CyberCultura e Democracia Online: A Homofobia Mórbida de Egas Moniz

03-10-2009
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«Nos bailes públicos é que o uranista mais se denuncia. Ama a dança extraordinariamente e, se a ocasião é propícia para o disfarce, como pela época do carnaval, aparece vestido de mulher. Espartilha-se, cria formas provocadoras à custa de balões de borracha, pinta-se e adorna-se com brincos e sapatos decotadíssimos.«Tem requebros de prostituta, denguices de mulher venal, com rodopios de saias e exposição de pernas.«Segreda convites, mostra-se lânguido, submisso, capaz de ter um grande amor. Uns andam mascarados e desejam ir ao engano, como mulheres, por braço de algum ébrio dissoluto. Outros, de cara descoberta, pretendem insinuar-se directamente, na nudez da sua situação deprimente». (Egas Moniz) Egas Moniz (1874-1955) recebeu o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1949, partilhado por Walter Rudolf Hess (1881-1973), por ter desenvolvido a angiografia cerebral e a sua técnica de lobotomia frontal ou de leucotomia pré-frontal como uma terapêutica para determinadas perturbações emocionais. Os mass media e muitos neurocientistas não perdoaram a Egas Moniz o facto de conceber a destruição de uma grande porção do encéfalo como uma forma de tratamento e, por isso, contam que este médico português acabou estranhamente paralisado por um tiro disparado na espinha por um dos seus pacientes lobotomizados. Portanto, foi feita justiça poética contra aquele que, sem suporte teórico substancial, acreditava que podia corrigir o excesso de emoção através deste procedimento cirúrgico. De facto, nesse tempo sombrio, Klüver & Bucy tinham mostrado que lesões no encéfalo podem alterar o comportamento emocional e, na década de 30, John Fulton e Carlyle Jacobsen tinham relatado que lesões do lobo frontal tinham efeitos calmantes em chimpanzés. Confiante no princípio de que, se o sistema límbico controla a emoção, então as pessoas com problemas emocionais podem ser ajudadas, Egas Moniz não se inibiu e desenvolveu o procedimento cirúrgico da psicocirurgia, aplicando-o aos seres humanos. Milhares de cirurgias foram feitas por todo o mundo nos anos 40 e 50, usando diversos procedimentos, embora só Egas Moniz tenha sido e continue a ser acusado pelos franceses que tudo fazem para que lhe seja "retirado" o Prémio Nobel. Porém, a lobotomia frontal tem ensombrado outra obra de Egas Moniz, aquela que nos interessa referir neste post: "A Vida Sexual: Fisiologia e Patologia", da qual tenho um exemplar da 4ª. edição de 1918, cujo Prólogo "confronta" o neurologista português com a psicanálise de Freud. Esta obra é, a diversos títulos, brilhante, erudita e bastante avançada para o seu tempo, pelo menos em relação à mediocridade nacional, porque, na verdade, Egas Moniz tinha lido e assimilado as grandes lições dos sexólogos pioneiros, tais como Krafft-Ebing, Moll e Freud. Não pretendo analisar a teoria da sexualidade de Egas Moniz exposta nesta obra revolucionária, mas chamar a atenção para o facto dele ter introduzido as homossexualidades masculina e feminina na segunda secção dedicada à Patologia da Vida Sexual.A partir de um caso exemplar, A.A., Egas Moniz elabora toda uma teoria da homossexualidade masculina como inversão perversa ("psicopatia sexual"), relatando de modo cruel pormenores comportamentais e anatómicos verdadeiramente surpreendentes. É certo que Egas Moniz vislumbrou a problemática das diferenças sexuais, mas foi excessivamente "redutor" e pouco escrupuloso ao generalizar a partir de casos clínicos. Os seus "uranistas" correspondem ao tipo hiperefeminado de homossexuais masculinos, em particular ao "maricas" ou "agitado" da nossa tipologia das homossexualidades masculinas. A única coisa que o "salva" é o facto de ter reconhecido que «as relações sexuaes uranistas são o mais próximo possível das relações heterossexuais entre pervertidos», porque, entre outros traços partilhados, «os beijos uranistas são por vezes acompanhados, como nos heterossexuais, do contactus linguarum», embora os uranistas façam outras "coisas terríveis", tais como «semen alterius ejaculatum in os proprium devorare» ou, mais raramente, «ejaculavit semen in os alterius, vul ut hic semen devoret», «oscula applicare ad anum alterius», e enfim «alter immitit urinam in os proprium», para não falar da «necrofilia», da prostituição masculina, da pederastia ou dos efeitos anatómicos resultantes da prática do coito anal. Estes "uranistas" examinados por Egas Moniz eram "cidadãos urbanos" de "todas as profissões" (alfaiates, cabeleireiros, floristas, actores, cozinheiros e escritores) e membros "cultos" das "classes elevadas" de Lisboa e de outros "grandes centros", "invertidos e efeminados", "impotentes para as mulheres", "mentirosos e insensatos", com "voz efeminada" e "letra esguia e muito bem cuidada", "ciumentos e insaciáveis", "epilados" e "dissolutos", entre tantas outras "maiores minudências" relatadas com pormenor e abundante recurso ao latim, para não chocar a moral e os bons costumes lisboetas, cujas "misérias do amor" "mórbido uranista" incluíam a «immissio membri in os», «a masturbação mútua, a masturbação anal, o coito anal, inter femora e ainda in axillam». Uma observação pertinente de Egas Moniz leva-me a concluir que alguns dos seus pacientes eram "travestis" ou, como se diz hoje nos "meios homossexualizados", "transexuais" (não operados, talvez lobotomizados), que usavam "vestuários femininos" e traziam «os órgãos genitais ligados ao corpo por um aparelho especial de tal modo, que se lhe não reconheciam à primeira vista»: «O uranista é monoândrico ou poliândrico, exactamente como o homem normal é monógamo ou polígamo. Geralmente tem um escolhido uranista, mas alguns há que chegam a preferir as relações com indivíduos normais que gostam de mulheres. A estes deu Ulrichs a designação de dionistas. Geralmente escolhem indivíduos em que as qualidades viris se salientam». Esta atracção por homens heterossexuais é típica dos travestis ou transexuais que se prostituem nas ruas. Se tivesse sido menos preconceituoso, Egas Moniz teria verificado que existem diferenças internas entre os indivíduos que preferem fazer sexo com pessoas do mesmo sexo, até porque reconhece que «o amor homossexual é inteiramente comparável ao heterossexual»: «Em todos os invertidos sexuais que se juntam em ménage masculino os papéis distribuem-se da mesma forma que no casamento real. Um desempenha o papel obediente e subordinado da mulher, outro dirige, manda e governa com a característica virilidade dum heterossexual». Falta saber se uma tal "homofobia interiorizada" não levou Egas Moniz a fazer uma lobotomia frontal a algum destes "pacientes homossexuais" para o tornar mais calmo, porque os uranistas tendiam, segundo diz, a manifestar um tal "furor uterino" ("neurastenia") que esgotava em poucos dias a energia sexual dos seus "amantes". Adams, Wright & Lohr (1996) mostraram que os homens homofóbicos exibiam um aumento significativo da erecção do pénis quando eram expostos a estímulos eróticos homossexuais masculinos, o que parece sugerir que a homofobia está associada com a excitação homossexual. Uma forma de combater o preconceito sexual é começar a operar uma mudança semântica das palavras usadas para estigmatizar os homens homossexuais e chamar "paneleiros" aos homens homofóbicos.J Francisco Saraiva de Sousa


«Nos bailes públicos é que o uranista mais se denuncia. Ama a dança extraordinariamente e, se a ocasião é propícia para o disfarce, como pela época do carnaval, aparece vestido de mulher. Espartilha-se, cria formas provocadoras à custa de balões de borracha, pinta-se e adorna-se com brincos e sapatos decotadíssimos.«Tem requebros de prostituta, denguices de mulher venal, com rodopios de saias e exposição de pernas.«Segreda convites, mostra-se lânguido, submisso, capaz de ter um grande amor. Uns andam mascarados e desejam ir ao engano, como mulheres, por braço de algum ébrio dissoluto. Outros, de cara descoberta, pretendem insinuar-se directamente, na nudez da sua situação deprimente». (Egas Moniz) Egas Moniz (1874-1955) recebeu o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1949, partilhado por Walter Rudolf Hess (1881-1973), por ter desenvolvido a angiografia cerebral e a sua técnica de lobotomia frontal ou de leucotomia pré-frontal como uma terapêutica para determinadas perturbações emocionais. Os mass media e muitos neurocientistas não perdoaram a Egas Moniz o facto de conceber a destruição de uma grande porção do encéfalo como uma forma de tratamento e, por isso, contam que este médico português acabou estranhamente paralisado por um tiro disparado na espinha por um dos seus pacientes lobotomizados. Portanto, foi feita justiça poética contra aquele que, sem suporte teórico substancial, acreditava que podia corrigir o excesso de emoção através deste procedimento cirúrgico. De facto, nesse tempo sombrio, Klüver & Bucy tinham mostrado que lesões no encéfalo podem alterar o comportamento emocional e, na década de 30, John Fulton e Carlyle Jacobsen tinham relatado que lesões do lobo frontal tinham efeitos calmantes em chimpanzés. Confiante no princípio de que, se o sistema límbico controla a emoção, então as pessoas com problemas emocionais podem ser ajudadas, Egas Moniz não se inibiu e desenvolveu o procedimento cirúrgico da psicocirurgia, aplicando-o aos seres humanos. Milhares de cirurgias foram feitas por todo o mundo nos anos 40 e 50, usando diversos procedimentos, embora só Egas Moniz tenha sido e continue a ser acusado pelos franceses que tudo fazem para que lhe seja "retirado" o Prémio Nobel. Porém, a lobotomia frontal tem ensombrado outra obra de Egas Moniz, aquela que nos interessa referir neste post: "A Vida Sexual: Fisiologia e Patologia", da qual tenho um exemplar da 4ª. edição de 1918, cujo Prólogo "confronta" o neurologista português com a psicanálise de Freud. Esta obra é, a diversos títulos, brilhante, erudita e bastante avançada para o seu tempo, pelo menos em relação à mediocridade nacional, porque, na verdade, Egas Moniz tinha lido e assimilado as grandes lições dos sexólogos pioneiros, tais como Krafft-Ebing, Moll e Freud. Não pretendo analisar a teoria da sexualidade de Egas Moniz exposta nesta obra revolucionária, mas chamar a atenção para o facto dele ter introduzido as homossexualidades masculina e feminina na segunda secção dedicada à Patologia da Vida Sexual.A partir de um caso exemplar, A.A., Egas Moniz elabora toda uma teoria da homossexualidade masculina como inversão perversa ("psicopatia sexual"), relatando de modo cruel pormenores comportamentais e anatómicos verdadeiramente surpreendentes. É certo que Egas Moniz vislumbrou a problemática das diferenças sexuais, mas foi excessivamente "redutor" e pouco escrupuloso ao generalizar a partir de casos clínicos. Os seus "uranistas" correspondem ao tipo hiperefeminado de homossexuais masculinos, em particular ao "maricas" ou "agitado" da nossa tipologia das homossexualidades masculinas. A única coisa que o "salva" é o facto de ter reconhecido que «as relações sexuaes uranistas são o mais próximo possível das relações heterossexuais entre pervertidos», porque, entre outros traços partilhados, «os beijos uranistas são por vezes acompanhados, como nos heterossexuais, do contactus linguarum», embora os uranistas façam outras "coisas terríveis", tais como «semen alterius ejaculatum in os proprium devorare» ou, mais raramente, «ejaculavit semen in os alterius, vul ut hic semen devoret», «oscula applicare ad anum alterius», e enfim «alter immitit urinam in os proprium», para não falar da «necrofilia», da prostituição masculina, da pederastia ou dos efeitos anatómicos resultantes da prática do coito anal. Estes "uranistas" examinados por Egas Moniz eram "cidadãos urbanos" de "todas as profissões" (alfaiates, cabeleireiros, floristas, actores, cozinheiros e escritores) e membros "cultos" das "classes elevadas" de Lisboa e de outros "grandes centros", "invertidos e efeminados", "impotentes para as mulheres", "mentirosos e insensatos", com "voz efeminada" e "letra esguia e muito bem cuidada", "ciumentos e insaciáveis", "epilados" e "dissolutos", entre tantas outras "maiores minudências" relatadas com pormenor e abundante recurso ao latim, para não chocar a moral e os bons costumes lisboetas, cujas "misérias do amor" "mórbido uranista" incluíam a «immissio membri in os», «a masturbação mútua, a masturbação anal, o coito anal, inter femora e ainda in axillam». Uma observação pertinente de Egas Moniz leva-me a concluir que alguns dos seus pacientes eram "travestis" ou, como se diz hoje nos "meios homossexualizados", "transexuais" (não operados, talvez lobotomizados), que usavam "vestuários femininos" e traziam «os órgãos genitais ligados ao corpo por um aparelho especial de tal modo, que se lhe não reconheciam à primeira vista»: «O uranista é monoândrico ou poliândrico, exactamente como o homem normal é monógamo ou polígamo. Geralmente tem um escolhido uranista, mas alguns há que chegam a preferir as relações com indivíduos normais que gostam de mulheres. A estes deu Ulrichs a designação de dionistas. Geralmente escolhem indivíduos em que as qualidades viris se salientam». Esta atracção por homens heterossexuais é típica dos travestis ou transexuais que se prostituem nas ruas. Se tivesse sido menos preconceituoso, Egas Moniz teria verificado que existem diferenças internas entre os indivíduos que preferem fazer sexo com pessoas do mesmo sexo, até porque reconhece que «o amor homossexual é inteiramente comparável ao heterossexual»: «Em todos os invertidos sexuais que se juntam em ménage masculino os papéis distribuem-se da mesma forma que no casamento real. Um desempenha o papel obediente e subordinado da mulher, outro dirige, manda e governa com a característica virilidade dum heterossexual». Falta saber se uma tal "homofobia interiorizada" não levou Egas Moniz a fazer uma lobotomia frontal a algum destes "pacientes homossexuais" para o tornar mais calmo, porque os uranistas tendiam, segundo diz, a manifestar um tal "furor uterino" ("neurastenia") que esgotava em poucos dias a energia sexual dos seus "amantes". Adams, Wright & Lohr (1996) mostraram que os homens homofóbicos exibiam um aumento significativo da erecção do pénis quando eram expostos a estímulos eróticos homossexuais masculinos, o que parece sugerir que a homofobia está associada com a excitação homossexual. Uma forma de combater o preconceito sexual é começar a operar uma mudança semântica das palavras usadas para estigmatizar os homens homossexuais e chamar "paneleiros" aos homens homofóbicos.J Francisco Saraiva de Sousa

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