Ciber-Juristas: O Público ignora resposta de Conselheiro

17-02-2006
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1º) No seu editorial de 10/9/05 no Público, José Manuel Fernandes (JMF), fazendo jus à sua propensão para números (como aliás salienta na mesma edição o ex-reitor da U.P., Alberto Amaral), compara os tribunais portugueses aos franceses e espanhóis para fazer uma critica subliminar aos juízes portugueses que nem sequer se podem queixar de "falta de meios". Aos números que perfila (juízes-população, funcionários-população, tribunais-população) J.M.F. esqueceu-se de outros: entre muitos que se podem citar falta a capitação advogados-população e juiz- processos. No inicio de 1998 Portugal ia quase nos 18.000 advogados (para 10 milhões de habitantes), a Itália tinha cerca de 100.000 advogados para 55 milhões enquanto a França tinha 37.005 advogados para 60 milhões; o comportamento dos tribunais portugueses tinha muito a ver com os italianos e pouco com os franceses. Em 2001, o Ministério da Justiça contratou uma empresa para estudar a contingentação processual criminal em Portugal, empresa que usou para isso uma metodologia americana; o estudo concluiu que todos os Tribunais criminais tinham processos em excesso numa percentagem que ia de 5% a 22%. Idêntico estudo encomendado a seguir sobre a justiça cível nunca mais viu a luz do dia: dá mais jeito assim porque o crescimento exponencial de processos tem sido no cível e sem estudo é mais fácil concluir como se quer e dizer mal de juízes e funcionários. Já agora J.M.F. podia comparar a morosidade dos recursos no Supremo Tribunal de Justiça português (onde a média de decisão é de 4/6 meses) e outros tribunais superiores estrangeiros. Em 1999 no Quebec (Canadá) a Cour d´Appel demorava 3 anos e aqui ao lado em Espanha, o Supremo chega a demorar anos. 2º) a crise dos Tribunais tem um conjunto múltiplo de factores interligados como defendi na minha intervenção na Faculdade de Economia do Porto em 27/6/05: um regime selvagem de concessão de crédito que leva ao endividamento familiar mas que convém às grandes empresas, que com as suas acções de dívida entopem os Tribunais (por tudo isto é que o Código do Consumidor a ser elaborado há 6 anos nunca mais aparece); uma pluralidade de orgânicas judiciárias independentes entre si que levam à sobreposição de competências com os respectivos conflitos processuais quando o sistema mais barato e mais fluente era o de uma única orgânica; a não administrativização na resolução de conflitos de competência; a não institucionalização do juiz-presidente a tempo inteiro na 1ª instância; a não alteração completa das leis de processo civil e criminal (a Espanha resolveu a morosidade na 1ªinstância em grande parte com esta alteração); a manutenção do actual mapa judiciário do país que deveria ser pensado a partir dos estudos sobre as movimentações migratórias e demográficas e sobre questões urbanísticas das áreas metropolitanas; a não existência de protocolos de distribuição de risco nos casos de responsabilidade extra-contratual (até a Roménia tem isto); a não alteração profunda do actual sistema de formação de magistrados; a manutenção do sistema leonino de transcrições nos recursos. Tudo o resto (férias e quejando) é para inglês ver, mas tem o especial condão de fazer teatro mediático preterindo o essencial; 3º) os juízes assistem agora à vingança dos deuses da qual, porém, a comunicação social nem sequer fala. Refiro-me à reforma da acção executiva: enquanto passou pelos juízes e funcionários, essa acção andava devagar mas andava e os credores, no geral, recebiam; agora que não passa, há dezenas de milhar de acções paradas, completamente paradas, nenhum credor recebe e Portugal está prestes a ser conhecido lá fora como o país dos caloteiros. Reformar esse processo semi privatizando-o mas enxertando nele uma nova profissão liberal que vê aí um novo eldorado deu o que deu porque os cidadãos não estão dispostos a pagar mais. 4º) mas curiosa é a posição de J.M.F. acerca dos direitos adquiridos: "numa sociedade em transformação permanente nenhum direito pode ser considerado adquirido antes objecto de uma avaliação constante de custo-benefício " (sic). Daí que não consigo compreender a reacção dos jornalistas quando se fala em limitar, ou eliminar em certos casos, o sigilo jornalístico das fontes de informação; é que numa sociedade de criminalidade crescentemente violenta a avaliação custo/benefício justifica certamente aquela limitação. E não nos digam que aqui as coisas são diferentes; porque então responderei com o chavão do corporativismo de quem quer manter direitos adquiridos. Luís António Noronha de Nascimento Juiz do S.T.J.

1º) No seu editorial de 10/9/05 no Público, José Manuel Fernandes (JMF), fazendo jus à sua propensão para números (como aliás salienta na mesma edição o ex-reitor da U.P., Alberto Amaral), compara os tribunais portugueses aos franceses e espanhóis para fazer uma critica subliminar aos juízes portugueses que nem sequer se podem queixar de "falta de meios". Aos números que perfila (juízes-população, funcionários-população, tribunais-população) J.M.F. esqueceu-se de outros: entre muitos que se podem citar falta a capitação advogados-população e juiz- processos. No inicio de 1998 Portugal ia quase nos 18.000 advogados (para 10 milhões de habitantes), a Itália tinha cerca de 100.000 advogados para 55 milhões enquanto a França tinha 37.005 advogados para 60 milhões; o comportamento dos tribunais portugueses tinha muito a ver com os italianos e pouco com os franceses. Em 2001, o Ministério da Justiça contratou uma empresa para estudar a contingentação processual criminal em Portugal, empresa que usou para isso uma metodologia americana; o estudo concluiu que todos os Tribunais criminais tinham processos em excesso numa percentagem que ia de 5% a 22%. Idêntico estudo encomendado a seguir sobre a justiça cível nunca mais viu a luz do dia: dá mais jeito assim porque o crescimento exponencial de processos tem sido no cível e sem estudo é mais fácil concluir como se quer e dizer mal de juízes e funcionários. Já agora J.M.F. podia comparar a morosidade dos recursos no Supremo Tribunal de Justiça português (onde a média de decisão é de 4/6 meses) e outros tribunais superiores estrangeiros. Em 1999 no Quebec (Canadá) a Cour d´Appel demorava 3 anos e aqui ao lado em Espanha, o Supremo chega a demorar anos. 2º) a crise dos Tribunais tem um conjunto múltiplo de factores interligados como defendi na minha intervenção na Faculdade de Economia do Porto em 27/6/05: um regime selvagem de concessão de crédito que leva ao endividamento familiar mas que convém às grandes empresas, que com as suas acções de dívida entopem os Tribunais (por tudo isto é que o Código do Consumidor a ser elaborado há 6 anos nunca mais aparece); uma pluralidade de orgânicas judiciárias independentes entre si que levam à sobreposição de competências com os respectivos conflitos processuais quando o sistema mais barato e mais fluente era o de uma única orgânica; a não administrativização na resolução de conflitos de competência; a não institucionalização do juiz-presidente a tempo inteiro na 1ª instância; a não alteração completa das leis de processo civil e criminal (a Espanha resolveu a morosidade na 1ªinstância em grande parte com esta alteração); a manutenção do actual mapa judiciário do país que deveria ser pensado a partir dos estudos sobre as movimentações migratórias e demográficas e sobre questões urbanísticas das áreas metropolitanas; a não existência de protocolos de distribuição de risco nos casos de responsabilidade extra-contratual (até a Roménia tem isto); a não alteração profunda do actual sistema de formação de magistrados; a manutenção do sistema leonino de transcrições nos recursos. Tudo o resto (férias e quejando) é para inglês ver, mas tem o especial condão de fazer teatro mediático preterindo o essencial; 3º) os juízes assistem agora à vingança dos deuses da qual, porém, a comunicação social nem sequer fala. Refiro-me à reforma da acção executiva: enquanto passou pelos juízes e funcionários, essa acção andava devagar mas andava e os credores, no geral, recebiam; agora que não passa, há dezenas de milhar de acções paradas, completamente paradas, nenhum credor recebe e Portugal está prestes a ser conhecido lá fora como o país dos caloteiros. Reformar esse processo semi privatizando-o mas enxertando nele uma nova profissão liberal que vê aí um novo eldorado deu o que deu porque os cidadãos não estão dispostos a pagar mais. 4º) mas curiosa é a posição de J.M.F. acerca dos direitos adquiridos: "numa sociedade em transformação permanente nenhum direito pode ser considerado adquirido antes objecto de uma avaliação constante de custo-benefício " (sic). Daí que não consigo compreender a reacção dos jornalistas quando se fala em limitar, ou eliminar em certos casos, o sigilo jornalístico das fontes de informação; é que numa sociedade de criminalidade crescentemente violenta a avaliação custo/benefício justifica certamente aquela limitação. E não nos digam que aqui as coisas são diferentes; porque então responderei com o chavão do corporativismo de quem quer manter direitos adquiridos. Luís António Noronha de Nascimento Juiz do S.T.J.

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