o tempo das cerejas*: Debate Sócrates-Louçã

29-09-2009
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A falta de razão ea necessidade de uma explicaçãoLogo no ínicio do seu frente-a-frente com Francisco Louçã, José Sócrates confrontou o dirigente do BE com esta passagem do Programa do Bloco: «(...)• Devem ser eliminados integralmente todos os incentivos fiscais aos produtos privados de poupança para a reforma ou às despesas em educação ou de saúde, nas áreas em que haja oferta pública;(...).(pág.53)Quanto aos benefícios fiscais aos PPR, Sócrates não tem um centímetro de razão e, em tempos idos, eu próprio, em artigo no Público, salientei a esse respeito aqui :«Sinceramente, nada tenho contra as sete ou oito dezenas de milhar de portugueses que, com maior ou menor esforço, subscrevem estes Planos, embora seja sabido que uma parte deles o faz não tanto a pensar no futuro complemento de reforma mas antes como uma aplicação financeira mais apetecível e rendosa, exactamente por via dos benefícios fiscais em IRS que lhe são concedidos e que a publicidade de bancos e seguradoras diariamente cuida de nos lembrar.E a pergunta que se tem de fazer é onde está a “justiça social”, a “equidade” e a “igualdade”, quando o Estado “oferece” ou não cobra 20 milhões de contos a um conjunto limitado de portugueses, sabendo-se que a imensa maioria dos trabalhadores não tem qualquer folga financeira para aceder aos PPR e, muitas vezes, já lhe custa descontar mensalmente para a segurança social os 11 por cento, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, e os 25,4 por cento, no caso dos trabalhadores independentes.» Já quanto «às despesas em educação ou de saúde, nas áreas em que haja oferta pública» creio ser indispensável que o Bloco de Esquerda esclareça melhor o que pretende (e como se faz) porque, à primeira vista, parece que se trata da mesma ideia em tempos defendida por Vital Moreira e que contestei vivamente aqui nos seguintes termos:«(...) A proposta, claramente injusta e descabida, a que nos referimos é no sentido de “eliminar, ou reduzir drasticamente, as deduções fiscais para despesas de educação e saúde, salvo nos casos em que os correspondentes sistemas públicos não proporcionem os respectivos serviços em condições aceitáveis”, sendo que o autor não explica como se faria a destrinça e o apuramento de tais situações.Acrescenta o proponente que “não faz sentido que, havendo serviços públicos de educação e saúde gratuitos, pagos pelo orçamento do Estado, aqueles que preferem serviços privados sejam beneficiados com o desconto dessas despesas para efeito de dedução fiscal”. E este apoiante do Governo, alinhando-se pelo truque que está a dar e que consiste em falar contra os privilégios dos ricos para na verdade atingir todos os cidadãos, termina dizendo que “trata-se em geral de titulares de rendimentos acima da média, não poucas vezes caracterizados por uma elevada evasão fiscal (…). Duplo privilégio, portanto”. Mas se esta fosse a genuína preocupação do proponente, então esse “privilégio” dos ricos era mais facilmente corrigível aumentando em meio ponto as taxas dos escalões superiores do IRS, coisa de que evidentemente não fala.Em boa verdade, há muito tempo que não lia um texto tão precipitado e tão revelador de uma chocante distância da realidade.Na verdade, não sei como é que alguém, em Abril de 2006, consegue falar, a respeito de Portugal, de “serviços públicos de educação e saúde gratuitos” ignorando as despesas com livros em todos os graus do ensino e as propinas no ensino superior público; as múltiplas taxas moderadoras na saúde (por consulta, por análises -uma taxa para cada uma e, às vezes, os médicos mandam-nos fazer 10, 20 ou mais - e outros exames complementares de diagnóstico); a muito pesada e agravada comparticipação dos cidadãos nas despesas com medicamentos; as despesas com medicina dentária ou compras de óculos que são coisas que o sistema público não abrange nem assegura, e tudo isto para já não falar das múltiplas situações em que, por razões de urgência, aflição ou listas de espera, até muitos cidadãos de baixos ou médios rendimentos, se vêem obrigados a recorrer ao serviços privados de medicina.»E mais tarde voltei à carga afirmando aqui: «(...)Subitamente animado pelas conclusões de uma comissão de especialistas que, segundo consta, propõe que “se acabe com as deduções fiscais de que beneficiam as despesas de educação (entre outras)”, Vital Moreira, que já tinha anteriormente defendido este ponto de vista, alargando-o até às despesas com a saúde, com argumentos que procurei contestar no meu texto intitulado “Chá de tília” (de 28/4), voltou a bater na mesma tecla na passada terça-feira.E como teimosia com teimosia se deve pagar, não tenho outra alternativa se não insistir em alguns pontos fundamentais a que Vital Moreira não liga ou de que se faz esquecido. Desde logo, é estranhíssimo que quem se afirma tão empenhado em reduzir a chamada “despesa fiscal”, volte a não dizer uma palavra quer sobre a baixíssima taxa de IRC que os bancos pagam (cerca de metade da taxa que eu vou pagar este ano de IRS) quer sobre os benefícios fiscais (não confundir com deduções à colecta) concedidos à banca e operações financeiras e que, em 2003 (para todos os dados é o ano sobre que tenho elementos disponíveis), se cifraram em 2,4 milhões euros (480 milhões de contos), metade dos quais atinentes ao off-shore da Madeira.Apesar da crueza e magnitude destes valores, parece que a grande preocupação do reputado constitucionalista de Coimbra são as deduções à colecta com as despesas de educação (em especial se forem feitas no sistema privado) que, em 2003, representaram 215 milhões de euros (43 milhões de contos), ou seja menos do que os 300 milhões de euros (60 milhões de contos) de benefícios fiscais aos PPR e CPH que o Governo de José Sócrates injustificadamente restabeleceu.Acresce que é o próprio Vital Moreira que vem esclarecer que “no caso da educação, só 30% das despesas podem ser deduzidas, com um limite máximo de 160% do salário mínimo” (ou seja, 617 euros ou 123 contos). A isto, que se podia qualificar de tanto barulho por quase nada, junta-se ainda o facto de que há propinas no ensino superior público que já atingem essa verba, que há a compra de livros e outro material escolar e que, ao contrário do que dizem aqueles que só vêem ricos e privilegiados nos que recorrem a serviços privados, não faltam famílias de rendimentos médios que fazem sacrifícios enormes para inscreverem e manterem os filhos em universidades privadas, em virtude de as suas notas não lhes terem permitido ingressar em certos ramos do ensino superior público. »Não, este «post» não consiste numa posição propositadamente salomónica. Significa apenas que não vejo nenhuma razão para calar o que já antes defendi e escrevi e continuo a pensar.Adenda às 12 hs. de 9/9: Espantoso ! Já depois deste «post», vem Daniel Oliveira, esgrimindo contra Sócrates, confirmar indirectamente que a proposta do Bloco é semelhante à defendida por Vital Moreira. Mas, se assim é, quem se sai mal é o BE porque a proposta de Vital Moreira é má e errada e, no tempo em que foi formulada, fazia inteiramente parte do seu papel de «pisteiro» e aguilhão da política de direita.


A falta de razão ea necessidade de uma explicaçãoLogo no ínicio do seu frente-a-frente com Francisco Louçã, José Sócrates confrontou o dirigente do BE com esta passagem do Programa do Bloco: «(...)• Devem ser eliminados integralmente todos os incentivos fiscais aos produtos privados de poupança para a reforma ou às despesas em educação ou de saúde, nas áreas em que haja oferta pública;(...).(pág.53)Quanto aos benefícios fiscais aos PPR, Sócrates não tem um centímetro de razão e, em tempos idos, eu próprio, em artigo no Público, salientei a esse respeito aqui :«Sinceramente, nada tenho contra as sete ou oito dezenas de milhar de portugueses que, com maior ou menor esforço, subscrevem estes Planos, embora seja sabido que uma parte deles o faz não tanto a pensar no futuro complemento de reforma mas antes como uma aplicação financeira mais apetecível e rendosa, exactamente por via dos benefícios fiscais em IRS que lhe são concedidos e que a publicidade de bancos e seguradoras diariamente cuida de nos lembrar.E a pergunta que se tem de fazer é onde está a “justiça social”, a “equidade” e a “igualdade”, quando o Estado “oferece” ou não cobra 20 milhões de contos a um conjunto limitado de portugueses, sabendo-se que a imensa maioria dos trabalhadores não tem qualquer folga financeira para aceder aos PPR e, muitas vezes, já lhe custa descontar mensalmente para a segurança social os 11 por cento, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, e os 25,4 por cento, no caso dos trabalhadores independentes.» Já quanto «às despesas em educação ou de saúde, nas áreas em que haja oferta pública» creio ser indispensável que o Bloco de Esquerda esclareça melhor o que pretende (e como se faz) porque, à primeira vista, parece que se trata da mesma ideia em tempos defendida por Vital Moreira e que contestei vivamente aqui nos seguintes termos:«(...) A proposta, claramente injusta e descabida, a que nos referimos é no sentido de “eliminar, ou reduzir drasticamente, as deduções fiscais para despesas de educação e saúde, salvo nos casos em que os correspondentes sistemas públicos não proporcionem os respectivos serviços em condições aceitáveis”, sendo que o autor não explica como se faria a destrinça e o apuramento de tais situações.Acrescenta o proponente que “não faz sentido que, havendo serviços públicos de educação e saúde gratuitos, pagos pelo orçamento do Estado, aqueles que preferem serviços privados sejam beneficiados com o desconto dessas despesas para efeito de dedução fiscal”. E este apoiante do Governo, alinhando-se pelo truque que está a dar e que consiste em falar contra os privilégios dos ricos para na verdade atingir todos os cidadãos, termina dizendo que “trata-se em geral de titulares de rendimentos acima da média, não poucas vezes caracterizados por uma elevada evasão fiscal (…). Duplo privilégio, portanto”. Mas se esta fosse a genuína preocupação do proponente, então esse “privilégio” dos ricos era mais facilmente corrigível aumentando em meio ponto as taxas dos escalões superiores do IRS, coisa de que evidentemente não fala.Em boa verdade, há muito tempo que não lia um texto tão precipitado e tão revelador de uma chocante distância da realidade.Na verdade, não sei como é que alguém, em Abril de 2006, consegue falar, a respeito de Portugal, de “serviços públicos de educação e saúde gratuitos” ignorando as despesas com livros em todos os graus do ensino e as propinas no ensino superior público; as múltiplas taxas moderadoras na saúde (por consulta, por análises -uma taxa para cada uma e, às vezes, os médicos mandam-nos fazer 10, 20 ou mais - e outros exames complementares de diagnóstico); a muito pesada e agravada comparticipação dos cidadãos nas despesas com medicamentos; as despesas com medicina dentária ou compras de óculos que são coisas que o sistema público não abrange nem assegura, e tudo isto para já não falar das múltiplas situações em que, por razões de urgência, aflição ou listas de espera, até muitos cidadãos de baixos ou médios rendimentos, se vêem obrigados a recorrer ao serviços privados de medicina.»E mais tarde voltei à carga afirmando aqui: «(...)Subitamente animado pelas conclusões de uma comissão de especialistas que, segundo consta, propõe que “se acabe com as deduções fiscais de que beneficiam as despesas de educação (entre outras)”, Vital Moreira, que já tinha anteriormente defendido este ponto de vista, alargando-o até às despesas com a saúde, com argumentos que procurei contestar no meu texto intitulado “Chá de tília” (de 28/4), voltou a bater na mesma tecla na passada terça-feira.E como teimosia com teimosia se deve pagar, não tenho outra alternativa se não insistir em alguns pontos fundamentais a que Vital Moreira não liga ou de que se faz esquecido. Desde logo, é estranhíssimo que quem se afirma tão empenhado em reduzir a chamada “despesa fiscal”, volte a não dizer uma palavra quer sobre a baixíssima taxa de IRC que os bancos pagam (cerca de metade da taxa que eu vou pagar este ano de IRS) quer sobre os benefícios fiscais (não confundir com deduções à colecta) concedidos à banca e operações financeiras e que, em 2003 (para todos os dados é o ano sobre que tenho elementos disponíveis), se cifraram em 2,4 milhões euros (480 milhões de contos), metade dos quais atinentes ao off-shore da Madeira.Apesar da crueza e magnitude destes valores, parece que a grande preocupação do reputado constitucionalista de Coimbra são as deduções à colecta com as despesas de educação (em especial se forem feitas no sistema privado) que, em 2003, representaram 215 milhões de euros (43 milhões de contos), ou seja menos do que os 300 milhões de euros (60 milhões de contos) de benefícios fiscais aos PPR e CPH que o Governo de José Sócrates injustificadamente restabeleceu.Acresce que é o próprio Vital Moreira que vem esclarecer que “no caso da educação, só 30% das despesas podem ser deduzidas, com um limite máximo de 160% do salário mínimo” (ou seja, 617 euros ou 123 contos). A isto, que se podia qualificar de tanto barulho por quase nada, junta-se ainda o facto de que há propinas no ensino superior público que já atingem essa verba, que há a compra de livros e outro material escolar e que, ao contrário do que dizem aqueles que só vêem ricos e privilegiados nos que recorrem a serviços privados, não faltam famílias de rendimentos médios que fazem sacrifícios enormes para inscreverem e manterem os filhos em universidades privadas, em virtude de as suas notas não lhes terem permitido ingressar em certos ramos do ensino superior público. »Não, este «post» não consiste numa posição propositadamente salomónica. Significa apenas que não vejo nenhuma razão para calar o que já antes defendi e escrevi e continuo a pensar.Adenda às 12 hs. de 9/9: Espantoso ! Já depois deste «post», vem Daniel Oliveira, esgrimindo contra Sócrates, confirmar indirectamente que a proposta do Bloco é semelhante à defendida por Vital Moreira. Mas, se assim é, quem se sai mal é o BE porque a proposta de Vital Moreira é má e errada e, no tempo em que foi formulada, fazia inteiramente parte do seu papel de «pisteiro» e aguilhão da política de direita.

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