Ciberjus: Ponhonhós

08-10-2009
marcar artigo

Foi (...) quem me ensinou o termo ponhonhó. Tem a felicidade de ser um termo que traduz imediatamente o respectivo conceito. Diz-se ponhonhó e sabe-se logo o que é. Dispensa-se a consulta do dicionário.O primeiro ponhonhó que conheci (mas na altura não sabia ainda que era ponhonhó o que ele era) foi o senhor professor Mira.Teria eu 6 ou 7 anos e ele perto de 80. Pertencia a uma das famílas tradicionais de Barrô (Águeda) e metade dos barroenses que (da República ao Estado Novo) sabia ler, escrever e contar a ele o devia.Recordo-o a conduzir cauteloso pelas ruas da aldeia um "Renault Gordini", a não mais de 15 ou 20 Km/h. Já na altura era alvo da troça universal. Às escondidas, para não lhe faltar ao respeito nem à família, que o respeitinho era à época uma coisa muito linda.A minha mãe dizia-me (dissera-lhe também o seu pai, porque ela era já muito nova para disso se lembrar) que o senhor professor Mira fora a primeira pessoa a ter automóvel em Barrô. Fizera furor. E não havia então miúdo que, quando ele passava a assapar nos seus 10 à hora, não corresse atrás do carro, a gritar e a comer a poeira solta.Desde o primeiro momento que a coisa que mais receio inspirava ao senhor professor Mira era o entroncamento do Vale do Grou, onde a estrada de Barrô desenbocava na Estada Nacional N.º 1, Porto-Lisboa. Sempre que o destino por aí o levava (e levava sempre que tinha de ir a Águeda) fazia-se acompanhar da mulher, a D. Mariazinha. Chegado ao entroncamento, pedia-lhe que saisse do carro e avançasse na estrada nacional, a ver se vinha alguém. Só depois de reiteradas garantias gestuais da mulher, assegurando-lhe que não se via nenhum veículo na recta de 300 ou 400 metros que caracteriza o local, é que seguia em frente, parando já em plena via principal, para receber de novo a companheira.Se nos anos 30 e 40 a coisa funcionou, nos anos 60, com um volume crescente e já assinalável de tráfego, o exercício tornou-se extraordinariamente perigoso. Um dia, em 1968 ou 69, algo correu mal.Parado na estrada n.º 1 a recolher a cônjuge, o senhor professor Mira viu o seu "Gordini" ser brutalmente abalroado por um camião. A D. Mariazinha parece que teve morte imediata. Ele aguentou-se ainda uns meses, acabando pouco depois, vítima das mazelas deixadas pelo acidente, ou da culpa de ter descoberto tarde de mais que era um ponhonhó.Texto pescado no Blog "Funes, el Memorioso", com a gentil condescendência do seu Blogmaster e autor.

Foi (...) quem me ensinou o termo ponhonhó. Tem a felicidade de ser um termo que traduz imediatamente o respectivo conceito. Diz-se ponhonhó e sabe-se logo o que é. Dispensa-se a consulta do dicionário.O primeiro ponhonhó que conheci (mas na altura não sabia ainda que era ponhonhó o que ele era) foi o senhor professor Mira.Teria eu 6 ou 7 anos e ele perto de 80. Pertencia a uma das famílas tradicionais de Barrô (Águeda) e metade dos barroenses que (da República ao Estado Novo) sabia ler, escrever e contar a ele o devia.Recordo-o a conduzir cauteloso pelas ruas da aldeia um "Renault Gordini", a não mais de 15 ou 20 Km/h. Já na altura era alvo da troça universal. Às escondidas, para não lhe faltar ao respeito nem à família, que o respeitinho era à época uma coisa muito linda.A minha mãe dizia-me (dissera-lhe também o seu pai, porque ela era já muito nova para disso se lembrar) que o senhor professor Mira fora a primeira pessoa a ter automóvel em Barrô. Fizera furor. E não havia então miúdo que, quando ele passava a assapar nos seus 10 à hora, não corresse atrás do carro, a gritar e a comer a poeira solta.Desde o primeiro momento que a coisa que mais receio inspirava ao senhor professor Mira era o entroncamento do Vale do Grou, onde a estrada de Barrô desenbocava na Estada Nacional N.º 1, Porto-Lisboa. Sempre que o destino por aí o levava (e levava sempre que tinha de ir a Águeda) fazia-se acompanhar da mulher, a D. Mariazinha. Chegado ao entroncamento, pedia-lhe que saisse do carro e avançasse na estrada nacional, a ver se vinha alguém. Só depois de reiteradas garantias gestuais da mulher, assegurando-lhe que não se via nenhum veículo na recta de 300 ou 400 metros que caracteriza o local, é que seguia em frente, parando já em plena via principal, para receber de novo a companheira.Se nos anos 30 e 40 a coisa funcionou, nos anos 60, com um volume crescente e já assinalável de tráfego, o exercício tornou-se extraordinariamente perigoso. Um dia, em 1968 ou 69, algo correu mal.Parado na estrada n.º 1 a recolher a cônjuge, o senhor professor Mira viu o seu "Gordini" ser brutalmente abalroado por um camião. A D. Mariazinha parece que teve morte imediata. Ele aguentou-se ainda uns meses, acabando pouco depois, vítima das mazelas deixadas pelo acidente, ou da culpa de ter descoberto tarde de mais que era um ponhonhó.Texto pescado no Blog "Funes, el Memorioso", com a gentil condescendência do seu Blogmaster e autor.

marcar artigo