CyberCultura e Democracia Online: A Lesbofobia de Egas Moniz

03-10-2009
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«Os hermafroditas psico-sexuais são igualmente doentes, embora não tão adiantados como os uranistas e as lésbicas. De tempos em tempos igualam-se completamente pelas tendências e pelos desejos.» Após ter feito a «resenha de anatomia patológica da pederastia», onde incluiu «o aumento das nádegas», «a deformação infundibuliforme do ânus», «o relaxamento do esfíncter», «a incontinência fecal», «ulcerações profundas e até fístulas anais» e «doenças venéreas», Egas Moniz dirige a sua atenção para as lésbicas, para ver «se estas invertidas apresentam sinais dos seus hábitos homossexuais». Da prática repetida do «safismo», isto é, da «masturbação bucal com sucção dos clítoris», resulta «a deformação vulvar» caracterizada pelo «alongamento do clítoris, pelo aspecto rugoso e pela flacidez do prepúcio que, em parte, aparece destacado da glande», a qual, «parcialmente descoberta, é volumosa e turgescente». Além deste alongamento do clítoris, «a prática repetida da masturbação sáfica» pode desencadear «mordeduras do clítoris» e o uso da boca provoca «a inflamação aguda ou crónica da abóbada palatina, amígdalas e da úvula, o mau cheiro da bôca, a dor de língua, a palidez dos lábios e da face, o emmagrecimento geral e as perturbações nutritivas». Esta busca frenética de sinais físicos e corporais que denunciem as práticas homossexuais constitui efectivamente a medicalização do preconceito e da discriminação sexuais: o "olhar clínico" (Michel Foucault) é colocado ao serviço do heterosexismo, de modo a exercer o seu poder disciplinar. O tratamento aconselhado das "inversões sexuais" mais não é do que uma espécie de "punição", a medicalização da punição. Adams, Wright & Lohr (1996) realizaram um estudo com dois grupos de participantes: homens homofóbicos (35) e homens não-homofóbicos (29), avaliados e classificados previamente pelo Index of Homophobia (Hudson & Ricketts, 1980). Depois os participantes foram expostos a estímulos eróticos sexualmente explícitos: videotapes de cenas homossexuais, heterossexuais e lésbicas, e a excitação sexual peniana foi monitorizada. Os dois grupos de homens reagiam com aumento da excitação sexual peniana aos filmes heterossexuais e lésbicos. Apenas o grupo homofóbico reagiu eroticamente aos filmes homossexuais. Estes resultados sugerem que a homofobia está associada à excitação homossexual. Isto significa que os homens homofóbicos são provavelmente "homossexuais dissimulados" ou em processo de negação da sua própria homossexualidade, o que pode explicar a sua agressividade dirigida mais contra os homens gay do que contra as lésbicas, até porque os homens toleram a homossexualidade feminina e se excitam com ela, como mostram os filmes pornográficos. Como seria de esperar, Egas Moniz era mais homofóbico do que lesbofóbico. Usou os termos "tribades" ou “sáficas” para designar as mulheres homossexuais, cujos traços descritos acentuam as suas características masculinas: «As tribades têm propensões para os jogos e divertimentos dos rapazes, estimam vestir-se com fatos de homem, desprezam os brinquedos usuais das meninas, tais como bonecas, etc.». Estas propensões comportamentais manifestam-se muito cedo, logo na infância, e, na idade adulta, estas lésbicas adquirem "hábitos masculinos", atingindo o "estado de viraginidade" (concentração máxima de traços masculinos): "Fumam", evidenciam "vocações para os trabalhos masculinos", sentem "repugnância pelos trabalhos de costura", e anseiam por "uma troca de órgãos sexuais": «A tribade passa uma vida íntima de torturas por não ter nascido homem: ela e o uranista completar-se-iam operando uma troca de órgãos sexuais. Dentro de uma forma feminina existe uma alma de homem. Sente-se vigorosa para a luta. Atraem-na mais as sciências do que as artes: estima mais o seu cavalo e a espingarda, com que se entrega aos mais violentos géneros de sport, do que o piano e a máquina de costura. E querendo encontrar dentro do seu sexo paradigmas para imitar, ou admira as másculas mulheres da história ou as que, na sua época, se salientaram pela inteligência ou actividade». Tal como já tinha feito com os homens homossexuais, reduzidos ao tipo "efeminado", Egas Moniz descreve de modo redutor apenas um tipo de lésbica, a "butch", com inclinações "transexuais", embora pareça ter consciência da diferenciação interna existente. Este reducionismo revela-se estigmatizante e, o que é mais grave, facilita a estigmatização sexual dos indivíduos homossexuais. Segundo Egas Moniz, o uso do clítoris nas práticas sáficas torna-o mais longo ("alonga"), o que possibilita a prática "sáfica" de fricção dos clítoris (ou, como se diz hoje, "bate pratos"). A lésbica tende a ser reduzida, sobretudo aquela que é casada com um homem, a "mulier lambens", que sente prazer desempenhando um destes papéis sexuais: "si ipsa lambit genitalia alterius", "lambere genitalia propria", ou felação mútua e simultânea. Egas Moniz via, portanto, a lésbica que suga o clítoris alheio como "activa" e a que o dá para ser sugado ou "mordido" pela outra como "passiva", e com razão, porque, no caso dos uranistas, o que suga é geralmente "passivo": «Na verdade, se há casos, como um citado por Moll, em que uma tribade X só sente prazer si ipsa lambit genitalia alterius, na maior parte dos casos as tribades também se sentem excitadas quando fazem lambere genitalia própria, dando-se por vezes à prática mútua e simultânea.» Aliás, Egas Moniz refere o caso de duas tribades em que uma delas curiosamente «gostava de representar o papel passivo de mulher», embora tivesse «mais tendências masculinas do que a que desempenhava o papel de activo». Egas Moniz apercebe-se da diferenciação interna das lésbicas em dois grupos, em função dos papéis sexuais preferidos: as que apresentam tendências masculinas, as lésbicas de tipo butch, tendem a preferir desempenhar o papel activo, enquanto as “mais femininas” do tipo femme são geralmente mais passivas. A tematização desta diferença ter-lhe-ia possibilitado compreender melhor as associações que procurou estabelecer entre o safismo e a duração das "junções sexuais sáficas", o ciúme, a separação, o "sadismo" (butch), o "masochismo" (femme), a pedofilia e a "prostituição sáfica".Na exposição de Egas Moniz, transparece um conceito implícito que podemos explicitar: a "prática repetida de cunnilingus" ocorre entre casais heterossexuais e homossexuais: «Entre as tribades há algumas casadas, como aliás sucede, embora mais raramente, entre os uranistas. Algumas dessas são hermafroditas psíquicas, outras são lésbicas que apenas consideram o casamento como uma necessidade social, nunca a manifestação duma necessidade genésica. Para a tribade o casamento é uma verdadeira operação comercial e uma comodidade para a melhor consecução dos seus fins. A mulher depois de casada pode passear mais, ter mais extensas relações e, em suma, livrar-se das críticas dos soalheiros femininos». Para estas tribades, «quer sejam hermafroditas psíquicas, quer absolutamente homossexuais, a cópula não basta para a satisfação das suas necessidades genésicas. É devido a isso que essas mulheres pedem aos homens a que se juntam a prática do cunnilingus». Para alcançar o prazer pleno, a mulher deseja que o marido lhe faça cunnilingus. Ora, como já vimos, esta prática sexual "alonga" o clítoris e, portanto, masculiniza a sexualidade e o prazer femininos. Curiosamente, Egas Moniz diz que as lésbicas têm "repugnância pela maternidade". (Hoje sabemos que isso só é verdade em relação mais às lésbicas do tipo butch do que do tipo femme). Esta hipótese de que uma prática sexual produza como efeito a diminuição do impulso maternal pode ser testada empiricamente. Portugal e a Europa "queixam-se" da baixa natalidade, explicando-a muitas vezes por razões económicas (desemprego, salários baixos) ou pela entrada das mulheres no mercado de trabalho. Porém, como suspeitava implicitamente Egas Moniz, uma mera prática sexual também pode estar na origem do fenómeno. J Francisco Saraiva de Sousa


«Os hermafroditas psico-sexuais são igualmente doentes, embora não tão adiantados como os uranistas e as lésbicas. De tempos em tempos igualam-se completamente pelas tendências e pelos desejos.» Após ter feito a «resenha de anatomia patológica da pederastia», onde incluiu «o aumento das nádegas», «a deformação infundibuliforme do ânus», «o relaxamento do esfíncter», «a incontinência fecal», «ulcerações profundas e até fístulas anais» e «doenças venéreas», Egas Moniz dirige a sua atenção para as lésbicas, para ver «se estas invertidas apresentam sinais dos seus hábitos homossexuais». Da prática repetida do «safismo», isto é, da «masturbação bucal com sucção dos clítoris», resulta «a deformação vulvar» caracterizada pelo «alongamento do clítoris, pelo aspecto rugoso e pela flacidez do prepúcio que, em parte, aparece destacado da glande», a qual, «parcialmente descoberta, é volumosa e turgescente». Além deste alongamento do clítoris, «a prática repetida da masturbação sáfica» pode desencadear «mordeduras do clítoris» e o uso da boca provoca «a inflamação aguda ou crónica da abóbada palatina, amígdalas e da úvula, o mau cheiro da bôca, a dor de língua, a palidez dos lábios e da face, o emmagrecimento geral e as perturbações nutritivas». Esta busca frenética de sinais físicos e corporais que denunciem as práticas homossexuais constitui efectivamente a medicalização do preconceito e da discriminação sexuais: o "olhar clínico" (Michel Foucault) é colocado ao serviço do heterosexismo, de modo a exercer o seu poder disciplinar. O tratamento aconselhado das "inversões sexuais" mais não é do que uma espécie de "punição", a medicalização da punição. Adams, Wright & Lohr (1996) realizaram um estudo com dois grupos de participantes: homens homofóbicos (35) e homens não-homofóbicos (29), avaliados e classificados previamente pelo Index of Homophobia (Hudson & Ricketts, 1980). Depois os participantes foram expostos a estímulos eróticos sexualmente explícitos: videotapes de cenas homossexuais, heterossexuais e lésbicas, e a excitação sexual peniana foi monitorizada. Os dois grupos de homens reagiam com aumento da excitação sexual peniana aos filmes heterossexuais e lésbicos. Apenas o grupo homofóbico reagiu eroticamente aos filmes homossexuais. Estes resultados sugerem que a homofobia está associada à excitação homossexual. Isto significa que os homens homofóbicos são provavelmente "homossexuais dissimulados" ou em processo de negação da sua própria homossexualidade, o que pode explicar a sua agressividade dirigida mais contra os homens gay do que contra as lésbicas, até porque os homens toleram a homossexualidade feminina e se excitam com ela, como mostram os filmes pornográficos. Como seria de esperar, Egas Moniz era mais homofóbico do que lesbofóbico. Usou os termos "tribades" ou “sáficas” para designar as mulheres homossexuais, cujos traços descritos acentuam as suas características masculinas: «As tribades têm propensões para os jogos e divertimentos dos rapazes, estimam vestir-se com fatos de homem, desprezam os brinquedos usuais das meninas, tais como bonecas, etc.». Estas propensões comportamentais manifestam-se muito cedo, logo na infância, e, na idade adulta, estas lésbicas adquirem "hábitos masculinos", atingindo o "estado de viraginidade" (concentração máxima de traços masculinos): "Fumam", evidenciam "vocações para os trabalhos masculinos", sentem "repugnância pelos trabalhos de costura", e anseiam por "uma troca de órgãos sexuais": «A tribade passa uma vida íntima de torturas por não ter nascido homem: ela e o uranista completar-se-iam operando uma troca de órgãos sexuais. Dentro de uma forma feminina existe uma alma de homem. Sente-se vigorosa para a luta. Atraem-na mais as sciências do que as artes: estima mais o seu cavalo e a espingarda, com que se entrega aos mais violentos géneros de sport, do que o piano e a máquina de costura. E querendo encontrar dentro do seu sexo paradigmas para imitar, ou admira as másculas mulheres da história ou as que, na sua época, se salientaram pela inteligência ou actividade». Tal como já tinha feito com os homens homossexuais, reduzidos ao tipo "efeminado", Egas Moniz descreve de modo redutor apenas um tipo de lésbica, a "butch", com inclinações "transexuais", embora pareça ter consciência da diferenciação interna existente. Este reducionismo revela-se estigmatizante e, o que é mais grave, facilita a estigmatização sexual dos indivíduos homossexuais. Segundo Egas Moniz, o uso do clítoris nas práticas sáficas torna-o mais longo ("alonga"), o que possibilita a prática "sáfica" de fricção dos clítoris (ou, como se diz hoje, "bate pratos"). A lésbica tende a ser reduzida, sobretudo aquela que é casada com um homem, a "mulier lambens", que sente prazer desempenhando um destes papéis sexuais: "si ipsa lambit genitalia alterius", "lambere genitalia propria", ou felação mútua e simultânea. Egas Moniz via, portanto, a lésbica que suga o clítoris alheio como "activa" e a que o dá para ser sugado ou "mordido" pela outra como "passiva", e com razão, porque, no caso dos uranistas, o que suga é geralmente "passivo": «Na verdade, se há casos, como um citado por Moll, em que uma tribade X só sente prazer si ipsa lambit genitalia alterius, na maior parte dos casos as tribades também se sentem excitadas quando fazem lambere genitalia própria, dando-se por vezes à prática mútua e simultânea.» Aliás, Egas Moniz refere o caso de duas tribades em que uma delas curiosamente «gostava de representar o papel passivo de mulher», embora tivesse «mais tendências masculinas do que a que desempenhava o papel de activo». Egas Moniz apercebe-se da diferenciação interna das lésbicas em dois grupos, em função dos papéis sexuais preferidos: as que apresentam tendências masculinas, as lésbicas de tipo butch, tendem a preferir desempenhar o papel activo, enquanto as “mais femininas” do tipo femme são geralmente mais passivas. A tematização desta diferença ter-lhe-ia possibilitado compreender melhor as associações que procurou estabelecer entre o safismo e a duração das "junções sexuais sáficas", o ciúme, a separação, o "sadismo" (butch), o "masochismo" (femme), a pedofilia e a "prostituição sáfica".Na exposição de Egas Moniz, transparece um conceito implícito que podemos explicitar: a "prática repetida de cunnilingus" ocorre entre casais heterossexuais e homossexuais: «Entre as tribades há algumas casadas, como aliás sucede, embora mais raramente, entre os uranistas. Algumas dessas são hermafroditas psíquicas, outras são lésbicas que apenas consideram o casamento como uma necessidade social, nunca a manifestação duma necessidade genésica. Para a tribade o casamento é uma verdadeira operação comercial e uma comodidade para a melhor consecução dos seus fins. A mulher depois de casada pode passear mais, ter mais extensas relações e, em suma, livrar-se das críticas dos soalheiros femininos». Para estas tribades, «quer sejam hermafroditas psíquicas, quer absolutamente homossexuais, a cópula não basta para a satisfação das suas necessidades genésicas. É devido a isso que essas mulheres pedem aos homens a que se juntam a prática do cunnilingus». Para alcançar o prazer pleno, a mulher deseja que o marido lhe faça cunnilingus. Ora, como já vimos, esta prática sexual "alonga" o clítoris e, portanto, masculiniza a sexualidade e o prazer femininos. Curiosamente, Egas Moniz diz que as lésbicas têm "repugnância pela maternidade". (Hoje sabemos que isso só é verdade em relação mais às lésbicas do tipo butch do que do tipo femme). Esta hipótese de que uma prática sexual produza como efeito a diminuição do impulso maternal pode ser testada empiricamente. Portugal e a Europa "queixam-se" da baixa natalidade, explicando-a muitas vezes por razões económicas (desemprego, salários baixos) ou pela entrada das mulheres no mercado de trabalho. Porém, como suspeitava implicitamente Egas Moniz, uma mera prática sexual também pode estar na origem do fenómeno. J Francisco Saraiva de Sousa

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