Estádio José Gomes, 24 Agosto 2008Juro. Juro que troquei uma solarenga tarde na piscina por uma experiência única ali para os lados da Reboleira. Os tratados de amor têm destas coisas: por vezes cabe prescindir da dolce vita e alinhar com a outra metade em determinadas aventuras. Quis o destino (e o Gonçalo!) que neste querido domingo de agosto me deslocasse até ao Estádio José Gomes, sito na afamada Reboleira, para assistir ao duelo entre a "Estrela" lá do sítio e a "Briosa" de Coimbra. Não fazendo a coisa por menos - que o momento era histórico - toca a trocar bons assentos pelo lugarzinho ali mesmo ao lado dos verdadeiros adeptos. Primeira impressão? O estádio do Sr. José Gomes já precisava de intervenção. É que já nem refilo da limpeza das cadeiras - que eu presumo nunca terem visto água que não a da chuva - mas antes do plástico a desfazer-se ao roçar dos traseiros. Enfim, na Reboleira quer-me parecer que isto são males menores...O sol queimava a trinta graus quando o apito soa a dar início à partida. Antes, umas patéticas cheerleaders abanavam-se ao som de um qualquer hit e esfalfavam-se em animar as hostes. Em vão, que ali a emoção só chega com os onzes em campo. Mal se sabia que o tédio era a palavra de ordem deste duelo da Liga Sagres que, reclamava um adepto, mais parecia a Vitalis. E por falar em água, um estranho trio vendia-la pelas bancadas com um pregão a fazer lembrar as feiras. Um outro oferecia queijadas de Sintra a preço do ouro e pipocas coloridas a transbordar de corantes que os miúdos trincavam com a fúria de quem trucida um inimigo.Enquanto as claques entoam hinos e os habituais allez, alezz, entretive-me a encetar uma espécie de estudo sociológico. O local, acreditem, era perfeito. Havia espectadores para todas as idades e uma clara predominância do sexo masculino, embora de quando em quando se ouvisse o grito de guerra de uma mulher a torcer pelo clube do coração. Havia trupes acicatadas e velhos de nervos em franja. Um senhor de blazer (!!) suava em bica ainda que a Ypsílon em riste lhe protegesse a cara de um sol impiedoso. Dois casais respiravam (aparente) tranquilidade. Alguns miúdos acompanhavam os pais nos insultos e noutra bancada uma família pulava e gritava numa sincronia invejável. Ao intervalo, O-O. Trocam-se palpites entre uns cigarros e uns goles de água. Os mais audazes arriscam uma bifana elaborada num bar que presumo nunca ter sido visitado pela ASAE. No campo é apresentado um novo jogador da casa mas ninguém lhes presta muita atenção. Entretanto a música de fundo vai-se esfumando, os plantéis regressam ao relvado de um verde carcomido pelo sol e tem início a segunda parte.À minha frente, voilá, o melhor locutor que ali o ouvido podia alcançar. "Vasquinho, sabes o que é uma mão?", reclamava perante a esporádica cegueira do árbitro. E prosseguia: "Ó nove, tu és má-rês!". E a mais repetida: "Isto é passe que se faça?!", bramia. E no entretanto, golo. Não, golooooooooooooooooooooooo, como nos relatos da rádio. Um golo anunciado pelo microfone quase um minuto depois, por um locutor da casa a dar mostras de enfado. Festeja a equipa tricolor e ouve-se na bancada um elogio ao guarda-redes: "Ó Peskovic, tu não pescas nada!". Talvez tenha surtido efeito, que a partir daí não entrou mais nenhuma bola na baliza dos estudantes. Mas o esférico também não penetrou a baliza adversária... e no final da partida, a desilusão cobre a bancada a preto e branco. Compreende-se. Uma deslocação ao submundo numa quente tarde de Agosto é, já por si, uma inegável prova de amor à camisola. E se a isto acrescer uma insonsa partida que resulta numa derrota... Já no que me toca, e como resulta fácil de entender, uma ida à Reboleira num dos poucos dias de descanso de que posso usufruir é sacrifício que revela o quão imensurável é a minha benevolência e a minha dedicação. E a tudo o exposto acresce que vesti a rigor (preto e branco) e nem por um segundo perdi a postura que se requer a uma adepta! Quem me visse, nem diria que na noite anterior assisti a um concerto num pequeno paraíso perdido ali para os algarves, lado a lado com a diva Catherine Deneuve!
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Estádio José Gomes, 24 Agosto 2008Juro. Juro que troquei uma solarenga tarde na piscina por uma experiência única ali para os lados da Reboleira. Os tratados de amor têm destas coisas: por vezes cabe prescindir da dolce vita e alinhar com a outra metade em determinadas aventuras. Quis o destino (e o Gonçalo!) que neste querido domingo de agosto me deslocasse até ao Estádio José Gomes, sito na afamada Reboleira, para assistir ao duelo entre a "Estrela" lá do sítio e a "Briosa" de Coimbra. Não fazendo a coisa por menos - que o momento era histórico - toca a trocar bons assentos pelo lugarzinho ali mesmo ao lado dos verdadeiros adeptos. Primeira impressão? O estádio do Sr. José Gomes já precisava de intervenção. É que já nem refilo da limpeza das cadeiras - que eu presumo nunca terem visto água que não a da chuva - mas antes do plástico a desfazer-se ao roçar dos traseiros. Enfim, na Reboleira quer-me parecer que isto são males menores...O sol queimava a trinta graus quando o apito soa a dar início à partida. Antes, umas patéticas cheerleaders abanavam-se ao som de um qualquer hit e esfalfavam-se em animar as hostes. Em vão, que ali a emoção só chega com os onzes em campo. Mal se sabia que o tédio era a palavra de ordem deste duelo da Liga Sagres que, reclamava um adepto, mais parecia a Vitalis. E por falar em água, um estranho trio vendia-la pelas bancadas com um pregão a fazer lembrar as feiras. Um outro oferecia queijadas de Sintra a preço do ouro e pipocas coloridas a transbordar de corantes que os miúdos trincavam com a fúria de quem trucida um inimigo.Enquanto as claques entoam hinos e os habituais allez, alezz, entretive-me a encetar uma espécie de estudo sociológico. O local, acreditem, era perfeito. Havia espectadores para todas as idades e uma clara predominância do sexo masculino, embora de quando em quando se ouvisse o grito de guerra de uma mulher a torcer pelo clube do coração. Havia trupes acicatadas e velhos de nervos em franja. Um senhor de blazer (!!) suava em bica ainda que a Ypsílon em riste lhe protegesse a cara de um sol impiedoso. Dois casais respiravam (aparente) tranquilidade. Alguns miúdos acompanhavam os pais nos insultos e noutra bancada uma família pulava e gritava numa sincronia invejável. Ao intervalo, O-O. Trocam-se palpites entre uns cigarros e uns goles de água. Os mais audazes arriscam uma bifana elaborada num bar que presumo nunca ter sido visitado pela ASAE. No campo é apresentado um novo jogador da casa mas ninguém lhes presta muita atenção. Entretanto a música de fundo vai-se esfumando, os plantéis regressam ao relvado de um verde carcomido pelo sol e tem início a segunda parte.À minha frente, voilá, o melhor locutor que ali o ouvido podia alcançar. "Vasquinho, sabes o que é uma mão?", reclamava perante a esporádica cegueira do árbitro. E prosseguia: "Ó nove, tu és má-rês!". E a mais repetida: "Isto é passe que se faça?!", bramia. E no entretanto, golo. Não, golooooooooooooooooooooooo, como nos relatos da rádio. Um golo anunciado pelo microfone quase um minuto depois, por um locutor da casa a dar mostras de enfado. Festeja a equipa tricolor e ouve-se na bancada um elogio ao guarda-redes: "Ó Peskovic, tu não pescas nada!". Talvez tenha surtido efeito, que a partir daí não entrou mais nenhuma bola na baliza dos estudantes. Mas o esférico também não penetrou a baliza adversária... e no final da partida, a desilusão cobre a bancada a preto e branco. Compreende-se. Uma deslocação ao submundo numa quente tarde de Agosto é, já por si, uma inegável prova de amor à camisola. E se a isto acrescer uma insonsa partida que resulta numa derrota... Já no que me toca, e como resulta fácil de entender, uma ida à Reboleira num dos poucos dias de descanso de que posso usufruir é sacrifício que revela o quão imensurável é a minha benevolência e a minha dedicação. E a tudo o exposto acresce que vesti a rigor (preto e branco) e nem por um segundo perdi a postura que se requer a uma adepta! Quem me visse, nem diria que na noite anterior assisti a um concerto num pequeno paraíso perdido ali para os algarves, lado a lado com a diva Catherine Deneuve!