elaboram as Histórias da Filosofia. Se os grandes modelos e os grandes exemplos de orientações filosóficas vêm sobretudo da Alemanha, da França e da Inglaterra, o mesmo não invalida que a reflexão filosófica não aconteça noutros países, mesmo que a possamos ignorar pelas mais diversas razões. Como cultores da filosofia, é do interesse vital o estudo e conhecimento da Filosofia em Portugal, e, quiçá, de uma “filosofia portuguesa” como uma filosofia da saudade ontológica, simultaneamente religiosa e metafísica, pela especificidade que advém da cultura de um povo situado no mundo “onde a terra acaba e o mar começa”, por mais anti-filosófico que esse mesmo povo se possa apresentar.As características próprias e intrínsecas de uma cultura em si considerada configuram depois o pensamento que se gera no seio dessa mesma cultura, não porque a actividade pensante tenha que acontecer ou se desencadeie por causa da cultura, mas porque esta é o solo no qual ela se pode enraizar e encontrar o seu alimento. Desde logo, uma língua, sem a qual nenhum pensamento se pode erguer.É o pensamento, a reflexão filosófica que em Portugal ao longo dos tempos se foi desenvolvendo, além da iniludível dimensão filosofante do humano, uma consequência de um determinado modo de ser e estar, em que, entre outras, as características de natureza geográfica e de natureza religiosa assumem decisivo relevo.Junto ao Atlântico e próximo da entrada do Mediterrâneo, entre a Europa e a África, entre a Europa e as Américas, na zona temperada do Norte, vizinhos da zona tórrida, a cultura portuguesa vai emergindo entre a errância, a itinerância de um povo que para lá da terra, tem o e o céu. Terra, Mar e Céu são, pois, os elementos a partir dos quais podemos em certa medida reflectir no sentido de encontrar algumas explicações fundamentais, tanto na ordem cultural como filosoficamente. Uma certa indefinição e consequente desassossego repartido entre o infinito e o finito, o que somos e não somos, traduzem em grande parte o nosso mais íntimo ser, as nossas inquietações e aspirações mais profundas, com as inevitáveis repercussões, nomeadamente de natureza especulativa, que a nossa filosofia apresenta.Algumas “teorias da esperança”, onde podemos encontrar significativo contributo para a compreensão do perfil espiritual dos portugueses surgem assim mais compreensíveis no contexto geral. Pode dizer-se que não só para o Messianismo, Sebastianismo e Saudosismo, como até para a questão do Quinto Império, que, sobretudo a partir de Padre António Vieira, ganha maior importância, com o messianismo formulado nas Sagradas Escrituras relativo ao Messias Salvador, assim como com a ideia de pecado original, mal e, obviamente, com a ideia de Deus e de morte, pontos matriciais de forte influência não só para estas “teorias da esperança”, como também ideias-noções nucleares das problemáticas fundamentais de grande parte dos filósofos portugueses, intitulem-se eles deístas, agnósticos ou ateus.Esperança em algo ou nalgum redentor de uma humanidade considerada degradada, quedada ou perdida, seja porque caiu da sua condição original, porque cometeu pecado, porque perdeu a sua natureza sagrada, a sua felicidade, bondade, verdade, sabedoria e até identidade (política ou outra), a cultura portuguesa e a seu modo a filosofia em Portugal está fortemente ligada a estas dimensões da esperança, podendo também traduzir-se a seu modo como dimensões da Saudade.Será também de referir a tendência de alguns pensadores portugueses que se voltaram para o estrangeiro – daí o nome de “estrangeirados”, como vieram a ser designados a partir do séc. XVIII (como é o caso de Verney) –, procurando adaptar alguns paradigmas apreendidos lá fora à realidade portuguesa (“reino cadaveroso”), ou, noutros casos, pretendendo mesmo moldá-la.Não pretendendo identificar Filosofia e Cultura, ou reduzir a “Filosofia em Portugal” à “Filosofia da Cultura Portuguesa”, no caso português, como noutros, é importante que, para uma melhor compreensão do nosso pensamento filosófico, tenhamos em consideração aquelas que poderão ser as marcas mais relevantes da nossa Cultura. Daí a matriz da nossa filosofia: uma filosofia muito radicada no sentimento, em particular na Saudade.Maria Celeste Natário

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