Câmara Lenta: A crise não acabou

01-10-2009
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Publicado no Esquerda.netA inversão do ciclo económico ajudará a respirar um pouco melhor mas é muito longo o caminho a percorrer, pela economia mundial e pela portuguesa, para se chegar a uma sociedade mais decente.A imprensa de hoje revela que metade dos países da zona Euro registaram crescimento económico no segundo trimestre de 2009, invertendo a tendência negativa que se tinha verificado nos três trimestres anteriores. Mesmo assim, no seu conjunto, os países da moeda única registaram uma contracção de 0,1%. Portugal está entre os países que cresceram, com uma taxa de 0,3%.No mesmo dia, também se ficou a saber que a taxa de desemprego em Portugal deverá ultrapassar os 9% no segundo trimestre do ano, pondo em evidência o que já se sabia: o desemprego continuará a aumentar mesmo quando já se registam sinais de recuperação económica e os efeitos positivos do crescimento sobre a criação de emprego só se vão verificar mais tarde.Esta é uma situação particularmente grave em Portugal, onde grande parte dos desempregados não tem direito a qualquer subsídio. Pelo contrário, em tempo de crise, o estado espanhol criou um fundo que garante a todos os trabalhadores um apoio que lhes assegura algum rendimento, mesmo que já não tenham direito ao subsídio de desemprego. É o mínimo que se pode esperar de uma sociedade civilizada mas mais do que se pode esperar do governo socialista em Portugal.Outro sinal da brutalidade da crise social que Portugal continuará a viver é o da devolução do IRS retido aos trabalhadores independentes: duas mil pessoas que fizeram os seus descontos ao longo do último ano não podem receber os montantes a que têm direito porque as empresas que os contrataram não entregaram as verbas devidas ao Estado. Os trabalhadores independentes são também os que não têm direito a férias ou a protecção na doença e que estão mais vulneráveis aos despedimentos em tempo de crise.A inversão da tendência do ciclo económico que se começa a desenhar na economia mundial decorre de uma intervenção pública que resgatou da crise o sistema financeiro, pagou a factura de muitas fraudes e contribuiu para repor alguma dinâmica na procura e nos mercados mundiais. Mas não respondeu às causas mais profundas da crise que ainda se atravessa: poderá ajudar a alimentar um novo ciclo de algum crescimento mas não evitará uma nova recessão, num prazo talvez não muito longo.Como evidenciaram muitos economistas, e é claramente exposto nestas apresentações de Francisco Louçã e Jorg Huffschmid, a crise que atravessamos é uma crise capitalista de sobre-produção, associada a uma insuficiente procura, ligada a uma sucessiva perda de rendimento das classes trabalhadoras, que se prolonga desde os anos 80 e continuará pelos próximos tempos. As tendências de privatização, desregulamentação e financeirização da economia, no quadro de um comércio global cada vez mais livre, beneficiaram largamente o capital, que conseguiu assegurar lucros apesar da descida da acumulação, e penalizaram largamente o trabalho. Essa é a causa profunda da crise e está muito longe de ter ficado resolvida.E em Portugal, há outra crise, a "crise velha" a que se juntou a "crise nova", como também sintetizou o Miguel Portas. A crise portuguesa tem que ver com um fraco padrão de especialização económica, desadequados níveis de qualificação profissional e dos empresários, falta de capacidade de inovação, sistemática desorientação estratégica, fraco nível de internacionalização, escassa produtividade. A inversão do ciclo económico ajudará a respirar um pouco melhor mas é muito longo o caminho a percorrer, pela economia mundial e pela portuguesa, para se chegar a uma sociedade mais decente. As acusações de Medina Carreira ao sistema político actual não são irrelevantes para o caso.


Publicado no Esquerda.netA inversão do ciclo económico ajudará a respirar um pouco melhor mas é muito longo o caminho a percorrer, pela economia mundial e pela portuguesa, para se chegar a uma sociedade mais decente.A imprensa de hoje revela que metade dos países da zona Euro registaram crescimento económico no segundo trimestre de 2009, invertendo a tendência negativa que se tinha verificado nos três trimestres anteriores. Mesmo assim, no seu conjunto, os países da moeda única registaram uma contracção de 0,1%. Portugal está entre os países que cresceram, com uma taxa de 0,3%.No mesmo dia, também se ficou a saber que a taxa de desemprego em Portugal deverá ultrapassar os 9% no segundo trimestre do ano, pondo em evidência o que já se sabia: o desemprego continuará a aumentar mesmo quando já se registam sinais de recuperação económica e os efeitos positivos do crescimento sobre a criação de emprego só se vão verificar mais tarde.Esta é uma situação particularmente grave em Portugal, onde grande parte dos desempregados não tem direito a qualquer subsídio. Pelo contrário, em tempo de crise, o estado espanhol criou um fundo que garante a todos os trabalhadores um apoio que lhes assegura algum rendimento, mesmo que já não tenham direito ao subsídio de desemprego. É o mínimo que se pode esperar de uma sociedade civilizada mas mais do que se pode esperar do governo socialista em Portugal.Outro sinal da brutalidade da crise social que Portugal continuará a viver é o da devolução do IRS retido aos trabalhadores independentes: duas mil pessoas que fizeram os seus descontos ao longo do último ano não podem receber os montantes a que têm direito porque as empresas que os contrataram não entregaram as verbas devidas ao Estado. Os trabalhadores independentes são também os que não têm direito a férias ou a protecção na doença e que estão mais vulneráveis aos despedimentos em tempo de crise.A inversão da tendência do ciclo económico que se começa a desenhar na economia mundial decorre de uma intervenção pública que resgatou da crise o sistema financeiro, pagou a factura de muitas fraudes e contribuiu para repor alguma dinâmica na procura e nos mercados mundiais. Mas não respondeu às causas mais profundas da crise que ainda se atravessa: poderá ajudar a alimentar um novo ciclo de algum crescimento mas não evitará uma nova recessão, num prazo talvez não muito longo.Como evidenciaram muitos economistas, e é claramente exposto nestas apresentações de Francisco Louçã e Jorg Huffschmid, a crise que atravessamos é uma crise capitalista de sobre-produção, associada a uma insuficiente procura, ligada a uma sucessiva perda de rendimento das classes trabalhadoras, que se prolonga desde os anos 80 e continuará pelos próximos tempos. As tendências de privatização, desregulamentação e financeirização da economia, no quadro de um comércio global cada vez mais livre, beneficiaram largamente o capital, que conseguiu assegurar lucros apesar da descida da acumulação, e penalizaram largamente o trabalho. Essa é a causa profunda da crise e está muito longe de ter ficado resolvida.E em Portugal, há outra crise, a "crise velha" a que se juntou a "crise nova", como também sintetizou o Miguel Portas. A crise portuguesa tem que ver com um fraco padrão de especialização económica, desadequados níveis de qualificação profissional e dos empresários, falta de capacidade de inovação, sistemática desorientação estratégica, fraco nível de internacionalização, escassa produtividade. A inversão do ciclo económico ajudará a respirar um pouco melhor mas é muito longo o caminho a percorrer, pela economia mundial e pela portuguesa, para se chegar a uma sociedade mais decente. As acusações de Medina Carreira ao sistema político actual não são irrelevantes para o caso.

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