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25-02-2008
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A insegura plataforma da República Portuguesa

Não se trata apenas de uma crise de identidade, de uma birra emocional, de uma afirmação adolescente. Não. A República Portuguesa está assente numa insegura plataforma. Um voto de pesar pelo regicídio ocorrido há 100 anos e desmoronava-se nesse mar hostil. Deixar que a banda das Forças Armadas tocasse na homenagem ao rei D. Carlos e mergulhava de vez.

Frágeis fundações, inseguros pilares, de uma República que assume as suas origens na violência e na intolerância. Não bastava ao rei o exílio, tinha de ser assassinado? Não reconhecer isto, não pacificar as suas origens e virar a página, é permanecer com essa marca registada: violência e intolerância.

Não fosse o insólito da História, que estes novos protagonistas políticos estão a escrever agora, e que gerações futuras irão ler num manual ou num site da internet, ou ver em documentário, e não me tinha de novo entusiasmado e voltado a este cantinho.

E que História estão as actuais elites políticas a escrever?

Como é possível chumbar um voto de pesar? E já agora, como é possível abster-se?

E os argumentos, de uma imaturidade surpreendente, sobretudo para um Historiador, Fernando Rosas. “… não é próprio das democracias que os órgãos do Estado tenham uma visão oficial da História”. O que é que isto quer dizer? Um voto de pesar por um acto bárbaro, o assassinato do rei e do seu primogénito, é uma visão oficial da História ou é o que, de facto, aconteceu? Referir que foi “um dos dias mais trágicos da História” é reescrever a História? Posicionarem-se assim, acima de votos de pesar e de oito séculos da nossa História é que é “tentar reescrevê-la”.

Outro triste argumento: “Objectivamente, seria um voto contra a República” (líder parlamentar da bancada do PS.) Sem comentários.

E outro, da bancada do PCP: “… não faz sentido julgar o regicídio de 1908 isolando-o do clima de revolta popular que se vivia”. E não bastava o povo manifestar-se? O rei exilar-se? A questão aqui é a do regicídio.

Sancionou-se assim, por esta Republica, um acto violento e bárbaro. É assumido, portanto, como um dos pilares desta República. A sua imagem de marca, a sua marca registada: violência e intolerância. Ao ponto de não conseguir sequer fazer a pacificação com as suas origens, reabilitar-se, passar à frente. Ficou, assim, colada a esse estigma.

Aqui o PSD e o CDS/PP a mostrar à ala à esquerda do Parlamento que a História é só uma, de oito séculos de monarquia e 98 anos de República, o povo é só um, o país é só um. E que o regicídio tem de ser assumido, de facto, como um acto bárbaro e violento. Que era altura de reabilitar essa página trágica da nossa História e, dessa forma, reabilitar as origens da República, passar à página seguinte. Magnífica oportunidade perdida.

O próprio D. Duarte pacificou-se com a História, de forma digna, sóbria, humana. Ao ponto de referir: “Se o conhecessem, não o teriam morto.” Isso seria assim se a questão se colocasse a um nível humano, mas a determinação de matar aqui já se coloca ao nível de uma ideia, de uma causa. Com todo esse peso da conspiração, de sociedades secretas. Da violência e da intolerância. Que marcará a maior parte da sua História enquanto regime. E que, pelos vistos, ainda permanece numa parte das actuais elites políticas.

sinto-me: perplexa

música: Panis Angelicus - Luciano Pavarotti

O paternalismo do centrão

Vejam só onde já vai a qualidade da nossa democracia quando os votos nos partidos do centrão valem mais do que os votos noutros partidos. É aqui que os cidadãos se deviam unir para manifestar a sua total discordância com este panorama em que somos quase condenados a tê-los como únicos partidos na alternância do poder.

Isto é um autêntico assalto à própria noção de democracia representativa! Até porque já vimos como ambos estes dois partidos se foram descaracterizando ao longo dos anos. Nem sei como mantêm a designação de “socialista” e de “social-democrata”.

Os cidadãos têm direito a escolher um partido que verdadeiramente os represente, de forma ponderada, séria, sóbria. Que saiba construir com o eleitor uma relação de confiança. Que saiba informar o cidadão, que o respeite, que procure esclarecer as suas medidas, que esteja receptivo a trocar ideias.

Não um partido que se serve do eleitor, como um cheque em branco, que rasga todos os compromissos com os quais foi eleito e que muda as regras do jogo, mente, faz batota. Estes comportamentos não são próprios de uma democracia com qualidade, estão absolutamente desactualizados.

O panorama político, o espaço político, a própria definição de territórios políticos, vai mudar. Queiram ou não queiram. Haverá muitas pessoas a votar noutros partidos, mesmo que esses votos venham a perder parte do seu peso eleitoral.

sinto-me: escandalizada

música: All Things Must Pass-George Harrison-All Things... (1970)

Governo censurado

Do que vi e ouvi esta semana, fica-me a esperança de ainda existirem pessoas neste país que defendem valores e princípios, mantêm autonomia face ao poder estabelecido, assumem compromissos, valorizam a integridade, a “honra”, como diz Bagão Félix. Integridade e credibilidade que serão cada vez mais valorizadas pelos cidadãos que querem ser informados e respeitados.

O BE, enfrentando a hostilidade paternalista do PS, mostrou que em democracia vale a pena defender valores e princípios. O maior valor, a meu ver, o do compromisso, o contrato estabelecido com os eleitores. O valor que confere credibilidade, no fundo. Fora isso, fica o vazio político. Aquele vazio que vemos agora no governo e na sua claque mimética.

Em relação à decisão de não referendar o Tratado de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa também já o tinha lembrado nas “Escolhas de Marcelo” na RTP 1, dia 13: O Parlamento não tem mandato popular para ratificar por via parlamentar. O mandato que tem é para referendar. E prevê um preço elevado a pagar por esta opção. “A curto-prazo é mais fácil, mas vai pagar-se um preço elevado.”

Mas voltemos ao Parlamento e à apresentação da Moção de Censura ao governo pelo BE:

Nova gafe no protocolo parlamentar (e sintomática da falta de respeito do PS pelos partidos da oposição): o Presidente da Assembleia da República permitiu que o primeiro-ministro delegasse o encerramento da discussão da Moção de Censura no ministro dos Assuntos Parlamentares. Numa tentativa de retirar importância ou dignidade à iniciativa do BE. Louçã bem ergueu o livro do Regulamento mas nada a fazer. Com argumentos frágeis e esfarrapados lá deram mais um pontapé no protocolo, mas quem é o BE afinal?

Como disse Louçã, “o debate foi esclarecedor em relação à qualidade da democracia do país.” E gostei da frase: “é a razão da vossa força contra a força da nossa razão”. Tem toda a razão. Senão vejamos:

Magníficos momentos de verdades inconvenientes sobre um Tratado, sobretudo no brilhante discurso de Fernando Rosas, abordando questões fundamentais que se mantêm em relação ao Tratado Constitucional, nas intervenções inspiradas de Francisco Louçã e nos argumentos inteligentes e certeiros de Ana Drago. Aliás, todos os intervenientes do BE disseram o essencial e de forma clara. Irrepreensível. Estão de Parabéns.

Voltando ao debate, esteve bem o PCP. Bernardino Soares aplicou um “cognome” ao PM: “Sócrates, o Quebra-promessas.” Também referiu que para o PM “o Tratado é um dogma”!

Estiveram bem os Verdes: Heloísa Apolónia até acabou por colocar ao PM a pergunta mais inconveniente: “Zapatero defende o mesmo em Espanha mas por razões completamente diferentes: este Tratado é essencialmente o mesmo que o Tratado Constitucional, ao qual os espanhóis já votaram “Sim”. O senhor diz-nos que este Tratado é completamente diferente do Constitucional. Em que é que ficamos? Afinal quem é que está a mentir, Sócrates ou Zapatero?”

Esteve bem o CDS/PP em todas as intervenções, e até no novo slogan que vai certamente pegar: “Promessa Sócrates, promessa não cumprida.” E Paulo Portas conseguiu a proeza de levar o PM a admitir que a descida do índice de risco da pobreza, calculado pelo INE, se refere ao governo anterior e não ao seu!? Nota-se no CDS/PP um renovar de entusiasmo, a capacidade de mobilizar inteligências e vontades. Está no bom caminho, numa boa fase, de reorganização, de definição clara de objectivos e prioridades, de propostas realistas e fiáveis.

No PSD algumas vozes, poucas, com alguma frescura e esperança. Está a perder credibilidade política ao não se demarcar do PS na sua colaboração na deformação da democracia saudável (exemplos: esta ratificação parlamentar do Tratado de Lisboa, a nova lei eleitoral, a tentativa de extinguir os pequenos partidos, etc.)

O PS há muito que perdeu toda a chama. A qualidade dos seus argumentos é a mais frágil. Não vem dali nenhuma ideia, só o mimetismo do chefe, a repetição de preconceitos que revelam fracos conhecimentos de História, de Sociologia e de Política. Nota-se até uma crise de identidade. Para se demarcar do BE, o PM já referia que há uma Esquerda democrática (a sua, claro!) e uma Esquerda conservadora (a do BE). Mau Maria! Então não é o PS o autor e representante da tal “esquerda conservadora” (como referiu Silva Pereira)? Afinal, em que é que ficamos? Definam-se de uma vez por todas!

Outras frases reveladoras do pensamento iluminado do PM:

“Os portugueses conhecem bem este governo e o seu programa”. (Que programa?)

“O povo português vota Europa sempre que vota no PS e no PSD!” (Salazar não diria melhor. Era a União Nacional, não era? Agora é o Centrão!?)

“O voto só deve ser usado em determinadas circunstâncias e bem usado…” (quando vota PS ou PSD?) Razão tem Ana Drago quando diz que o PM “trata o povo português com paternalismo, como crianças. É o seu tutor. Os portugueses não podem decidir sobre o seu próprio futuro.”

“Os que defendem o referendo é que querem dividir o povo dos políticos!” (Esta é tão trapézica que nem eu consigo atingir…)

O PS “é favorável à Europa social e da solidariedade!” (Defina “social”… SA? Sociedade anónima? Banco central? E já agora “solidariedade”. Vá, coragem, a palavra não morde… So-li-da-rie-da-de. Vá lá… Nós esperamos…)

O que um tecnocrata é capaz de dizer para se equilibrar na espuma da onda europeia!?

Para finalizar esta análise da censura ao governo:

Uma relação de confiança com os eleitores, e os cidadãos em geral, constrói-se todos os dias. O CDS/PP sabe-o, o BE sabe-o, o PCP sabe-o e os Verdes, embora pequeninos, também me parece que o sabem. Será um valor a apresentar em eleições daqui a um ano e meio.

O PSD está a esquecê-lo, distraído com a ideia, que lhe vai sair cara, de ser a única alternativa à actual maioria e ao não se saber demarcar e distanciar do PS.

Quanto a nós, cidadãos deste estranho país tão mal governado… porque não pegamos no maldito Tratado e começamos a debatê-lo, ponto por ponto? Mesmo que nos tenha sido retirada a possibilidade de manifestar a nossa opinião de forma vinculativa, nada nos impede de o descodificar e debater noutras instâncias… na internet, nos cafés, nas praças, nas feiras… Vamos a isso!

sinto-me: perplexa

música: When The Ship Went Down-Joe Maneri, Barre Philips, Mat Maner

Os factos falam por si

Estranha semana esta, com tantas novidades que até me vi grega para as acompanhar… A verdade é que os factos falam por si, desta vez nem preciso de me esforçar muito a fazer exercícios de dedução.

Ora vamos lá:

24 horas depois da decisão pela ratificação parlamentar do Tratado Europeu, Portugal virou-se quase todo para a questão do novo aeroporto, cujo anúncio me lembrou aquelas manobras de diversão nos filmes de acção, para distrair do target, neste caso a decisão de não referendar o Tratado de Lisboa… Sim, desta vez o governo conseguiu surpreender-me, virou de repente para Alcochete. Ao vincular-se ao resultado do estudo comparativo do LNEC, já era mais difícil vir com outra Rave, mas como sempre impôs a sua vontade, pensei que iria bater o pé, é Ota, é Ota, é Ota! A sério! Entretanto o governador do Banco de Portugal a adiar a ida ao Parlamento para dia 24 e o PSD a insistir que tem de ser esta semana… Soube-se dia 16 que será a 18, 6ª feira. Irá esclarecer a negligência em relação ao papel fiscalizador do Banco de Portugal. Quem sabe um dia destes ainda possa esclarecer os “nativos”, através de vários exercícios financeiros, como chegou àquele número-projecção do défice para 2005: 6,83. Porque esse número místico ficou a pairar até hoje… Quanto à negligência na fiscalização, o ministro das Finanças já o tinha vindo defender como “o polícia” designando os outros envolvidos como “o ladrão”. Bem disse Marcelo Rebelo de Sousa que nesta lógica, é como pedir “ao ladrão que avise o polícia que vai cometer um crime…” Além disso e já não é pouco, o aparecimento de uma lista concorrente à da CGD, para a administração do BCP, liderada por Miguel Cadilhe, também deixou o governador claramente nervoso. Porquê? E não foi só o governador a ficar nervoso… elementos do actual governo também… Entretanto, a votação em Assembleia Geral do BCP, em que venceu o capital representado pelos grandes accionistas. Miguel Cadilhe entrou pela porta da frente e saiu pela porta da frente, como o herói dos pequenos accionistas. Os grandes accionistas entraram pela porta das traseiras e saíram pela porta das traseiras. Isto diz tudo… Além disso, a lista da CGD nem se dignou apresentar um programa, ideias a votos… Os factos falam por si. E, at last but not the least, a Moção de Censura ao governo apresentada pelo BE.

Uf! E a semana ainda não terminou…

sinto-me: perplexa

música: Shifting Sands - Dave Holland Quintet - Not For Nothin'

"Grande Interrogatório" da Antena 1

“Grande Interrogatório” da Antena 1, sábado, dia 1, às 12.00, com a jornalista Maria Flor Pedroso:

Desta vez foi a Pedro Santana Lopes. Que até esteve inspirado. E que respondeu a todas as questões da jornalista com uma paciência educada. Houve momentos interessantes com metáforas engraçadas como a da “ida às boxes para se reabastecer”. A meu ver, o melhor momento foi o da sua iniciação política e filosófica. Talvez porque sou dessa geração…

Quase no final do interrogatório, quando a jornalista insinuou que ele falava demais, lembrou que são os jornalistas a procurar informação e que não dizem isso do primeiro-ministro, por exemplo, quando ele dá a sua opinião no final dos trabalhos. E depois brincou, que se iria calar e que iria dizer aos seus colegas jornalistas que tinha sido por sua sugestão.

A jornalista apressou-se a dizer que não tinha querido dizer isso e que a sua opinião não era importante. Santana Lopes lembrou de novo o poder dos jornalistas na formação da opinião pública. E esclareceu melhor: que “os jornalistas têm dois pesos e duas medidas”, um tratamento diferente em relação aos políticos, privilegiando a Esquerda, e que ela própria, Maria Flor Pedroso, não é isenta, “mesmo pelo tom crítico” ou “pela forma como coloca a pergunta”.

Eu até acrescentaria, pela forma como orienta a entrevista. Já lhes passou pela cabeça perguntar a alguém porque é que ainda não se referiu no Blog a certos assuntos? Como Santana Lopes muito bem respondeu: “Um Blog não é uma enciclopédia”! (Interessante… já o actual primeiro-ministro utilizou esta mesma estratégia para confundir os adversários e fugir a perguntas incómodas: “Então o sr. deputado ainda não me falou disto e daquilo…?” Ao que nós chegámos!)

E a que assuntos, assim tão pecaminosamente ausentes do Blog, se refere Maria Flor Pedroso no seu interrogatório? A regionalização. A revisão da Constituição. O Presidente da República.

E outro dos grandes pecados de Santana, qual foi, qual foi?

Só aderiu ao PPD em 76 e não em 74 quando foi fundado! Ora vejam só! Santana Lopes explicou-lhe que em 76 tinha 17 anos e queria aprofundar os programas políticos. Andava a ler Marx, Engels, Mao Tze-Tung, Hegel, Adam Smith…

Só quem não passou o 25 de Abril com essa idade, eu tinha 16, é que não percebe que época foi aquela. No meu liceu em Coimbra a vida política era dominada pelos UECs e MRPPs. Andavam sempre à batatada e em RGAs. Os outros eram fascistas!

Também foi só em 76 que descobri uma empatia com as ideias de Sá Carneiro, o político português mais fascinante até hoje, com um verdadeiro ideal para o país. Foi depois do Verão quente, depois do Vasco Gonçalves a esganiçar-se ameaçadoramente, depois do Copcon que chegou a invadir-nos o liceu com G3 na mão e até um blindado.

Maria Flor Pedroso conheceu essa realidade? Não havia liberdade nenhuma, pelo menos como eu a entendo. E, já agora, será que a Maria Flor Pedroso já teve alguma vez 16, 17 anos? Ou já nasceu formatada?

sinto-me: solidária

música: "Patience", de Micah P. Hinson and The Gospel Progress

A insegura plataforma da República Portuguesa

Não se trata apenas de uma crise de identidade, de uma birra emocional, de uma afirmação adolescente. Não. A República Portuguesa está assente numa insegura plataforma. Um voto de pesar pelo regicídio ocorrido há 100 anos e desmoronava-se nesse mar hostil. Deixar que a banda das Forças Armadas tocasse na homenagem ao rei D. Carlos e mergulhava de vez.

Frágeis fundações, inseguros pilares, de uma República que assume as suas origens na violência e na intolerância. Não bastava ao rei o exílio, tinha de ser assassinado? Não reconhecer isto, não pacificar as suas origens e virar a página, é permanecer com essa marca registada: violência e intolerância.

Não fosse o insólito da História, que estes novos protagonistas políticos estão a escrever agora, e que gerações futuras irão ler num manual ou num site da internet, ou ver em documentário, e não me tinha de novo entusiasmado e voltado a este cantinho.

E que História estão as actuais elites políticas a escrever?

Como é possível chumbar um voto de pesar? E já agora, como é possível abster-se?

E os argumentos, de uma imaturidade surpreendente, sobretudo para um Historiador, Fernando Rosas. “… não é próprio das democracias que os órgãos do Estado tenham uma visão oficial da História”. O que é que isto quer dizer? Um voto de pesar por um acto bárbaro, o assassinato do rei e do seu primogénito, é uma visão oficial da História ou é o que, de facto, aconteceu? Referir que foi “um dos dias mais trágicos da História” é reescrever a História? Posicionarem-se assim, acima de votos de pesar e de oito séculos da nossa História é que é “tentar reescrevê-la”.

Outro triste argumento: “Objectivamente, seria um voto contra a República” (líder parlamentar da bancada do PS.) Sem comentários.

E outro, da bancada do PCP: “… não faz sentido julgar o regicídio de 1908 isolando-o do clima de revolta popular que se vivia”. E não bastava o povo manifestar-se? O rei exilar-se? A questão aqui é a do regicídio.

Sancionou-se assim, por esta Republica, um acto violento e bárbaro. É assumido, portanto, como um dos pilares desta República. A sua imagem de marca, a sua marca registada: violência e intolerância. Ao ponto de não conseguir sequer fazer a pacificação com as suas origens, reabilitar-se, passar à frente. Ficou, assim, colada a esse estigma.

Aqui o PSD e o CDS/PP a mostrar à ala à esquerda do Parlamento que a História é só uma, de oito séculos de monarquia e 98 anos de República, o povo é só um, o país é só um. E que o regicídio tem de ser assumido, de facto, como um acto bárbaro e violento. Que era altura de reabilitar essa página trágica da nossa História e, dessa forma, reabilitar as origens da República, passar à página seguinte. Magnífica oportunidade perdida.

O próprio D. Duarte pacificou-se com a História, de forma digna, sóbria, humana. Ao ponto de referir: “Se o conhecessem, não o teriam morto.” Isso seria assim se a questão se colocasse a um nível humano, mas a determinação de matar aqui já se coloca ao nível de uma ideia, de uma causa. Com todo esse peso da conspiração, de sociedades secretas. Da violência e da intolerância. Que marcará a maior parte da sua História enquanto regime. E que, pelos vistos, ainda permanece numa parte das actuais elites políticas.

sinto-me: perplexa

música: Panis Angelicus - Luciano Pavarotti

O paternalismo do centrão

Vejam só onde já vai a qualidade da nossa democracia quando os votos nos partidos do centrão valem mais do que os votos noutros partidos. É aqui que os cidadãos se deviam unir para manifestar a sua total discordância com este panorama em que somos quase condenados a tê-los como únicos partidos na alternância do poder.

Isto é um autêntico assalto à própria noção de democracia representativa! Até porque já vimos como ambos estes dois partidos se foram descaracterizando ao longo dos anos. Nem sei como mantêm a designação de “socialista” e de “social-democrata”.

Os cidadãos têm direito a escolher um partido que verdadeiramente os represente, de forma ponderada, séria, sóbria. Que saiba construir com o eleitor uma relação de confiança. Que saiba informar o cidadão, que o respeite, que procure esclarecer as suas medidas, que esteja receptivo a trocar ideias.

Não um partido que se serve do eleitor, como um cheque em branco, que rasga todos os compromissos com os quais foi eleito e que muda as regras do jogo, mente, faz batota. Estes comportamentos não são próprios de uma democracia com qualidade, estão absolutamente desactualizados.

O panorama político, o espaço político, a própria definição de territórios políticos, vai mudar. Queiram ou não queiram. Haverá muitas pessoas a votar noutros partidos, mesmo que esses votos venham a perder parte do seu peso eleitoral.

sinto-me: escandalizada

música: All Things Must Pass-George Harrison-All Things... (1970)

Governo censurado

Do que vi e ouvi esta semana, fica-me a esperança de ainda existirem pessoas neste país que defendem valores e princípios, mantêm autonomia face ao poder estabelecido, assumem compromissos, valorizam a integridade, a “honra”, como diz Bagão Félix. Integridade e credibilidade que serão cada vez mais valorizadas pelos cidadãos que querem ser informados e respeitados.

O BE, enfrentando a hostilidade paternalista do PS, mostrou que em democracia vale a pena defender valores e princípios. O maior valor, a meu ver, o do compromisso, o contrato estabelecido com os eleitores. O valor que confere credibilidade, no fundo. Fora isso, fica o vazio político. Aquele vazio que vemos agora no governo e na sua claque mimética.

Em relação à decisão de não referendar o Tratado de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa também já o tinha lembrado nas “Escolhas de Marcelo” na RTP 1, dia 13: O Parlamento não tem mandato popular para ratificar por via parlamentar. O mandato que tem é para referendar. E prevê um preço elevado a pagar por esta opção. “A curto-prazo é mais fácil, mas vai pagar-se um preço elevado.”

Mas voltemos ao Parlamento e à apresentação da Moção de Censura ao governo pelo BE:

Nova gafe no protocolo parlamentar (e sintomática da falta de respeito do PS pelos partidos da oposição): o Presidente da Assembleia da República permitiu que o primeiro-ministro delegasse o encerramento da discussão da Moção de Censura no ministro dos Assuntos Parlamentares. Numa tentativa de retirar importância ou dignidade à iniciativa do BE. Louçã bem ergueu o livro do Regulamento mas nada a fazer. Com argumentos frágeis e esfarrapados lá deram mais um pontapé no protocolo, mas quem é o BE afinal?

Como disse Louçã, “o debate foi esclarecedor em relação à qualidade da democracia do país.” E gostei da frase: “é a razão da vossa força contra a força da nossa razão”. Tem toda a razão. Senão vejamos:

Magníficos momentos de verdades inconvenientes sobre um Tratado, sobretudo no brilhante discurso de Fernando Rosas, abordando questões fundamentais que se mantêm em relação ao Tratado Constitucional, nas intervenções inspiradas de Francisco Louçã e nos argumentos inteligentes e certeiros de Ana Drago. Aliás, todos os intervenientes do BE disseram o essencial e de forma clara. Irrepreensível. Estão de Parabéns.

Voltando ao debate, esteve bem o PCP. Bernardino Soares aplicou um “cognome” ao PM: “Sócrates, o Quebra-promessas.” Também referiu que para o PM “o Tratado é um dogma”!

Estiveram bem os Verdes: Heloísa Apolónia até acabou por colocar ao PM a pergunta mais inconveniente: “Zapatero defende o mesmo em Espanha mas por razões completamente diferentes: este Tratado é essencialmente o mesmo que o Tratado Constitucional, ao qual os espanhóis já votaram “Sim”. O senhor diz-nos que este Tratado é completamente diferente do Constitucional. Em que é que ficamos? Afinal quem é que está a mentir, Sócrates ou Zapatero?”

Esteve bem o CDS/PP em todas as intervenções, e até no novo slogan que vai certamente pegar: “Promessa Sócrates, promessa não cumprida.” E Paulo Portas conseguiu a proeza de levar o PM a admitir que a descida do índice de risco da pobreza, calculado pelo INE, se refere ao governo anterior e não ao seu!? Nota-se no CDS/PP um renovar de entusiasmo, a capacidade de mobilizar inteligências e vontades. Está no bom caminho, numa boa fase, de reorganização, de definição clara de objectivos e prioridades, de propostas realistas e fiáveis.

No PSD algumas vozes, poucas, com alguma frescura e esperança. Está a perder credibilidade política ao não se demarcar do PS na sua colaboração na deformação da democracia saudável (exemplos: esta ratificação parlamentar do Tratado de Lisboa, a nova lei eleitoral, a tentativa de extinguir os pequenos partidos, etc.)

O PS há muito que perdeu toda a chama. A qualidade dos seus argumentos é a mais frágil. Não vem dali nenhuma ideia, só o mimetismo do chefe, a repetição de preconceitos que revelam fracos conhecimentos de História, de Sociologia e de Política. Nota-se até uma crise de identidade. Para se demarcar do BE, o PM já referia que há uma Esquerda democrática (a sua, claro!) e uma Esquerda conservadora (a do BE). Mau Maria! Então não é o PS o autor e representante da tal “esquerda conservadora” (como referiu Silva Pereira)? Afinal, em que é que ficamos? Definam-se de uma vez por todas!

Outras frases reveladoras do pensamento iluminado do PM:

“Os portugueses conhecem bem este governo e o seu programa”. (Que programa?)

“O povo português vota Europa sempre que vota no PS e no PSD!” (Salazar não diria melhor. Era a União Nacional, não era? Agora é o Centrão!?)

“O voto só deve ser usado em determinadas circunstâncias e bem usado…” (quando vota PS ou PSD?) Razão tem Ana Drago quando diz que o PM “trata o povo português com paternalismo, como crianças. É o seu tutor. Os portugueses não podem decidir sobre o seu próprio futuro.”

“Os que defendem o referendo é que querem dividir o povo dos políticos!” (Esta é tão trapézica que nem eu consigo atingir…)

O PS “é favorável à Europa social e da solidariedade!” (Defina “social”… SA? Sociedade anónima? Banco central? E já agora “solidariedade”. Vá, coragem, a palavra não morde… So-li-da-rie-da-de. Vá lá… Nós esperamos…)

O que um tecnocrata é capaz de dizer para se equilibrar na espuma da onda europeia!?

Para finalizar esta análise da censura ao governo:

Uma relação de confiança com os eleitores, e os cidadãos em geral, constrói-se todos os dias. O CDS/PP sabe-o, o BE sabe-o, o PCP sabe-o e os Verdes, embora pequeninos, também me parece que o sabem. Será um valor a apresentar em eleições daqui a um ano e meio.

O PSD está a esquecê-lo, distraído com a ideia, que lhe vai sair cara, de ser a única alternativa à actual maioria e ao não se saber demarcar e distanciar do PS.

Quanto a nós, cidadãos deste estranho país tão mal governado… porque não pegamos no maldito Tratado e começamos a debatê-lo, ponto por ponto? Mesmo que nos tenha sido retirada a possibilidade de manifestar a nossa opinião de forma vinculativa, nada nos impede de o descodificar e debater noutras instâncias… na internet, nos cafés, nas praças, nas feiras… Vamos a isso!

sinto-me: perplexa

música: When The Ship Went Down-Joe Maneri, Barre Philips, Mat Maner

Os factos falam por si

Estranha semana esta, com tantas novidades que até me vi grega para as acompanhar… A verdade é que os factos falam por si, desta vez nem preciso de me esforçar muito a fazer exercícios de dedução.

Ora vamos lá:

24 horas depois da decisão pela ratificação parlamentar do Tratado Europeu, Portugal virou-se quase todo para a questão do novo aeroporto, cujo anúncio me lembrou aquelas manobras de diversão nos filmes de acção, para distrair do target, neste caso a decisão de não referendar o Tratado de Lisboa… Sim, desta vez o governo conseguiu surpreender-me, virou de repente para Alcochete. Ao vincular-se ao resultado do estudo comparativo do LNEC, já era mais difícil vir com outra Rave, mas como sempre impôs a sua vontade, pensei que iria bater o pé, é Ota, é Ota, é Ota! A sério! Entretanto o governador do Banco de Portugal a adiar a ida ao Parlamento para dia 24 e o PSD a insistir que tem de ser esta semana… Soube-se dia 16 que será a 18, 6ª feira. Irá esclarecer a negligência em relação ao papel fiscalizador do Banco de Portugal. Quem sabe um dia destes ainda possa esclarecer os “nativos”, através de vários exercícios financeiros, como chegou àquele número-projecção do défice para 2005: 6,83. Porque esse número místico ficou a pairar até hoje… Quanto à negligência na fiscalização, o ministro das Finanças já o tinha vindo defender como “o polícia” designando os outros envolvidos como “o ladrão”. Bem disse Marcelo Rebelo de Sousa que nesta lógica, é como pedir “ao ladrão que avise o polícia que vai cometer um crime…” Além disso e já não é pouco, o aparecimento de uma lista concorrente à da CGD, para a administração do BCP, liderada por Miguel Cadilhe, também deixou o governador claramente nervoso. Porquê? E não foi só o governador a ficar nervoso… elementos do actual governo também… Entretanto, a votação em Assembleia Geral do BCP, em que venceu o capital representado pelos grandes accionistas. Miguel Cadilhe entrou pela porta da frente e saiu pela porta da frente, como o herói dos pequenos accionistas. Os grandes accionistas entraram pela porta das traseiras e saíram pela porta das traseiras. Isto diz tudo… Além disso, a lista da CGD nem se dignou apresentar um programa, ideias a votos… Os factos falam por si. E, at last but not the least, a Moção de Censura ao governo apresentada pelo BE.

Uf! E a semana ainda não terminou…

sinto-me: perplexa

música: Shifting Sands - Dave Holland Quintet - Not For Nothin'

"Grande Interrogatório" da Antena 1

“Grande Interrogatório” da Antena 1, sábado, dia 1, às 12.00, com a jornalista Maria Flor Pedroso:

Desta vez foi a Pedro Santana Lopes. Que até esteve inspirado. E que respondeu a todas as questões da jornalista com uma paciência educada. Houve momentos interessantes com metáforas engraçadas como a da “ida às boxes para se reabastecer”. A meu ver, o melhor momento foi o da sua iniciação política e filosófica. Talvez porque sou dessa geração…

Quase no final do interrogatório, quando a jornalista insinuou que ele falava demais, lembrou que são os jornalistas a procurar informação e que não dizem isso do primeiro-ministro, por exemplo, quando ele dá a sua opinião no final dos trabalhos. E depois brincou, que se iria calar e que iria dizer aos seus colegas jornalistas que tinha sido por sua sugestão.

A jornalista apressou-se a dizer que não tinha querido dizer isso e que a sua opinião não era importante. Santana Lopes lembrou de novo o poder dos jornalistas na formação da opinião pública. E esclareceu melhor: que “os jornalistas têm dois pesos e duas medidas”, um tratamento diferente em relação aos políticos, privilegiando a Esquerda, e que ela própria, Maria Flor Pedroso, não é isenta, “mesmo pelo tom crítico” ou “pela forma como coloca a pergunta”.

Eu até acrescentaria, pela forma como orienta a entrevista. Já lhes passou pela cabeça perguntar a alguém porque é que ainda não se referiu no Blog a certos assuntos? Como Santana Lopes muito bem respondeu: “Um Blog não é uma enciclopédia”! (Interessante… já o actual primeiro-ministro utilizou esta mesma estratégia para confundir os adversários e fugir a perguntas incómodas: “Então o sr. deputado ainda não me falou disto e daquilo…?” Ao que nós chegámos!)

E a que assuntos, assim tão pecaminosamente ausentes do Blog, se refere Maria Flor Pedroso no seu interrogatório? A regionalização. A revisão da Constituição. O Presidente da República.

E outro dos grandes pecados de Santana, qual foi, qual foi?

Só aderiu ao PPD em 76 e não em 74 quando foi fundado! Ora vejam só! Santana Lopes explicou-lhe que em 76 tinha 17 anos e queria aprofundar os programas políticos. Andava a ler Marx, Engels, Mao Tze-Tung, Hegel, Adam Smith…

Só quem não passou o 25 de Abril com essa idade, eu tinha 16, é que não percebe que época foi aquela. No meu liceu em Coimbra a vida política era dominada pelos UECs e MRPPs. Andavam sempre à batatada e em RGAs. Os outros eram fascistas!

Também foi só em 76 que descobri uma empatia com as ideias de Sá Carneiro, o político português mais fascinante até hoje, com um verdadeiro ideal para o país. Foi depois do Verão quente, depois do Vasco Gonçalves a esganiçar-se ameaçadoramente, depois do Copcon que chegou a invadir-nos o liceu com G3 na mão e até um blindado.

Maria Flor Pedroso conheceu essa realidade? Não havia liberdade nenhuma, pelo menos como eu a entendo. E, já agora, será que a Maria Flor Pedroso já teve alguma vez 16, 17 anos? Ou já nasceu formatada?

sinto-me: solidária

música: "Patience", de Micah P. Hinson and The Gospel Progress

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