EXPRESSO — Notícias, opinião, blogues, fóruns, podcasts. O semanário de referência português.

01-10-2009
marcar artigo

Ninguém dá uma entrevista polémica se não a quiser dar e uma figura como Ferro Rodrigues escolhe o momento de o fazer. Este reaparecimento político após anos de silêncio e a um mês das eleições tem que ter, por isso, uma motivação e um objectivo para lá das opiniões que o ex-secretário-geral do PS exprime.

Ferro saiu da liderança em condições penosas, quer no plano político quer pessoal. É natural que anseie por uma nova oportunidade. O que veio dizer ao Expresso na semana passada foi que está pronto para voltar à política partidária e batalhar pelas suas ideias. E as suas ideias sobre a política de alianças que o PS deve seguir no caso de ganhar as eleições sem maioria absoluta são o contrário daquilo que se supõe corresponder à preferência de Sócrates num tal cenário: um Governo só do PS disposto a negociar apoios parlamentares pontuais.

Esta é a solução que Ferro coloca em último lugar. E as suas primeiras opções - aliança com o PCP e/ou o Bloco ou o PSD - são precisamente aquelas que Sócrates teria mais dificuldade em promover, depois do combate político azedo que travou com os partidos em questão. Quando o PCP e o BE dizem rejeitar alianças com o PS, é Sócrates que rejeitam, por ter sido ele o rosto das "políticas de direita". Com outro líder, a recusa talvez não fosse tão liminar. E a pergunta que se segue é: deve o PS indicar outro candidato a primeiro-ministro se as circunstâncias o proporcionarem e for essa a condição do PCP e do Bloco, ou do próprio PSD, para uma aliança de Governo? E, nesse caso, Ferro considerar-se-á dentro ou fora das hipóteses a apresentar?

O teor da entrevista pode até ter tido a cobertura prévia da direcção socialista, na ilusão de cativar eleitores tentados pelo PCP e pelo BE. Mas parece evidente que o discurso de Ferro não ajuda o PS de Sócrates. Bem pelo contrário. A perspectiva de coligações à esquerda afasta o eleitorado central, que deu aos socialistas a primeira maioria absoluta da sua história; por outro lado, longe de atrair para o PS potenciais eleitores do PCP e do BE, a mensagem de Ferro tende a reforçar o voto nesses partidos, justamente para obrigar os socialistas a uma coligação de esquerda; por fim, a hipótese de um Bloco Central desvaloriza o voto no PS em favor do PSD. E, em qualquer dos casos, as dúvidas públicas e as divisões internas sobre as opções de Governo na hipótese de uma vitória escassa só acrescentam mais dificuldades a um PS numa situação difícil. Ou Ferro avaliou mal os efeitos perversos da sua entrevista ou era sua intenção produzi-los.

'O romance de cordel'

Pode uma assessora do Presidente da República e militante do PSD dar o seu contributo para a elaboração do programa do partido a que pertence, desde que o faça com a discrição e o dever de reserva que lhe impõem as suas funções em Belém? Vitalino Canas, ex-porta-voz do PS, diz que não vê nisso nenhum problema. É o que dirá qualquer pessoa de bom senso que não ande à procura de brigas inúteis. Mas José Junqueiro, deputado do mesmo partido, pensa que sim. E por causa desta opinião tivemos mais um 'caso' entre o PS e Belém.

Mas devia a presidência da República, por causa deste episódio, usar o fogo de artilharia que usou para responder ao PS, levantando terríveis suspeitas de perseguição por parte do Governo, como se a Lisboa política não fosse uma aldeia onde tudo se sabe sem ser preciso recorrer à 'secreta'? Claro que não. Além disso, o método das fontes de Belém falando sob anonimato, neste caso ao "Público", nunca deu bom resultado. E a frequência com que essas fontes anónimas se têm pronunciado nos últimos tempos só acontece porque a desconfiança e a crispação entre São Bento e Belém estão definitivamente instaladas. É pena, porque o país tem coisas muito mais sérias com que se preocupar, como recordou Francisco Louçã a propósito deste 'romance de cordel'. Que seja o líder do Bloco de Esquerda a dar ao caso a importância que ele de facto merece, eis o que não deixa de ser perturbador.

A dois carrinhos

Quem pensava que a política portuguesa já não tinha originalidades para oferecer, assistiu no fim-de-semana a uma première absoluta: um autarca eleito pelo PSD, e candidato à reeleição pelo mesmo partido, veio não só declarar que não votará PSD nas legislativas (supõe-se que o fará nas autárquicas...) como admite votar no PS.

Moita Flores é o autor desta proeza de ginástica política. E cometeu-a dois dias antes da data limite para a formalização de candidaturas, isto é, quando o PSD já não tinha margem para apresentar novo concorrente, caso pretendesse. Isto, apesar de as decisões de Ferreira Leite que lhe causaram tanto desgosto - as listas de candidatos à AR - já serem conhecidas há duas semanas.

É verdade que o presidente da Câmara de Santarém foi eleito como independente e assim se apresenta de novo na lista social-democrata. Mas, ao invocar publicamente razões de ética política tão ofensivas dos princípios que defende, devia retirar as devidas consequências desse conflito de consciência. No mínimo, renunciava ao apoio do PSD; no máximo - e essa seria a atitude mais correcta -, saía da lista em que se encontra para apresentar uma candidatura autónoma e realmente independente. Não tendo feito nada disto, os ataques ao PSD e o declarado 'namoro' aos socialistas prestam-se às leituras mais perversas. Incluindo a de que tenta ganhar a dois carrinhos. Não é bonito.

Fernando Madrinha

Ninguém dá uma entrevista polémica se não a quiser dar e uma figura como Ferro Rodrigues escolhe o momento de o fazer. Este reaparecimento político após anos de silêncio e a um mês das eleições tem que ter, por isso, uma motivação e um objectivo para lá das opiniões que o ex-secretário-geral do PS exprime.

Ferro saiu da liderança em condições penosas, quer no plano político quer pessoal. É natural que anseie por uma nova oportunidade. O que veio dizer ao Expresso na semana passada foi que está pronto para voltar à política partidária e batalhar pelas suas ideias. E as suas ideias sobre a política de alianças que o PS deve seguir no caso de ganhar as eleições sem maioria absoluta são o contrário daquilo que se supõe corresponder à preferência de Sócrates num tal cenário: um Governo só do PS disposto a negociar apoios parlamentares pontuais.

Esta é a solução que Ferro coloca em último lugar. E as suas primeiras opções - aliança com o PCP e/ou o Bloco ou o PSD - são precisamente aquelas que Sócrates teria mais dificuldade em promover, depois do combate político azedo que travou com os partidos em questão. Quando o PCP e o BE dizem rejeitar alianças com o PS, é Sócrates que rejeitam, por ter sido ele o rosto das "políticas de direita". Com outro líder, a recusa talvez não fosse tão liminar. E a pergunta que se segue é: deve o PS indicar outro candidato a primeiro-ministro se as circunstâncias o proporcionarem e for essa a condição do PCP e do Bloco, ou do próprio PSD, para uma aliança de Governo? E, nesse caso, Ferro considerar-se-á dentro ou fora das hipóteses a apresentar?

O teor da entrevista pode até ter tido a cobertura prévia da direcção socialista, na ilusão de cativar eleitores tentados pelo PCP e pelo BE. Mas parece evidente que o discurso de Ferro não ajuda o PS de Sócrates. Bem pelo contrário. A perspectiva de coligações à esquerda afasta o eleitorado central, que deu aos socialistas a primeira maioria absoluta da sua história; por outro lado, longe de atrair para o PS potenciais eleitores do PCP e do BE, a mensagem de Ferro tende a reforçar o voto nesses partidos, justamente para obrigar os socialistas a uma coligação de esquerda; por fim, a hipótese de um Bloco Central desvaloriza o voto no PS em favor do PSD. E, em qualquer dos casos, as dúvidas públicas e as divisões internas sobre as opções de Governo na hipótese de uma vitória escassa só acrescentam mais dificuldades a um PS numa situação difícil. Ou Ferro avaliou mal os efeitos perversos da sua entrevista ou era sua intenção produzi-los.

'O romance de cordel'

Pode uma assessora do Presidente da República e militante do PSD dar o seu contributo para a elaboração do programa do partido a que pertence, desde que o faça com a discrição e o dever de reserva que lhe impõem as suas funções em Belém? Vitalino Canas, ex-porta-voz do PS, diz que não vê nisso nenhum problema. É o que dirá qualquer pessoa de bom senso que não ande à procura de brigas inúteis. Mas José Junqueiro, deputado do mesmo partido, pensa que sim. E por causa desta opinião tivemos mais um 'caso' entre o PS e Belém.

Mas devia a presidência da República, por causa deste episódio, usar o fogo de artilharia que usou para responder ao PS, levantando terríveis suspeitas de perseguição por parte do Governo, como se a Lisboa política não fosse uma aldeia onde tudo se sabe sem ser preciso recorrer à 'secreta'? Claro que não. Além disso, o método das fontes de Belém falando sob anonimato, neste caso ao "Público", nunca deu bom resultado. E a frequência com que essas fontes anónimas se têm pronunciado nos últimos tempos só acontece porque a desconfiança e a crispação entre São Bento e Belém estão definitivamente instaladas. É pena, porque o país tem coisas muito mais sérias com que se preocupar, como recordou Francisco Louçã a propósito deste 'romance de cordel'. Que seja o líder do Bloco de Esquerda a dar ao caso a importância que ele de facto merece, eis o que não deixa de ser perturbador.

A dois carrinhos

Quem pensava que a política portuguesa já não tinha originalidades para oferecer, assistiu no fim-de-semana a uma première absoluta: um autarca eleito pelo PSD, e candidato à reeleição pelo mesmo partido, veio não só declarar que não votará PSD nas legislativas (supõe-se que o fará nas autárquicas...) como admite votar no PS.

Moita Flores é o autor desta proeza de ginástica política. E cometeu-a dois dias antes da data limite para a formalização de candidaturas, isto é, quando o PSD já não tinha margem para apresentar novo concorrente, caso pretendesse. Isto, apesar de as decisões de Ferreira Leite que lhe causaram tanto desgosto - as listas de candidatos à AR - já serem conhecidas há duas semanas.

É verdade que o presidente da Câmara de Santarém foi eleito como independente e assim se apresenta de novo na lista social-democrata. Mas, ao invocar publicamente razões de ética política tão ofensivas dos princípios que defende, devia retirar as devidas consequências desse conflito de consciência. No mínimo, renunciava ao apoio do PSD; no máximo - e essa seria a atitude mais correcta -, saía da lista em que se encontra para apresentar uma candidatura autónoma e realmente independente. Não tendo feito nada disto, os ataques ao PSD e o declarado 'namoro' aos socialistas prestam-se às leituras mais perversas. Incluindo a de que tenta ganhar a dois carrinhos. Não é bonito.

Fernando Madrinha

marcar artigo