Margem Esquerda: Sócrates devia pôr o PS a pensar

01-10-2009
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Quando Blair “conquistou” o Labour, percebeu que não poderia levar a cabo as políticas que entendia necessárias sem antes fazer uma reformulação ideológica interna. O Labour tinha que mudar por dentro antes de se apresentar com outra face ao país. Dito assim, parece simples, mas não é. E não o foi, na época.Podemos concordar ou discordar de Blair, mas não podemos negar que ele teve a coragem de cortar com a doutrina e com a prática tradicionais do seu partido. Os sindicatos que o digam… O Labour deu, então, lugar ao New Labour.Mas não vamos (ainda) discutir as mudanças ideológicas que corresponderam a esta mudança de nome (e, já agora, de aspecto, no sentido literal da palavra).Vamos, isso sim, chamar a atenção para o facto de, em Portugal, NUNCA ter acontecido um processo semelhante. Estados Gerais e Novas Oportunidades que me perdoem, mas… todos sabemos que não corresponderam a um movimento ideológico digno desse nome. Desde logo, foram fenómenos curtos (no tempo), concentrados (no espaço), fechados (a quase todos).Ferro Rodrigues tentou fazer um pouco diferente, reformulando a Declaração de Princípios e criando os Grupos de Estudos – mas veio o “caso Casa Pia” e, com a prisão do seu principal organizador, o PS meteu uma “licença sem vencimento”…Quanto às famosas eleições internas, que opuseram Alegre, Soares-filho e Sócrates, a verdade é que, da parte do vencedor, pouco comprometimento ideológico houve. Sócrates afirmava-se socialista, mas… o que é que entendia por ser socialista, além de ser favorável à despenalização do aborto? Dizia ser apologista de uma “esquerda moderna”, mas… o que era isso exactamente, além de apostar na formação e nas tecnologias?Assim, actualmente, o PS (tenha consciência disso ou não) ainda conquista votos graças à História, ao papel por si desempenhado na História do país. Os eleitores confiam hoje, porque puderam confiar no passado.Por outro lado, o PS ganha eleições graças à “saturação” que os eleitores atingem relativamente aos governos de direita. Foi assim com Guterres, no pós-cavaquismo; foi assim com Sócrates, no pós-barrosimo/santanismo (neste caso, gozando o PS de uma ajuda extra: o santanismo, precisamente…).Nenhum destes dois factos é, por si só, negativo. Pelo contrário, são até processos muito naturais. Mas temos que atentar no facto de o discurso eleitoral do PS se basear fundamentalmente em meia dúzia de promessas, a maioria das quais – cumpram-se ou não – nada têm de profundo, de ideologicamente profundo, por muito válidas que sejam. Dê-se o exemplo das aulas de inglês na escola primária – ou lá como se chama agora – para ilustrar. E temos que atentar neste discurso eleitoral, precisamente porque ele é sintoma do vazio que reina no PS. Não vazio de nomes, nem sequer de ideias avulsas, mas vazio de um conjunto sistematizado de ideias, fruto de um corpo axiológico coerente. Assim, as medidas governativas parecem surgir “desgarradas”, soltas, sem união. Qualquer novidade nos surpreende e não nos surpreende, ao mesmo tempo.Sócrates devia ter-se antecipado à ida para o governo. Talvez não tenha tido tempo – Santana Lopes precipitou os acontecimentos. Mas ainda vai a tempo de pôr o PS a reflectir sobre que valores a social-democracia portuguesa (que está no PS e não no PSD) entende serem válidos, pelo menos, para a segunda década do séc. XXI.


Quando Blair “conquistou” o Labour, percebeu que não poderia levar a cabo as políticas que entendia necessárias sem antes fazer uma reformulação ideológica interna. O Labour tinha que mudar por dentro antes de se apresentar com outra face ao país. Dito assim, parece simples, mas não é. E não o foi, na época.Podemos concordar ou discordar de Blair, mas não podemos negar que ele teve a coragem de cortar com a doutrina e com a prática tradicionais do seu partido. Os sindicatos que o digam… O Labour deu, então, lugar ao New Labour.Mas não vamos (ainda) discutir as mudanças ideológicas que corresponderam a esta mudança de nome (e, já agora, de aspecto, no sentido literal da palavra).Vamos, isso sim, chamar a atenção para o facto de, em Portugal, NUNCA ter acontecido um processo semelhante. Estados Gerais e Novas Oportunidades que me perdoem, mas… todos sabemos que não corresponderam a um movimento ideológico digno desse nome. Desde logo, foram fenómenos curtos (no tempo), concentrados (no espaço), fechados (a quase todos).Ferro Rodrigues tentou fazer um pouco diferente, reformulando a Declaração de Princípios e criando os Grupos de Estudos – mas veio o “caso Casa Pia” e, com a prisão do seu principal organizador, o PS meteu uma “licença sem vencimento”…Quanto às famosas eleições internas, que opuseram Alegre, Soares-filho e Sócrates, a verdade é que, da parte do vencedor, pouco comprometimento ideológico houve. Sócrates afirmava-se socialista, mas… o que é que entendia por ser socialista, além de ser favorável à despenalização do aborto? Dizia ser apologista de uma “esquerda moderna”, mas… o que era isso exactamente, além de apostar na formação e nas tecnologias?Assim, actualmente, o PS (tenha consciência disso ou não) ainda conquista votos graças à História, ao papel por si desempenhado na História do país. Os eleitores confiam hoje, porque puderam confiar no passado.Por outro lado, o PS ganha eleições graças à “saturação” que os eleitores atingem relativamente aos governos de direita. Foi assim com Guterres, no pós-cavaquismo; foi assim com Sócrates, no pós-barrosimo/santanismo (neste caso, gozando o PS de uma ajuda extra: o santanismo, precisamente…).Nenhum destes dois factos é, por si só, negativo. Pelo contrário, são até processos muito naturais. Mas temos que atentar no facto de o discurso eleitoral do PS se basear fundamentalmente em meia dúzia de promessas, a maioria das quais – cumpram-se ou não – nada têm de profundo, de ideologicamente profundo, por muito válidas que sejam. Dê-se o exemplo das aulas de inglês na escola primária – ou lá como se chama agora – para ilustrar. E temos que atentar neste discurso eleitoral, precisamente porque ele é sintoma do vazio que reina no PS. Não vazio de nomes, nem sequer de ideias avulsas, mas vazio de um conjunto sistematizado de ideias, fruto de um corpo axiológico coerente. Assim, as medidas governativas parecem surgir “desgarradas”, soltas, sem união. Qualquer novidade nos surpreende e não nos surpreende, ao mesmo tempo.Sócrates devia ter-se antecipado à ida para o governo. Talvez não tenha tido tempo – Santana Lopes precipitou os acontecimentos. Mas ainda vai a tempo de pôr o PS a reflectir sobre que valores a social-democracia portuguesa (que está no PS e não no PSD) entende serem válidos, pelo menos, para a segunda década do séc. XXI.

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