O CACIMBO: A REVOLTA DA MADEIRA FOI HÁ 77 ANOS

09-07-2009
marcar artigo


A Ditadura Sabes a vida que levo desde o dia em que te vi: ou preso, ou então na rua, a conspirar contra ti. Mais uma que se perdeu, Não vale a pena chorar. Tanta vez hei-de bater-me, Que acabarei por ganhar. (*) A Revolta da Madeira foi um levantamento levado a cabo na Ilha da Madeira (Portugal) por militares e civis contra a Ditadura Militar (1926-1933), iniciada na madrugada de 4 de Abril de 1931. Sem apoio internacional, os revoltosos, comandados pelo general Sousa Dias, pretendiam a restauração das liberdades e um retorno à ordem constitucional suspensa desde o 28 de Maio de 1926. A 8 de Abril deu-se a adesão à revolta de várias ilhas dos Açores, mas a 20 do mesmo mês deu-se a rendição dos seus chefes a uma força enviada do Continente. Na Madeira os revoltosos acabaram por render-se a 2 de Maio, para evitar um banho de sangue, face à resposta de força do governo da Ditadura Militar, então chefiado pelo general Domingos de Oliveira. A prisão em Cabo Verde foi o destino de quase todos os revoltosos. Estudos recentes têm demonstrado que a revolta da Madeira tem, na sua origem, causas regionais específicas: descontentamento provocado pela crise económica (crise das exportações tradicionais, do turismo, das indústrias dos bordados, dos lacticínios e desemprego crescente), pela crise financeira (falência das principais casas bancárias madeirenses) e pelo consequente reavivar dos sentimentos autonomistas. O Decreto 19.237 de 26 de Janeiro de 1931, sobre o regime cerealífero que estabelecia o monopólio da sua importação como forma de regularizar o seu comércio – originando o aumento do preço do pão – fora o detonador de levantamentos populares acompanhados de tumultos e do encerramento do comércio nos primeiros dias de Fevereiro. A 6 de Fevereiro, a greve dos estivadores fez despoletar a convulsão social que levou ao assalto das moagens e a várias manifestações populares. Esta revolta popular é chamada revolta da farinha, dado que o governo decidira suspender a importação de farinha, aumentando o preço do pão, o que serviu de pretexto para uma revolta que dura de 5 a 11 de Fevereiro de 1931. No dia 25 de Fevereiro estruturas anarco-sindicalistas e comunistas organizam greves e manifestações, em várias localidades, exigindo liberdade sindical e medidas de combate ao desemprego. A ditadura suspendera o decreto, mas enviara a Companhia de Caçadores 5 para a ilha capitaneada por um «Delegado Especial do Governo» o coronel Silva Leal, porém, à sua chegada, a 9 de Fevereiro, havia regressado a normalidade. A acção deste agente do Governo sobre os revoltosos granjeara-lhe grande impopularidade entre a população e militares, porque foi o grande responsável pela repressão e deportação daqueles. Se tivermos em conta todos os relatórios oficiais e a maioria dos depoimentos chega-se à simplista conclusão que esta foi uma expressão de revolta contra a prepotência do Governador Civil, José Maria de Freitas e o Delegado Especial do Governo, coronel Silva Leal. A arrogância e falta de tacto que demonstrara, as medidas repressivas que adopta, a invasão das competências dos oficiais da guarnição militar local e o facto de vários oficiais do contingente vindo do Continente serem já notórios oposicionistas – são factores que vão contribuir para a eclosão do movimento. É deste núcleo de oficiais vindos do Continente – sobretudo do tenente Manuel Camões – que parte a conspiração, em colaboração com parte da oficialidade local. Ela será inicialmente hostilizada pela grande maioria dos oficiais e políticos deportados na Madeira entre os quais se contavam alguns chefes do movimento de Fevereiro de 1927, como o general Sousa Dias, os coronéis Freiria e Mendes dos Reis, o major António Varão, ou os capitães Carlos Vilhena e Sílvio Pélico. Na realidade, os deportados não participarão nas operações desencadeadas às 7 da manhã de 4 de Abril e vitoriosamente concluídas, três horas depois, com as autoridades presas e os serviços públicos ocupados pelos revoltosos. Só depois disso, e de difundida a «Proclamação ao Exército e à Nação» que declara que só obedeceria a um governo republicano que restaure as liberdades democráticas e restabeleça uma constituição por eleições livres se obteve a adesão dos principais vultos militares da deportação que, sob a presidência de Sousa Dias, integrarão a Junta Revolucionária. O chefe civil é o antigo ministro Pestana Júnior. Apelam também à revolta das unidades militares do Continente, dos Açores e das colónias. Ao contrário, nos Açores e na Guiné, a iniciativa revolucionária – nalguns casos já há algum tempo congeminada – parte dos núcleos de exilados, que, apoiados na força do exemplo madeirense e com a colaboração de alguns oficiais tomam conta das raras e pouco numerosas guarnições locais. Ingleses, norte-americanos e brasileiros decidem criar uma zona neutral nalguns hotéis do Funchal. Os oposicionistas no exílio, sob a liderança da chamada Liga de Paris, chegam a falar na constituição de uma República da Atlântida. Nos Açores, sob o comando de militares e civis deportados, nomeadamente o comandante Maia Rebelo, o capitão de mar e guerra João Manuel de Carvalho, o major Armando Pires Falcão (pai da jornalista Vera Lagoa) e o sidonista Lobo Pimentel, aderem à revolta as ilhas de S. Miguel, Terceira, Graciosa e S. Jorge. A 17 de Abril, também com alguns pretextos de natureza local na Guiné, prendendo o governador e não encontrando resistência, forma-se então uma Junta Revolucionária que formula a mesma reivindicação a Lisboa. Em Moçambique e em São Tomé a revolta falha, sendo os insurrectos presos. As principais esperanças dos revoltosos da Madeira depositam-se no apoio das unidades da Metrópole. Poucos dias depois da tomada do poder na Madeira, partem para Portugal delegados da Junta para preparar a revolta no Norte e alguns desembarcam no Algarve. Uma das dimensões estratégicas da revolta seria a de atrair as melhores unidades à ilha, deixando o Continente desprotegido. Os revolucionários madeirenses não tinham excessivas ilusões. A única esperança de sucesso do seu movimento – e afinal o seu real objectivo – era vir a provocar o levantamento no Continente. E esperavam uma de duas coisas: ou o Governo desguarnecia a sua retaguarda enviando do Continente contra a Madeira as suas «tropas fortes» fiéis e melhor armadas – e criava a oportunidade para uma acção revolucionária vitoriosa no Continente ou enviava «tropas fracas», susceptíveis de se passarem para os rebeldes, podendo infligir -se à ditadura uma derrota de imprevisíveis consequências. Não se verificou nenhuma delas. Por um lado, demonstrando saber o terreno que pisava, o Governo enviará nas expedições para a Madeira «tropas mistas», não descurando a segurança no Continente e assegurando-se da disciplina dos efectivos expedicionários. Por outro lado, a revolta não terá na Metrópole eco revolucionário imediato, apesar do recrudescimento da agitação estudantil e popular instalada após a implantação da II Republica espanhola, em meados de Abril, e das grandes manifestações populares motivada pela morte de um estudante de Medicina do Porto, em Maio desse ano, na sequência da greve académica então desencadeada. Com início a 25 de Abril, a greve dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa expande-se às três universidades. É prevista uma assembleia geral dos professores para tratamento de assuntos pedagógicos, com movimentação de estudantes republicanos. O Ministro da Educação demite o Reitor e encerra a Universidade. É nomeada nova equipa reitoral, com o professor de Medicina João Duarte de Oliveira, a reitor, e Luís Cabral de Moncada, como vice-reitor. Uma carga policial na Faculdade de Medicina do Porto origina um morto – João Martins Branco estudante do Instituto Industrial – cujo funeral naquela cidade, a 30 de Abril, é uma impressionante manifestação contra a ditadura. O dia 1 de Maio foi marcado em Lisboa por tumultos e escaramuças entre numerosos grupos de civis e tropas da G.N.R. Exército. A 9 de Maio, convocadas pelo Partido Comunista Português verificam-se novas manifestações e choques com a polícia e a G.N.R. em Lisboa e no Porto. Manifestações, contra manifestações, confrontos com apoiantes da União Nacional e da Liga ao Grémio Lusitano (Maçonaria), vão prolongar-se até fins de Maio. Mas não se passa disso. O reviralhismo não tivera condições para secundar a revolta das ilhas. O Governo sabia o perigo de deixar prolongar, sem imediata resposta a revolta insular: não só ela fornecia ao republicanismo uma base territorial estável para legitimar a eventual proclamação de um governo que se reivindicasse da verdadeira legalidade constitucional, criando fortes embaraços aos «usurpadores» de Lisboa como se poderia constituir uma base de assalto ao Continente e de permanente subversão – entre os ditadores não haveria de desconhecer-se a história das revoltas liberais... Nesta aflição de defender a retaguarda e preparar a toda a pressa expedições militares contra as ilhas, valeu à Ditadura, há que salientá-lo, o decisivo apoio do Governo britânico que nunca escondeu a sua clara simpatia pelo regime instalado e, mais precisamente, por Salazar. Perante a «ansiedade do governo face à revolta na ilha da Madeira», o embaixador britânico, Sir Francis Lindley, pede a intervenção de navios de guerra britânicos ancorados no Tejo, que desembarcaram tropas na Madeira, mas não participam no conflito interno, limitando-se a dissuadir a interferência de outros poderes na zona vital dos arquipélagos. Simultaneamente, e a pedido insistente do Governo português, o Foreign Office autoriza a venda de armamento expressamente para apoiar a ditadura militar ameaçada, aceitando o argumento de um dos responsáveis do desk para Portugal: de que «sem dúvida que o regime é uma ditadura. Mas é mais representativo do que qualquer dos desacreditados governos anteriores». A medida, segundo o mesmo funcionário, «ajudaria a reforçar o efeito da visita do príncipe de Gales», que, com o duque de Kent, se desloca significativamente nessa altura em visita oficial a Lisboa. Em Maio desse ano, a embaixada podia concluir, pela pena de um dos seus diplomatas, que «os portugueses (...) compreenderam que foram os esforços de Sir Francis Lindley com o esforço do Governo de S. M. no Reino Unido e os navios de S. M. que salvaram o país de mergulhar na anarquia». Afiançado no apoio político e material inglês e relativamente seguro quanto ao Continente, o Governo faz seguir logo a 7 de Abril, a primeira expedição militar comandada pelo coronel, Fernando Borges oficial destacado na repressão dos movimentos de Fevereiro de 1927. Vai, logicamente começar pela parte fraca da revolta, ou seja, pelos Açores porque, ao contrário do que sucedeu na Madeira os militares não tiveram apoio popular. Chegado à Horta – que se mantivera fiel – a 12 de Abril, com o apoio de vários navios de guerra, entretanto chegados de Lisboa impõe a rendição, sem luta entre 17 e 20 de Abril a todos os focos rebeldes açorianos. A 24 de Abril, larga da capital com destino à Madeira, a segunda expedição militar, seguida do Niassa, no dia seguinte, onde embarca o ministro da Marinha Magalhães Correia que iria comandar as operações. Estas iniciam-se a 26 de Abril com uma frustrada tentativa de desembarque no Caniçal, concretizada no dia seguinte na Ponta de São Lourenço. A resistência, com evidente desvantagem de homens e, sobretudo de material para os revoltosos, prolonga-se até ao dia 2 de Maio, quando a Junta Revolucionária se rende sem condições sendo presos os seus chefes. Finalmente, a 6 de Maio, na Guiné, os insurrectos enviam uma mensagem de rendição sem condições. Apesar de se terem colocado sob protecção inglesa no navio London, que se tinha dirigido à ilha para proteger pessoas e bens ingleses, os principais dirigentes da revolta, nomeadamente Sousa Dias e cerca de 120 revoltosos foram conduzidos a terra e entregues às autoridades, sendo imediatamente deportados para Cabo Verde. Saliente-se aliás a colaboração inglesa na jugulação da revolta, quer em termos estratégicos, quer no fornecimento de material militar ao governo da ditadura. Após 28 dias (de 4 de Abril a 3 de Maio) de intensa liberdade regressou tudo à normalidade do regime. Contaram-se os mortos, inventariaram-se os danos e as despesas. Aos revoltosos impuseram-se penas de deportação e demissão dos cargos. Para a ilha terá ficado um ónus de 10% na carga fiscal. Certamente que esta empatia que contagiou os militares de Caçadores 5, os deportados do Lazareto, os republicanos madeirenses, e a maioria da população funchalense, foi a chave da forte explosão de revolta que contribuiu para que, face à presença de uma força militar, tudo se desfizesse e cedo se reconhecesse a aventura. A força da razão e das convicções cedeu à das armas. Na verdade, foi uma convulsão que seguiu os ímpetos exaltados dos intervenientes e, certamente, a surpresa do evoluir diário foi mútua, em ambos os lados da barricada. Fontes: “1931: O ano de todas as revoltas” de Francisco Lopes Melo e artigos dispersos. (*)Versos escritos no tecto de um dos quartos da fortaleza-prisão de São João Baptista, Angra do Heroísmo, em Abril de 1931, cit. in A. H. de Oliveira Marques, A Literatura Clandestina em Portugal, vol. II, editorial Fragmentos, 1990.


A Ditadura Sabes a vida que levo desde o dia em que te vi: ou preso, ou então na rua, a conspirar contra ti. Mais uma que se perdeu, Não vale a pena chorar. Tanta vez hei-de bater-me, Que acabarei por ganhar. (*) A Revolta da Madeira foi um levantamento levado a cabo na Ilha da Madeira (Portugal) por militares e civis contra a Ditadura Militar (1926-1933), iniciada na madrugada de 4 de Abril de 1931. Sem apoio internacional, os revoltosos, comandados pelo general Sousa Dias, pretendiam a restauração das liberdades e um retorno à ordem constitucional suspensa desde o 28 de Maio de 1926. A 8 de Abril deu-se a adesão à revolta de várias ilhas dos Açores, mas a 20 do mesmo mês deu-se a rendição dos seus chefes a uma força enviada do Continente. Na Madeira os revoltosos acabaram por render-se a 2 de Maio, para evitar um banho de sangue, face à resposta de força do governo da Ditadura Militar, então chefiado pelo general Domingos de Oliveira. A prisão em Cabo Verde foi o destino de quase todos os revoltosos. Estudos recentes têm demonstrado que a revolta da Madeira tem, na sua origem, causas regionais específicas: descontentamento provocado pela crise económica (crise das exportações tradicionais, do turismo, das indústrias dos bordados, dos lacticínios e desemprego crescente), pela crise financeira (falência das principais casas bancárias madeirenses) e pelo consequente reavivar dos sentimentos autonomistas. O Decreto 19.237 de 26 de Janeiro de 1931, sobre o regime cerealífero que estabelecia o monopólio da sua importação como forma de regularizar o seu comércio – originando o aumento do preço do pão – fora o detonador de levantamentos populares acompanhados de tumultos e do encerramento do comércio nos primeiros dias de Fevereiro. A 6 de Fevereiro, a greve dos estivadores fez despoletar a convulsão social que levou ao assalto das moagens e a várias manifestações populares. Esta revolta popular é chamada revolta da farinha, dado que o governo decidira suspender a importação de farinha, aumentando o preço do pão, o que serviu de pretexto para uma revolta que dura de 5 a 11 de Fevereiro de 1931. No dia 25 de Fevereiro estruturas anarco-sindicalistas e comunistas organizam greves e manifestações, em várias localidades, exigindo liberdade sindical e medidas de combate ao desemprego. A ditadura suspendera o decreto, mas enviara a Companhia de Caçadores 5 para a ilha capitaneada por um «Delegado Especial do Governo» o coronel Silva Leal, porém, à sua chegada, a 9 de Fevereiro, havia regressado a normalidade. A acção deste agente do Governo sobre os revoltosos granjeara-lhe grande impopularidade entre a população e militares, porque foi o grande responsável pela repressão e deportação daqueles. Se tivermos em conta todos os relatórios oficiais e a maioria dos depoimentos chega-se à simplista conclusão que esta foi uma expressão de revolta contra a prepotência do Governador Civil, José Maria de Freitas e o Delegado Especial do Governo, coronel Silva Leal. A arrogância e falta de tacto que demonstrara, as medidas repressivas que adopta, a invasão das competências dos oficiais da guarnição militar local e o facto de vários oficiais do contingente vindo do Continente serem já notórios oposicionistas – são factores que vão contribuir para a eclosão do movimento. É deste núcleo de oficiais vindos do Continente – sobretudo do tenente Manuel Camões – que parte a conspiração, em colaboração com parte da oficialidade local. Ela será inicialmente hostilizada pela grande maioria dos oficiais e políticos deportados na Madeira entre os quais se contavam alguns chefes do movimento de Fevereiro de 1927, como o general Sousa Dias, os coronéis Freiria e Mendes dos Reis, o major António Varão, ou os capitães Carlos Vilhena e Sílvio Pélico. Na realidade, os deportados não participarão nas operações desencadeadas às 7 da manhã de 4 de Abril e vitoriosamente concluídas, três horas depois, com as autoridades presas e os serviços públicos ocupados pelos revoltosos. Só depois disso, e de difundida a «Proclamação ao Exército e à Nação» que declara que só obedeceria a um governo republicano que restaure as liberdades democráticas e restabeleça uma constituição por eleições livres se obteve a adesão dos principais vultos militares da deportação que, sob a presidência de Sousa Dias, integrarão a Junta Revolucionária. O chefe civil é o antigo ministro Pestana Júnior. Apelam também à revolta das unidades militares do Continente, dos Açores e das colónias. Ao contrário, nos Açores e na Guiné, a iniciativa revolucionária – nalguns casos já há algum tempo congeminada – parte dos núcleos de exilados, que, apoiados na força do exemplo madeirense e com a colaboração de alguns oficiais tomam conta das raras e pouco numerosas guarnições locais. Ingleses, norte-americanos e brasileiros decidem criar uma zona neutral nalguns hotéis do Funchal. Os oposicionistas no exílio, sob a liderança da chamada Liga de Paris, chegam a falar na constituição de uma República da Atlântida. Nos Açores, sob o comando de militares e civis deportados, nomeadamente o comandante Maia Rebelo, o capitão de mar e guerra João Manuel de Carvalho, o major Armando Pires Falcão (pai da jornalista Vera Lagoa) e o sidonista Lobo Pimentel, aderem à revolta as ilhas de S. Miguel, Terceira, Graciosa e S. Jorge. A 17 de Abril, também com alguns pretextos de natureza local na Guiné, prendendo o governador e não encontrando resistência, forma-se então uma Junta Revolucionária que formula a mesma reivindicação a Lisboa. Em Moçambique e em São Tomé a revolta falha, sendo os insurrectos presos. As principais esperanças dos revoltosos da Madeira depositam-se no apoio das unidades da Metrópole. Poucos dias depois da tomada do poder na Madeira, partem para Portugal delegados da Junta para preparar a revolta no Norte e alguns desembarcam no Algarve. Uma das dimensões estratégicas da revolta seria a de atrair as melhores unidades à ilha, deixando o Continente desprotegido. Os revolucionários madeirenses não tinham excessivas ilusões. A única esperança de sucesso do seu movimento – e afinal o seu real objectivo – era vir a provocar o levantamento no Continente. E esperavam uma de duas coisas: ou o Governo desguarnecia a sua retaguarda enviando do Continente contra a Madeira as suas «tropas fortes» fiéis e melhor armadas – e criava a oportunidade para uma acção revolucionária vitoriosa no Continente ou enviava «tropas fracas», susceptíveis de se passarem para os rebeldes, podendo infligir -se à ditadura uma derrota de imprevisíveis consequências. Não se verificou nenhuma delas. Por um lado, demonstrando saber o terreno que pisava, o Governo enviará nas expedições para a Madeira «tropas mistas», não descurando a segurança no Continente e assegurando-se da disciplina dos efectivos expedicionários. Por outro lado, a revolta não terá na Metrópole eco revolucionário imediato, apesar do recrudescimento da agitação estudantil e popular instalada após a implantação da II Republica espanhola, em meados de Abril, e das grandes manifestações populares motivada pela morte de um estudante de Medicina do Porto, em Maio desse ano, na sequência da greve académica então desencadeada. Com início a 25 de Abril, a greve dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa expande-se às três universidades. É prevista uma assembleia geral dos professores para tratamento de assuntos pedagógicos, com movimentação de estudantes republicanos. O Ministro da Educação demite o Reitor e encerra a Universidade. É nomeada nova equipa reitoral, com o professor de Medicina João Duarte de Oliveira, a reitor, e Luís Cabral de Moncada, como vice-reitor. Uma carga policial na Faculdade de Medicina do Porto origina um morto – João Martins Branco estudante do Instituto Industrial – cujo funeral naquela cidade, a 30 de Abril, é uma impressionante manifestação contra a ditadura. O dia 1 de Maio foi marcado em Lisboa por tumultos e escaramuças entre numerosos grupos de civis e tropas da G.N.R. Exército. A 9 de Maio, convocadas pelo Partido Comunista Português verificam-se novas manifestações e choques com a polícia e a G.N.R. em Lisboa e no Porto. Manifestações, contra manifestações, confrontos com apoiantes da União Nacional e da Liga ao Grémio Lusitano (Maçonaria), vão prolongar-se até fins de Maio. Mas não se passa disso. O reviralhismo não tivera condições para secundar a revolta das ilhas. O Governo sabia o perigo de deixar prolongar, sem imediata resposta a revolta insular: não só ela fornecia ao republicanismo uma base territorial estável para legitimar a eventual proclamação de um governo que se reivindicasse da verdadeira legalidade constitucional, criando fortes embaraços aos «usurpadores» de Lisboa como se poderia constituir uma base de assalto ao Continente e de permanente subversão – entre os ditadores não haveria de desconhecer-se a história das revoltas liberais... Nesta aflição de defender a retaguarda e preparar a toda a pressa expedições militares contra as ilhas, valeu à Ditadura, há que salientá-lo, o decisivo apoio do Governo britânico que nunca escondeu a sua clara simpatia pelo regime instalado e, mais precisamente, por Salazar. Perante a «ansiedade do governo face à revolta na ilha da Madeira», o embaixador britânico, Sir Francis Lindley, pede a intervenção de navios de guerra britânicos ancorados no Tejo, que desembarcaram tropas na Madeira, mas não participam no conflito interno, limitando-se a dissuadir a interferência de outros poderes na zona vital dos arquipélagos. Simultaneamente, e a pedido insistente do Governo português, o Foreign Office autoriza a venda de armamento expressamente para apoiar a ditadura militar ameaçada, aceitando o argumento de um dos responsáveis do desk para Portugal: de que «sem dúvida que o regime é uma ditadura. Mas é mais representativo do que qualquer dos desacreditados governos anteriores». A medida, segundo o mesmo funcionário, «ajudaria a reforçar o efeito da visita do príncipe de Gales», que, com o duque de Kent, se desloca significativamente nessa altura em visita oficial a Lisboa. Em Maio desse ano, a embaixada podia concluir, pela pena de um dos seus diplomatas, que «os portugueses (...) compreenderam que foram os esforços de Sir Francis Lindley com o esforço do Governo de S. M. no Reino Unido e os navios de S. M. que salvaram o país de mergulhar na anarquia». Afiançado no apoio político e material inglês e relativamente seguro quanto ao Continente, o Governo faz seguir logo a 7 de Abril, a primeira expedição militar comandada pelo coronel, Fernando Borges oficial destacado na repressão dos movimentos de Fevereiro de 1927. Vai, logicamente começar pela parte fraca da revolta, ou seja, pelos Açores porque, ao contrário do que sucedeu na Madeira os militares não tiveram apoio popular. Chegado à Horta – que se mantivera fiel – a 12 de Abril, com o apoio de vários navios de guerra, entretanto chegados de Lisboa impõe a rendição, sem luta entre 17 e 20 de Abril a todos os focos rebeldes açorianos. A 24 de Abril, larga da capital com destino à Madeira, a segunda expedição militar, seguida do Niassa, no dia seguinte, onde embarca o ministro da Marinha Magalhães Correia que iria comandar as operações. Estas iniciam-se a 26 de Abril com uma frustrada tentativa de desembarque no Caniçal, concretizada no dia seguinte na Ponta de São Lourenço. A resistência, com evidente desvantagem de homens e, sobretudo de material para os revoltosos, prolonga-se até ao dia 2 de Maio, quando a Junta Revolucionária se rende sem condições sendo presos os seus chefes. Finalmente, a 6 de Maio, na Guiné, os insurrectos enviam uma mensagem de rendição sem condições. Apesar de se terem colocado sob protecção inglesa no navio London, que se tinha dirigido à ilha para proteger pessoas e bens ingleses, os principais dirigentes da revolta, nomeadamente Sousa Dias e cerca de 120 revoltosos foram conduzidos a terra e entregues às autoridades, sendo imediatamente deportados para Cabo Verde. Saliente-se aliás a colaboração inglesa na jugulação da revolta, quer em termos estratégicos, quer no fornecimento de material militar ao governo da ditadura. Após 28 dias (de 4 de Abril a 3 de Maio) de intensa liberdade regressou tudo à normalidade do regime. Contaram-se os mortos, inventariaram-se os danos e as despesas. Aos revoltosos impuseram-se penas de deportação e demissão dos cargos. Para a ilha terá ficado um ónus de 10% na carga fiscal. Certamente que esta empatia que contagiou os militares de Caçadores 5, os deportados do Lazareto, os republicanos madeirenses, e a maioria da população funchalense, foi a chave da forte explosão de revolta que contribuiu para que, face à presença de uma força militar, tudo se desfizesse e cedo se reconhecesse a aventura. A força da razão e das convicções cedeu à das armas. Na verdade, foi uma convulsão que seguiu os ímpetos exaltados dos intervenientes e, certamente, a surpresa do evoluir diário foi mútua, em ambos os lados da barricada. Fontes: “1931: O ano de todas as revoltas” de Francisco Lopes Melo e artigos dispersos. (*)Versos escritos no tecto de um dos quartos da fortaleza-prisão de São João Baptista, Angra do Heroísmo, em Abril de 1931, cit. in A. H. de Oliveira Marques, A Literatura Clandestina em Portugal, vol. II, editorial Fragmentos, 1990.

marcar artigo