EXPRESSO: Vidas

24-02-2008
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DESAFIOS

Missão

Os primos corticeiros

Portugueses extraem cortiça dos sobreiros da Austrália

Texto de RICARDO VELOSO

RICARDO VELOSO Os primos Manuel Graça e Manuel Silva atirados ao trabalho

Como tantas outras vezes, Manuel Graça e o seu primo Manuel Silva preparam-se para mais um dia de trabalho. De machado ao ombro, os dois primos atravessam os campos dourados pelo sol até chegarem a um pequeno chaparral. Mal começam a tirar a cortiça dos primeiros sobreiros, já alguns curiosos os observam atentamente. Pouco depois, chegam ainda mais pessoas, repórteres munidos de máquinas fotográficas em riste e equipas de televisão. Por entre a multidão e o vaivém incessante, o par trabalha incólume aos zunidos das máquinas fotográficas e às exclamações de admiração da assistência.

Durante as duas últimas semanas esta foi a rotina diária de Manuel Graça e Manuel Silva. Não, não se trata da rodagem de um filme com actores famosos em terras alentejanas. A inesperada celebridade do par foi conseguida em terra alheia, na Austrália. A mais de 18 mil quilómetros de suas casas em Ponte de Sor, foi-lhes incumbida uma missão muito especial: extrair a cortiça da única plantação de sobreiros existente em todo o hemisfério sul.

A plantação é considerada património nacional e tem um enorme significado histórico para os australianos. Os sobreiros, de origem portuguesa, encontram-se intimamente ligados ao nascimento de Camberra como a capital federal da Austrália. As árvores foram plantadas em 1917 e, em termos australianos, são já consideradas antiguidades. Igualmente importante é o autor da obra, o prestigiado arquitecto Walter Burley Griffin, responsável pelo planeamento da cidade. A ideia inicial de Burley Griffin, era a exploração comercial da cortiça no sentido de tornar Camberra o mais auto-suficiente possível. Porém, este plano nunca se chegou a concretizar e a plantação acabou por cair no esquecimento.

Com Brendan Smyth, o ministro dos Serviços Urbanos australiano

Em tempos mais recentes, o interesse pela plantação tem vindo a aumentar. O primeiro centenário da federação australiana que se celebra este ano, foi um factor decisivo. No espírito das comemorações pretende-se recuperar a plantação como um símbolo evocativo das origens da nação e um monumento vivo em homenagem a Burley Griffin.

Mas os 84 anos de negligência e de falta de mão de obra qualificada na arte de tirar cortiça deixaram as suas marcas nos sobreiros. Os Serviços Urbanos do Australian Capital Territory, que por sua vez tutelam os Serviços Florestais, em conjunto com a Sociedade Histórica de Camberra, coordenaram os esforços de recuperação da plantação. Os dois organismos rapidamente se aperceberam que não existia ninguém na Austrália inteira com a capacidade e perícia necessárias para cuidar da plantação. A solução: dar a César o que é de César, ou seja, dar aos alentejanos os seus sobreiros.

Alan Davey, porta-voz dos Serviços Florestais, explicou ao EXPRESSO o papel desempenhado pelo grupo Amorim na recuperação da plantação. Depois dos contactos iniciais, o grupo prontificou-se a enviar um técnico, Francisco Lopes, para avaliar o estado da plantação. Na sequência desta visita, a Amorim firmou um contrato de cooperação com os Serviços Florestais e enviou Manuel Graça e Manuel Silva.

A possibilidade de uma futura exploração comercial de cortiça na Austrália está de momento afastada pelos Serviços Florestais. A única razão apontada é o longo período exigido até uma plantação se tornar rentável. O interesse australiano nos sobreiros limita-se à única plantação existente. Mas isso não impede que se aproveite ao máximo o seu potencial. Além do interesse histórico e educacional, a plantação irá tornar-se atraente para o turismo da região. Não só através dos métodos tradicionais de promoção directa, mas também utilizando técnicas de «marketing». Um destes projectos consiste em galardoar os bons vinhos da região com rolhas produzidas a partir da cortiça da plantação. O número limitado de rolhas tornará as garrafas raras e susceptíveis de se tornarem mais cobiçadas. Os rótulos farão também menção da origem da rolha. Este projecto será proveitoso para a indústria vinícola local como também contribuirá para a promoção da região. As receitas provenientes desta operação reverterão a favor da manutenção da própria plantação.

A Amorim já detém cerca de 30% do mercado de cortiça na Austrália. A próspera indústria vinícola australiana é só por si um factor aliciante. Mas os objectivos do grupo não se ficam pelas rolhas. A sua unidade fabril em Melbourne, em funcionamento desde o ano passado, tem capacidade para produzir uma quantidade considerável de produtos derivados da cortiça, destinados ao mercado australiano.

Manuel Silva e Manuel Graça foram excelentes embaixadores. No seu currículo contam-se: uma audiência de meio milhar de espectadores numa única manhã, vários artigos na imprensa local e nacional, aparições em serviços noticiosos de três televisões locais e em duas cadeias nacionais. A rematar, um documentário, que será transmitido brevemente por um canal nacional.

Os «Manuels», como os chamavam os outros guardas florestais, partiram com vontade de ficar. «Eu até me ofereci para ficar cá a tomar conta dos sobreiros», diz Graça, logo secundado pelo primo. Agora ficam as saudades do tratamento VIP em terras australianas e a esperança de voltar em breve.

DESAFIOS

Missão

Os primos corticeiros

Portugueses extraem cortiça dos sobreiros da Austrália

Texto de RICARDO VELOSO

RICARDO VELOSO Os primos Manuel Graça e Manuel Silva atirados ao trabalho

Como tantas outras vezes, Manuel Graça e o seu primo Manuel Silva preparam-se para mais um dia de trabalho. De machado ao ombro, os dois primos atravessam os campos dourados pelo sol até chegarem a um pequeno chaparral. Mal começam a tirar a cortiça dos primeiros sobreiros, já alguns curiosos os observam atentamente. Pouco depois, chegam ainda mais pessoas, repórteres munidos de máquinas fotográficas em riste e equipas de televisão. Por entre a multidão e o vaivém incessante, o par trabalha incólume aos zunidos das máquinas fotográficas e às exclamações de admiração da assistência.

Durante as duas últimas semanas esta foi a rotina diária de Manuel Graça e Manuel Silva. Não, não se trata da rodagem de um filme com actores famosos em terras alentejanas. A inesperada celebridade do par foi conseguida em terra alheia, na Austrália. A mais de 18 mil quilómetros de suas casas em Ponte de Sor, foi-lhes incumbida uma missão muito especial: extrair a cortiça da única plantação de sobreiros existente em todo o hemisfério sul.

A plantação é considerada património nacional e tem um enorme significado histórico para os australianos. Os sobreiros, de origem portuguesa, encontram-se intimamente ligados ao nascimento de Camberra como a capital federal da Austrália. As árvores foram plantadas em 1917 e, em termos australianos, são já consideradas antiguidades. Igualmente importante é o autor da obra, o prestigiado arquitecto Walter Burley Griffin, responsável pelo planeamento da cidade. A ideia inicial de Burley Griffin, era a exploração comercial da cortiça no sentido de tornar Camberra o mais auto-suficiente possível. Porém, este plano nunca se chegou a concretizar e a plantação acabou por cair no esquecimento.

Com Brendan Smyth, o ministro dos Serviços Urbanos australiano

Em tempos mais recentes, o interesse pela plantação tem vindo a aumentar. O primeiro centenário da federação australiana que se celebra este ano, foi um factor decisivo. No espírito das comemorações pretende-se recuperar a plantação como um símbolo evocativo das origens da nação e um monumento vivo em homenagem a Burley Griffin.

Mas os 84 anos de negligência e de falta de mão de obra qualificada na arte de tirar cortiça deixaram as suas marcas nos sobreiros. Os Serviços Urbanos do Australian Capital Territory, que por sua vez tutelam os Serviços Florestais, em conjunto com a Sociedade Histórica de Camberra, coordenaram os esforços de recuperação da plantação. Os dois organismos rapidamente se aperceberam que não existia ninguém na Austrália inteira com a capacidade e perícia necessárias para cuidar da plantação. A solução: dar a César o que é de César, ou seja, dar aos alentejanos os seus sobreiros.

Alan Davey, porta-voz dos Serviços Florestais, explicou ao EXPRESSO o papel desempenhado pelo grupo Amorim na recuperação da plantação. Depois dos contactos iniciais, o grupo prontificou-se a enviar um técnico, Francisco Lopes, para avaliar o estado da plantação. Na sequência desta visita, a Amorim firmou um contrato de cooperação com os Serviços Florestais e enviou Manuel Graça e Manuel Silva.

A possibilidade de uma futura exploração comercial de cortiça na Austrália está de momento afastada pelos Serviços Florestais. A única razão apontada é o longo período exigido até uma plantação se tornar rentável. O interesse australiano nos sobreiros limita-se à única plantação existente. Mas isso não impede que se aproveite ao máximo o seu potencial. Além do interesse histórico e educacional, a plantação irá tornar-se atraente para o turismo da região. Não só através dos métodos tradicionais de promoção directa, mas também utilizando técnicas de «marketing». Um destes projectos consiste em galardoar os bons vinhos da região com rolhas produzidas a partir da cortiça da plantação. O número limitado de rolhas tornará as garrafas raras e susceptíveis de se tornarem mais cobiçadas. Os rótulos farão também menção da origem da rolha. Este projecto será proveitoso para a indústria vinícola local como também contribuirá para a promoção da região. As receitas provenientes desta operação reverterão a favor da manutenção da própria plantação.

A Amorim já detém cerca de 30% do mercado de cortiça na Austrália. A próspera indústria vinícola australiana é só por si um factor aliciante. Mas os objectivos do grupo não se ficam pelas rolhas. A sua unidade fabril em Melbourne, em funcionamento desde o ano passado, tem capacidade para produzir uma quantidade considerável de produtos derivados da cortiça, destinados ao mercado australiano.

Manuel Silva e Manuel Graça foram excelentes embaixadores. No seu currículo contam-se: uma audiência de meio milhar de espectadores numa única manhã, vários artigos na imprensa local e nacional, aparições em serviços noticiosos de três televisões locais e em duas cadeias nacionais. A rematar, um documentário, que será transmitido brevemente por um canal nacional.

Os «Manuels», como os chamavam os outros guardas florestais, partiram com vontade de ficar. «Eu até me ofereci para ficar cá a tomar conta dos sobreiros», diz Graça, logo secundado pelo primo. Agora ficam as saudades do tratamento VIP em terras australianas e a esperança de voltar em breve.

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