A arte da fuga em frente

19-03-2008
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A arte da fuga em frente

Apesar de fragilizado pelo caso das dívidas da Justiça ao Estado, Durão Barroso voltou a fazer do ataque a melhor defesa

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Fotografias de Ana Baião Ferro recusa um pacto de regime...

DEPOIS de ter arrasado a imagem do anterior governo com o discurso da «tanga», Durão Barroso deixou ontem perceber qual a estratégia que delineou para o segundo «round» anti-PS: descredibilizar os socialistas (enquanto candidatos ao poder) junto das elites que, com a ajuda do Presidente da República, insistem em defender um pacto de regime sobre a política de finanças públicas.

O primeiro-ministro compareceu no Parlamento, para mais um debate mensal, numa semana particularmente difícil, mas a arte da fuga em frente voltou a evitar-lhe o desastre. E, coincidência ou talvez não, um grupo de notáveis do PS e do PSD escolheu precisamente este dia para entregar ao presidente do Parlamento um documento a apelar aos deputados para que selem um consenso em torno da política de finanças públicas. Durão Barroso espicaçou o PS a dizer se quer ou não entender-se com o Governo e sentenciou que, ao não o fazer, Ferro Rodrigues «não se credibiliza nada como candidato a primeiro-ministro».

O assunto vai continuar a ser explorado pela maioria, que, já na próxima quarta-feira, aproveitará o debate parlamentar sobre o PEC (Pacto de Estabilidade e Crescimento) para fazer fogo cerrado sobre o PS, acusando-o de ser responsável pela não obtenção do acordo sugerido por Jorge Sampaio para resolver os problemas das contas públicas.

O PS - cujo líder parlamentar esteve reunido com a ministra das Finanças durante quase três horas, sem que daí tenha saído fumo branco - insiste em que o PSD não quer acordo nenhum, porque apresentou o Programa de Estabilidade e Crescimento em Bruxelas sem «dar cavaco» aos socialistas. Mas fontes do PS confirmaram ao EXPRESSO que razões mais altas se levantam para o partido estar indisponível para pactos.

«Estes acordos fazem-se no princípio das legislaturas, não se fazem em vésperas de ciclos eleitorais», afirma um influente socialista. Ao que o EXPRESSO apurou, o próprio Sampaio comunicou ao Governo ter poucas esperanças de que Ferro Rodrigues possa aceitar um acordo com o PSD - e efectivamente a direcção do PS já decidiu: numa altura em que o partido tenta ressuscitar para o combate político, não há condições para dar as mãos ao Governo.

O Governo sabe-o e, ao propor um clima de pactos ao PS, prepara-se, sobretudo, para obrigar os socialistas a pagarem o preço político de um não-acordo. Como? Descredibilizando-os junto das elites financeiras que, insistentemente, defendem o acerto de compromissos a longo prazo entre os dois maiores partidos.

O tiro de Pina

... e o Governo aponta-lhe o dedo

«Estou completamente de acordo com os termos do documento entregue ao senhor presidente da Assembleia. Se não fosse deputado, não teria dúvidas nenhumas em subscrevê-lo», afirmou Pina Moura ao EXPRESSO. O ex-ministro das Finanças de Guterres é uma voz desgarrada na bancada socialista, que, ao que o EXPRESSO apurou, poderá dizer o que pensa na próxima quarta-feira, no Parlamento, demarcando-se claramente da posição oficial do seu partido. Que ficou expressa no debate de ontem, uma vez que Ferro Rodrigues não deu conversa a Durão Barroso sobre eventuais pactos de regime, num sinal claro de que a sua aposta é outra.

O primeiro-ministro escolhera para tema do debate mensal a reforma da administração pública e as oposições tiveram um poderoso trunfo na mão. As notícias dos jornais dando conta de uma proposta do Governo para diminuir as comparticipações da ADSE entalaram Durão Barroso, que, aliás, chegou ligeiramente atrasado ao debate para afinar com alguns ministros, já no Parlamento, o contra-ataque a esta delicada questão.

Garantindo que o assunto apenas está em estudo, Durão não conseguiu desmentir que as tabelas da ADSE vão ser revistas, preferindo antes insistir que, com a opção socialista de manter o peso do Estado, o sistema acabaria falido. Depois de uma greve geral da função pública, Durão alegou ter escolhido como tema a reforma da administração com o intuito de provar que o Governo está firme neste combate. E desafiou o PS para mais um pacto, desta vez, o de que, sempre que um dos dois maiores partidos chegar ao poder, aceitará manter os principais quadros da função pública, acabando com as nomeações políticas.

O flanco de Celeste

Ferro continuou a não querer falar de pactos. E Francisco Louçã, do BE, voltou a ser o deputado mais acertivo, ao puxar a conversa para a alínea mais desconfortável da semana governamental: a crise com a ministra da Justiça, que reteve durante um ano comparticipações dos trabalhadores para a Segurança Social, por falta de indefinição do seu vínculo ao Estado.

Espicaçado por Louçã, Durão Barroso acabou por reconhecer que, «por um período talvez excessivo, manteve-se uma situação de indefinição», e garantiu a sua «plena confiança» na ministra da Justiça. Celeste Cardona, do CDS, foi criticada no interior do Executivo por não ter conseguido esclarecer numa hora o que estava em causa, deixando assim pairar a ideia de crime fiscal por parte do Estado. Fonte social-democrata comentou ao EXPRESSO que essa demora foi «lamentável».

Ao CDS, por seu lado, irritou o facto de, ao contrário de Cardona, a ministra das Finanças - que contribuiu para o atraso, ao não aceitar o estatuto proposto pela Justiça para os funcionários em causa - ter passado despercebida em toda esta crise que deixou o Governo em xeque durante 24 horas. Paulo Portas não aguentou os ataques a Cardona. E anunciou processar Louçã, por ter chamado «inimputável» à (sua) ministra.

A arte da fuga em frente

Apesar de fragilizado pelo caso das dívidas da Justiça ao Estado, Durão Barroso voltou a fazer do ataque a melhor defesa

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Fotografias de Ana Baião Ferro recusa um pacto de regime...

DEPOIS de ter arrasado a imagem do anterior governo com o discurso da «tanga», Durão Barroso deixou ontem perceber qual a estratégia que delineou para o segundo «round» anti-PS: descredibilizar os socialistas (enquanto candidatos ao poder) junto das elites que, com a ajuda do Presidente da República, insistem em defender um pacto de regime sobre a política de finanças públicas.

O primeiro-ministro compareceu no Parlamento, para mais um debate mensal, numa semana particularmente difícil, mas a arte da fuga em frente voltou a evitar-lhe o desastre. E, coincidência ou talvez não, um grupo de notáveis do PS e do PSD escolheu precisamente este dia para entregar ao presidente do Parlamento um documento a apelar aos deputados para que selem um consenso em torno da política de finanças públicas. Durão Barroso espicaçou o PS a dizer se quer ou não entender-se com o Governo e sentenciou que, ao não o fazer, Ferro Rodrigues «não se credibiliza nada como candidato a primeiro-ministro».

O assunto vai continuar a ser explorado pela maioria, que, já na próxima quarta-feira, aproveitará o debate parlamentar sobre o PEC (Pacto de Estabilidade e Crescimento) para fazer fogo cerrado sobre o PS, acusando-o de ser responsável pela não obtenção do acordo sugerido por Jorge Sampaio para resolver os problemas das contas públicas.

O PS - cujo líder parlamentar esteve reunido com a ministra das Finanças durante quase três horas, sem que daí tenha saído fumo branco - insiste em que o PSD não quer acordo nenhum, porque apresentou o Programa de Estabilidade e Crescimento em Bruxelas sem «dar cavaco» aos socialistas. Mas fontes do PS confirmaram ao EXPRESSO que razões mais altas se levantam para o partido estar indisponível para pactos.

«Estes acordos fazem-se no princípio das legislaturas, não se fazem em vésperas de ciclos eleitorais», afirma um influente socialista. Ao que o EXPRESSO apurou, o próprio Sampaio comunicou ao Governo ter poucas esperanças de que Ferro Rodrigues possa aceitar um acordo com o PSD - e efectivamente a direcção do PS já decidiu: numa altura em que o partido tenta ressuscitar para o combate político, não há condições para dar as mãos ao Governo.

O Governo sabe-o e, ao propor um clima de pactos ao PS, prepara-se, sobretudo, para obrigar os socialistas a pagarem o preço político de um não-acordo. Como? Descredibilizando-os junto das elites financeiras que, insistentemente, defendem o acerto de compromissos a longo prazo entre os dois maiores partidos.

O tiro de Pina

... e o Governo aponta-lhe o dedo

«Estou completamente de acordo com os termos do documento entregue ao senhor presidente da Assembleia. Se não fosse deputado, não teria dúvidas nenhumas em subscrevê-lo», afirmou Pina Moura ao EXPRESSO. O ex-ministro das Finanças de Guterres é uma voz desgarrada na bancada socialista, que, ao que o EXPRESSO apurou, poderá dizer o que pensa na próxima quarta-feira, no Parlamento, demarcando-se claramente da posição oficial do seu partido. Que ficou expressa no debate de ontem, uma vez que Ferro Rodrigues não deu conversa a Durão Barroso sobre eventuais pactos de regime, num sinal claro de que a sua aposta é outra.

O primeiro-ministro escolhera para tema do debate mensal a reforma da administração pública e as oposições tiveram um poderoso trunfo na mão. As notícias dos jornais dando conta de uma proposta do Governo para diminuir as comparticipações da ADSE entalaram Durão Barroso, que, aliás, chegou ligeiramente atrasado ao debate para afinar com alguns ministros, já no Parlamento, o contra-ataque a esta delicada questão.

Garantindo que o assunto apenas está em estudo, Durão não conseguiu desmentir que as tabelas da ADSE vão ser revistas, preferindo antes insistir que, com a opção socialista de manter o peso do Estado, o sistema acabaria falido. Depois de uma greve geral da função pública, Durão alegou ter escolhido como tema a reforma da administração com o intuito de provar que o Governo está firme neste combate. E desafiou o PS para mais um pacto, desta vez, o de que, sempre que um dos dois maiores partidos chegar ao poder, aceitará manter os principais quadros da função pública, acabando com as nomeações políticas.

O flanco de Celeste

Ferro continuou a não querer falar de pactos. E Francisco Louçã, do BE, voltou a ser o deputado mais acertivo, ao puxar a conversa para a alínea mais desconfortável da semana governamental: a crise com a ministra da Justiça, que reteve durante um ano comparticipações dos trabalhadores para a Segurança Social, por falta de indefinição do seu vínculo ao Estado.

Espicaçado por Louçã, Durão Barroso acabou por reconhecer que, «por um período talvez excessivo, manteve-se uma situação de indefinição», e garantiu a sua «plena confiança» na ministra da Justiça. Celeste Cardona, do CDS, foi criticada no interior do Executivo por não ter conseguido esclarecer numa hora o que estava em causa, deixando assim pairar a ideia de crime fiscal por parte do Estado. Fonte social-democrata comentou ao EXPRESSO que essa demora foi «lamentável».

Ao CDS, por seu lado, irritou o facto de, ao contrário de Cardona, a ministra das Finanças - que contribuiu para o atraso, ao não aceitar o estatuto proposto pela Justiça para os funcionários em causa - ter passado despercebida em toda esta crise que deixou o Governo em xeque durante 24 horas. Paulo Portas não aguentou os ataques a Cardona. E anunciou processar Louçã, por ter chamado «inimputável» à (sua) ministra.

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