Mais perto do fim da História

15-02-2008
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Mais perto do fim da História

O Congresso da passagem de testemunho de Carvalhas para Jerónimo de Sousa, com a bênção de Cunhal, marca o fim da esperança dos renovadores. O partido reafirma a convicção no marxismo-leninismo e promete luta ao voto secreto

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António Pedro Ferreira Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa: o secretário-geral despediu-se com um discurso de uma hora e meia

NUM discurso de despedida de hora e meia, Carlos Carvalhas criticou os duros (alertando para) e demarcou-se dos renovadores (culpados de «), num característico equilíbrio, com sabor a «déjà vu». Disse ainda que o partido se reforçou com seis mil novos militantes mas não disse quantos saíram entretanto.

Esperava-se uma intervenção de balanço de 12 anos, mas o líder cessante cortou na análise interna, dando espaço às críticas ao Governo de Santana Lopes e ao imperialismo americano. Algo parecido com os seus últimos comícios da Festa do «Avante!». Para fazer a diferença, ficou reservado para Agostinho Lopes o papel de criticar Jorge Sampaio.

Os congressistas terão gostado da mensagem de Carvalhas, ou então perceberam que chegara o momento de agradecer ao líder cessante. Largos minutos de aplausos, palavras de ordem, gritos de «PCP! PCP!» e punhos erguidos assinalaram o adeus, 12 anos depois de - também em Almada -, Carvalhas ter herdado o partido das mãos de Cunhal.

O consulado que agora termina deixou os comunistas com menos eleitores, menos influência na sociedade e menor permeabilidade à mudança. Será o declínio irremediável, como sentenciam renovadores e outros «inimigos do partido»? O líder saltou de pronto sobre os que não se cansam de repetir que «o capitalismo é o fim da História» e o comunismo são águas passadas.

Para o PCP, é certo que este congresso não será o fim da história - até porque ainda sobram militantes como António Filipe, Henrique Sousa, Lopes Guerreiro e Francisco Figueiredo (o desconhecido que veio de Santo Tirso para provocar o primeiro «frisson» deste congresso, ao propor que 100 delegados possam sugerir nomes alternativos na eleição para o Comité Central).

A fina fronteira entre duros e moderados

A história recente do PCP prova que os que hoje são moderados serão porventura os reformadores do próximo congresso. E até Jerónimo de Sousa - prestes a ser aclamado líder no domingo, correspondendo à vontade maioritária do grupo de militantes que decide quem manda (o Comité Central) - poderá ser tido como um moderado ao lado do «ultra» Francisco Lopes, que ontem à tarde levou ao rubro muitas centenas dos 1.300 delegados.

Ao contrário do «digest» ligeiro de Carvalhas, Lopes centrou-se num único tema: a resistência ao voto secreto. O «leitmotiv» do núcleo duro do partido que, com sucesso, dominou a preparação para este Congresso, nas páginas do «Avante!», ao longo de semanas, suscitando reacções indignadas de militantes.

«Que ninguém tenha a ilusão de que uma iniciativa legislativa possa transformar o PCP num partido obediente e submisso. Não nos resignamos!», garantiu convictamente o homem que nos últimos anos tem conquistado margem de manobra na organização do PCP. Se agora o partido optou por «não correr riscos desnecessários» - concedeu, contrariado, referindo-se ao voto secreto do Comité Central - no futuro, o partido virá a «correr os riscos que forem necessários para salvaguardar o partido». Punhos erguidos e gritos de «PCP» mostraram que Francisco Lopes terá quem se disponha a arriscar.

O resto da cartilha do orador - a reafirmação do marxismo-leninismo e a defesa do centralismo democrático, sem o qual o PCP sofreria um «corte de identidade» - é para a maioria dos comunistas presentes no Congresso uma marca genética do partido. Neste primeiro dia, as vozes discordantes foram poucas, muito poucas. Os silêncios, porém, revelaram dissensões.

Alguns estão contra a «limpeza» dos últimos renovadores e vozes com peso na ala moderada. Saem Octávio Teixeira, António Lopes, Licínio de Carvalho, Daniel Branco, Fernando Vicente, Jorge Gouveia Monteiro, José Soeiro e Maria da Piedade Morgadinho.

Mas não haja confusões sobre o momento que se vive em Almada. Há renovação: além da estreia de um líder, 33 novos elementos foram propostos para o Comité Central. São novos, sobretudo na idade.

Dirigente da JCP no lugar de Carvalhas

Simbolicamente, Carvalhas cederá na próxima semana o seu lugar de deputado a Margarida Botelho, uma dirigente da Juventude Comunista, de 28 anos, licenciada em Comunicação Social. Outros jovens, como o deputado Bruno Dias (28 anos) e Ana Pato (21 anos, estudante, filha do histórico Octávio Pato) irão ocupar o lugar dos mais velhos.

Para a passagem de testemunho geracional ser mais significativa - ou não - será preciso esperar pela composição dos novos órgãos executivos do Comité Central: Domingos Abrantes e José Casanova são pilares de poder que podem deixar de existir. Vítor Dias, outro dirigente histórico, também está de porta entreaberta. Não admirará, porém, que nem todos abandonem a direcção. Amanhã se saberá.

Alguns dos que agora saem do CC vão continuar a ocupar lugar na Comissão Central de Controlo, o órgão que formalmente quebra com o princípio do centralismo democrático, por imposição da Lei dos Partidos. Poderá ser o caso de Abílio Fernandes, ex-presidente da Câmara de Évora. Será limitada a independência do órgão jurisdicional do PCP (o primeiro não integrado na pirâmide hierárquica em que se estrutura o partido), no julgamento dos militantes que entrem em colisão com os estatutos: os «juízes» vão ser escolhidos pela nova CC.

Para além de Carvalhas e Lopes, o terceiro momento de grande exaltação do primeiro dia de trabalhos dos congressistas, ocorreu com a leitura da mensagem de Álvaro Cunhal. O líder histórico quis transmitir «um vibrante: Viva ao marxismo-leninismo, viva o Partido Comunista Português!». E, depois, «abençoou» a escolha de Jerónimo de Sousa: «As decisões do Congresso em todos os seus aspectos constituirão uma importante vitória e um grande incentivo à continuação da luta do partido e do povo português».

Mais perto do fim da História

O Congresso da passagem de testemunho de Carvalhas para Jerónimo de Sousa, com a bênção de Cunhal, marca o fim da esperança dos renovadores. O partido reafirma a convicção no marxismo-leninismo e promete luta ao voto secreto

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António Pedro Ferreira Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa: o secretário-geral despediu-se com um discurso de uma hora e meia

NUM discurso de despedida de hora e meia, Carlos Carvalhas criticou os duros (alertando para) e demarcou-se dos renovadores (culpados de «), num característico equilíbrio, com sabor a «déjà vu». Disse ainda que o partido se reforçou com seis mil novos militantes mas não disse quantos saíram entretanto.

Esperava-se uma intervenção de balanço de 12 anos, mas o líder cessante cortou na análise interna, dando espaço às críticas ao Governo de Santana Lopes e ao imperialismo americano. Algo parecido com os seus últimos comícios da Festa do «Avante!». Para fazer a diferença, ficou reservado para Agostinho Lopes o papel de criticar Jorge Sampaio.

Os congressistas terão gostado da mensagem de Carvalhas, ou então perceberam que chegara o momento de agradecer ao líder cessante. Largos minutos de aplausos, palavras de ordem, gritos de «PCP! PCP!» e punhos erguidos assinalaram o adeus, 12 anos depois de - também em Almada -, Carvalhas ter herdado o partido das mãos de Cunhal.

O consulado que agora termina deixou os comunistas com menos eleitores, menos influência na sociedade e menor permeabilidade à mudança. Será o declínio irremediável, como sentenciam renovadores e outros «inimigos do partido»? O líder saltou de pronto sobre os que não se cansam de repetir que «o capitalismo é o fim da História» e o comunismo são águas passadas.

Para o PCP, é certo que este congresso não será o fim da história - até porque ainda sobram militantes como António Filipe, Henrique Sousa, Lopes Guerreiro e Francisco Figueiredo (o desconhecido que veio de Santo Tirso para provocar o primeiro «frisson» deste congresso, ao propor que 100 delegados possam sugerir nomes alternativos na eleição para o Comité Central).

A fina fronteira entre duros e moderados

A história recente do PCP prova que os que hoje são moderados serão porventura os reformadores do próximo congresso. E até Jerónimo de Sousa - prestes a ser aclamado líder no domingo, correspondendo à vontade maioritária do grupo de militantes que decide quem manda (o Comité Central) - poderá ser tido como um moderado ao lado do «ultra» Francisco Lopes, que ontem à tarde levou ao rubro muitas centenas dos 1.300 delegados.

Ao contrário do «digest» ligeiro de Carvalhas, Lopes centrou-se num único tema: a resistência ao voto secreto. O «leitmotiv» do núcleo duro do partido que, com sucesso, dominou a preparação para este Congresso, nas páginas do «Avante!», ao longo de semanas, suscitando reacções indignadas de militantes.

«Que ninguém tenha a ilusão de que uma iniciativa legislativa possa transformar o PCP num partido obediente e submisso. Não nos resignamos!», garantiu convictamente o homem que nos últimos anos tem conquistado margem de manobra na organização do PCP. Se agora o partido optou por «não correr riscos desnecessários» - concedeu, contrariado, referindo-se ao voto secreto do Comité Central - no futuro, o partido virá a «correr os riscos que forem necessários para salvaguardar o partido». Punhos erguidos e gritos de «PCP» mostraram que Francisco Lopes terá quem se disponha a arriscar.

O resto da cartilha do orador - a reafirmação do marxismo-leninismo e a defesa do centralismo democrático, sem o qual o PCP sofreria um «corte de identidade» - é para a maioria dos comunistas presentes no Congresso uma marca genética do partido. Neste primeiro dia, as vozes discordantes foram poucas, muito poucas. Os silêncios, porém, revelaram dissensões.

Alguns estão contra a «limpeza» dos últimos renovadores e vozes com peso na ala moderada. Saem Octávio Teixeira, António Lopes, Licínio de Carvalho, Daniel Branco, Fernando Vicente, Jorge Gouveia Monteiro, José Soeiro e Maria da Piedade Morgadinho.

Mas não haja confusões sobre o momento que se vive em Almada. Há renovação: além da estreia de um líder, 33 novos elementos foram propostos para o Comité Central. São novos, sobretudo na idade.

Dirigente da JCP no lugar de Carvalhas

Simbolicamente, Carvalhas cederá na próxima semana o seu lugar de deputado a Margarida Botelho, uma dirigente da Juventude Comunista, de 28 anos, licenciada em Comunicação Social. Outros jovens, como o deputado Bruno Dias (28 anos) e Ana Pato (21 anos, estudante, filha do histórico Octávio Pato) irão ocupar o lugar dos mais velhos.

Para a passagem de testemunho geracional ser mais significativa - ou não - será preciso esperar pela composição dos novos órgãos executivos do Comité Central: Domingos Abrantes e José Casanova são pilares de poder que podem deixar de existir. Vítor Dias, outro dirigente histórico, também está de porta entreaberta. Não admirará, porém, que nem todos abandonem a direcção. Amanhã se saberá.

Alguns dos que agora saem do CC vão continuar a ocupar lugar na Comissão Central de Controlo, o órgão que formalmente quebra com o princípio do centralismo democrático, por imposição da Lei dos Partidos. Poderá ser o caso de Abílio Fernandes, ex-presidente da Câmara de Évora. Será limitada a independência do órgão jurisdicional do PCP (o primeiro não integrado na pirâmide hierárquica em que se estrutura o partido), no julgamento dos militantes que entrem em colisão com os estatutos: os «juízes» vão ser escolhidos pela nova CC.

Para além de Carvalhas e Lopes, o terceiro momento de grande exaltação do primeiro dia de trabalhos dos congressistas, ocorreu com a leitura da mensagem de Álvaro Cunhal. O líder histórico quis transmitir «um vibrante: Viva ao marxismo-leninismo, viva o Partido Comunista Português!». E, depois, «abençoou» a escolha de Jerónimo de Sousa: «As decisões do Congresso em todos os seus aspectos constituirão uma importante vitória e um grande incentivo à continuação da luta do partido e do povo português».

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