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16-06-2005
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[1220]Há alguns anos, ninguém em Portugal ousaria prever que, poucos anos depois, um antigo ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio, Ali Alatas, seria convidado de honra em Lisboa. Contudo, no início deste mês, ele foi oficialmente recebido pela ministra dos Negócios Estrangeiros, Teresa Gouveia, e participou em várias conferências em Portugal como orador principal.Mais do que qualquer outro acontecimento, a visita de Alatas a Portugal revela a profunda evolução ocorrida nas relações bilaterais, entre Lisboa e Jacarta, nos últimos cinco anos. O primeiro passo na aproximação teve lugar em Dezembro de 1999, altura em que os dois países restabeleceram oficialmente relações diplomáticas, depois de uma ruptura que durou 24 longos anos, devido à invasão e posterior anexação de Timor-Leste por parte da Indonésia. Nos anos que se seguiram, entre 1999 e 2004, diversas personalidades políticas portuguesas e indonésias visitaram, respectivamente, Jacarta e Lisboa. Porém, de um ponto de vista simbólico, faltava ainda encerrar o ciclo. A visita de Alatas foi o último passo nesse processo.Contudo, apesar de ter ocorrido um progresso assinalável, as relações bilaterais entre Portugal e a Indonésia poderão regredir perigosamente nos próximos tempos. O problema não é a possibilidade do General Wiranto vir a ser eleito Presidente da Indonésia nas eleições de Julho de 2004. A sua possível eleição não será, por certo, o cenário preferido em Lisboa. Porém, a fonte de fricção diplomática situa-se noutra esfera.Durante as últimas semanas tem circulado com insistência em Lisboa e em Jacarta a informação, nunca desmentida, de que a Indonésia poderá nomear Francisco Lopes da Cruz para o cargo, actualmente vago, de embaixador indonésio em Lisboa. Para além do mais, é um segredo público em Lisboa e Jacarta que Lopes da Cruz tem vindo a promover o seu nome para o cargo, nomeadamente junto do círculo restrito de pessoas de confiança da Presidente da Indonésia, Megawati Sukarnoputri.Infelizmente, não deverá existir um candidato indonésio mais inaceitável para Portugal e Durão Barroso do que Lopes da Cruz. De facto, tendo em conta as posições políticas por ele assumidas entre 1975 e 1999, sem qualquer margem para dúvidas, ele é persona non grata em Portugal.Francisco Lopes da Cruz foi fundador e presidente da União Democrática Timorense (UDT), o primeiro partido fundado em Timor-Leste em Maio de 1974. Em 1975, o ex-seminarista e director do jornal "A Voz de Timor" visitou Jacarta e conheceu pessoalmente o Presidente Suharto. De regresso a Díli, subitamente, Lopes da Cruz passou a ser um proponente central da integração do território na Indonésia. Mais importante, como Presidente da UDT foi Lopes da Cruz quem solicitou a Suharto, através da Declaração de Balibó em Novembro de 1975, a integração de Timor-Leste na Indonésia.Nas duas décadas que se seguiram, Lopes da Cruz foi conselheiro especial sobre Timor-Leste do Presidente Suharto e desempenhou a função, nunca reconhecida por Portugal e pela ONU, de embaixador itinerante do território. Em Maio de 1994, veio a Portugal em peregrinação a Fátima. Ainda nas imediações do Aeroporto de Lisboa, manifestantes portugueses e timorenses atiraram-lhe ovos podres e estrume, ao mesmo tempo que gritavam que era um traidor e um assassino. A visibilidade das suas posições pró-indonésias contribuíra para que se fosse acumulando em Portugal enorme hostilidade e desprezo.Em 1999, Lopes da Cruz teve uma hipótese final para acertar contas com o seu passado. Contudo, coerente com as suas próprias opções e consciente das enormes dificuldades que teria para se reinventar politicamente, Lopes da Cruz preferiu manter o seu apoio à integração de Timor-Leste na Indonésia. Para isso, em Abril de 1999, Lopes da Cruz fundou a Frente Popular de Timor-Leste. A partir daqui, o seu destino estava decidido: ao contrário de Ali Alatas, não teria mais oportunidades para se reinventar.Tal como mais ninguém, o seu nome ainda hoje é sinónimo em Lisboa de 24 anos de antagonismo entre Portugal e a Indonésia pois foi um dos grandes responsáveis timorenses pela cobertura política que a Indonésia teve para invadir e, depois, para ocupar Timor-Leste. Assim, a sua eventual nomeação para o cargo de embaixador indonésio em Lisboa não poderia deixar de ser lida como uma provocação inaceitável.Perante as pressões e os desejos de Lopes da Cruz, só se pode esperar que a Presidente Megawati seja lúcida. Ali Alatas, um diplomata hábil e experiente, não cometeria o erro de o nomear pelo que, como assessor de Megawati, talvez possa informá-la de que a sua nomeação seria uma péssima decisão para as relações luso-indonésias. ( Público, 18.6.2004, p.8

[1220]Há alguns anos, ninguém em Portugal ousaria prever que, poucos anos depois, um antigo ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio, Ali Alatas, seria convidado de honra em Lisboa. Contudo, no início deste mês, ele foi oficialmente recebido pela ministra dos Negócios Estrangeiros, Teresa Gouveia, e participou em várias conferências em Portugal como orador principal.Mais do que qualquer outro acontecimento, a visita de Alatas a Portugal revela a profunda evolução ocorrida nas relações bilaterais, entre Lisboa e Jacarta, nos últimos cinco anos. O primeiro passo na aproximação teve lugar em Dezembro de 1999, altura em que os dois países restabeleceram oficialmente relações diplomáticas, depois de uma ruptura que durou 24 longos anos, devido à invasão e posterior anexação de Timor-Leste por parte da Indonésia. Nos anos que se seguiram, entre 1999 e 2004, diversas personalidades políticas portuguesas e indonésias visitaram, respectivamente, Jacarta e Lisboa. Porém, de um ponto de vista simbólico, faltava ainda encerrar o ciclo. A visita de Alatas foi o último passo nesse processo.Contudo, apesar de ter ocorrido um progresso assinalável, as relações bilaterais entre Portugal e a Indonésia poderão regredir perigosamente nos próximos tempos. O problema não é a possibilidade do General Wiranto vir a ser eleito Presidente da Indonésia nas eleições de Julho de 2004. A sua possível eleição não será, por certo, o cenário preferido em Lisboa. Porém, a fonte de fricção diplomática situa-se noutra esfera.Durante as últimas semanas tem circulado com insistência em Lisboa e em Jacarta a informação, nunca desmentida, de que a Indonésia poderá nomear Francisco Lopes da Cruz para o cargo, actualmente vago, de embaixador indonésio em Lisboa. Para além do mais, é um segredo público em Lisboa e Jacarta que Lopes da Cruz tem vindo a promover o seu nome para o cargo, nomeadamente junto do círculo restrito de pessoas de confiança da Presidente da Indonésia, Megawati Sukarnoputri.Infelizmente, não deverá existir um candidato indonésio mais inaceitável para Portugal e Durão Barroso do que Lopes da Cruz. De facto, tendo em conta as posições políticas por ele assumidas entre 1975 e 1999, sem qualquer margem para dúvidas, ele é persona non grata em Portugal.Francisco Lopes da Cruz foi fundador e presidente da União Democrática Timorense (UDT), o primeiro partido fundado em Timor-Leste em Maio de 1974. Em 1975, o ex-seminarista e director do jornal "A Voz de Timor" visitou Jacarta e conheceu pessoalmente o Presidente Suharto. De regresso a Díli, subitamente, Lopes da Cruz passou a ser um proponente central da integração do território na Indonésia. Mais importante, como Presidente da UDT foi Lopes da Cruz quem solicitou a Suharto, através da Declaração de Balibó em Novembro de 1975, a integração de Timor-Leste na Indonésia.Nas duas décadas que se seguiram, Lopes da Cruz foi conselheiro especial sobre Timor-Leste do Presidente Suharto e desempenhou a função, nunca reconhecida por Portugal e pela ONU, de embaixador itinerante do território. Em Maio de 1994, veio a Portugal em peregrinação a Fátima. Ainda nas imediações do Aeroporto de Lisboa, manifestantes portugueses e timorenses atiraram-lhe ovos podres e estrume, ao mesmo tempo que gritavam que era um traidor e um assassino. A visibilidade das suas posições pró-indonésias contribuíra para que se fosse acumulando em Portugal enorme hostilidade e desprezo.Em 1999, Lopes da Cruz teve uma hipótese final para acertar contas com o seu passado. Contudo, coerente com as suas próprias opções e consciente das enormes dificuldades que teria para se reinventar politicamente, Lopes da Cruz preferiu manter o seu apoio à integração de Timor-Leste na Indonésia. Para isso, em Abril de 1999, Lopes da Cruz fundou a Frente Popular de Timor-Leste. A partir daqui, o seu destino estava decidido: ao contrário de Ali Alatas, não teria mais oportunidades para se reinventar.Tal como mais ninguém, o seu nome ainda hoje é sinónimo em Lisboa de 24 anos de antagonismo entre Portugal e a Indonésia pois foi um dos grandes responsáveis timorenses pela cobertura política que a Indonésia teve para invadir e, depois, para ocupar Timor-Leste. Assim, a sua eventual nomeação para o cargo de embaixador indonésio em Lisboa não poderia deixar de ser lida como uma provocação inaceitável.Perante as pressões e os desejos de Lopes da Cruz, só se pode esperar que a Presidente Megawati seja lúcida. Ali Alatas, um diplomata hábil e experiente, não cometeria o erro de o nomear pelo que, como assessor de Megawati, talvez possa informá-la de que a sua nomeação seria uma péssima decisão para as relações luso-indonésias. ( Público, 18.6.2004, p.8

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