Fotografia de Hélder GonçalvesEu não estava em casa nessa noite, filho,nem podia estar. Estava nas ruas com os soldadosque rumavam às rádios e aos quartéis, engalanadosde sombra e de júbilo, a ver o que aquela noiteia dar, o que a nossa liberdade prometia ser.E tu, filho, tinhas a idade rumorejantedesse Abril embalado por uma canção do Zeca.Como posso eu explicar-te tudo aquiloque tu nasceste para aprender, para viver?Eu estava aquartelado no meu silênciode pétalas, sílabas e marés, no meu dédalode vozes embriagadas pelo vento,na coragem errante das pelejas da infânciae pouco ou nada sabia do mistério desse mêscapaz de transformar em assombro as nossas vidas.Sim, sou eu neste retrato antigo,a receber em festa os exilados, os que chegavamcom grinaldas de cantigas e a flor de uma ilusãobordada a sangue e espuma no capote das nocturnas caminhadas.Sim, sou eu a escrever a primeira reportagemdo primeiro de muitos dias em que o tempodeixou de contar, em que os relógiosse tornaram corolas de paixão e risona lapela larga da alegria desta pátria.Eu não estava em casa nessa noite, filho,estava a afinar o coração pelo tomdas mais belas melodias que alguém pode aprenderpara dar a quem ama a paz de um sono sem tormento.José Jorge LetriaDezembro de 1998.Etiquetas: A POESIA ESTÁ NA RUA
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Fotografia de Hélder GonçalvesEu não estava em casa nessa noite, filho,nem podia estar. Estava nas ruas com os soldadosque rumavam às rádios e aos quartéis, engalanadosde sombra e de júbilo, a ver o que aquela noiteia dar, o que a nossa liberdade prometia ser.E tu, filho, tinhas a idade rumorejantedesse Abril embalado por uma canção do Zeca.Como posso eu explicar-te tudo aquiloque tu nasceste para aprender, para viver?Eu estava aquartelado no meu silênciode pétalas, sílabas e marés, no meu dédalode vozes embriagadas pelo vento,na coragem errante das pelejas da infânciae pouco ou nada sabia do mistério desse mêscapaz de transformar em assombro as nossas vidas.Sim, sou eu neste retrato antigo,a receber em festa os exilados, os que chegavamcom grinaldas de cantigas e a flor de uma ilusãobordada a sangue e espuma no capote das nocturnas caminhadas.Sim, sou eu a escrever a primeira reportagemdo primeiro de muitos dias em que o tempodeixou de contar, em que os relógiosse tornaram corolas de paixão e risona lapela larga da alegria desta pátria.Eu não estava em casa nessa noite, filho,estava a afinar o coração pelo tomdas mais belas melodias que alguém pode aprenderpara dar a quem ama a paz de um sono sem tormento.José Jorge LetriaDezembro de 1998.Etiquetas: A POESIA ESTÁ NA RUA