Luís Graça & Camaradas da Guiné: Guiné 63/74

01-07-2009
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Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares, frente ao Convento de Mafra, no grupo dos quais se integrava o Paulo Raposo, que viria a ser mobilizado para a Guiné, como alferes miliciano da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/69).Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.1. Mensagem do Torcato Mendonça, de 1 de Setembro de 2007:Estimáveis Camaradas:Segue um anexo com 48 páginas [Estórias do José - Parte I] (1). As fotos são das Foto Falantes que tem o nosso Camarada Luís Graça. Paro um bocado, por isso o envio triplo. Estas estórias já tinham sido enviadas, em parte. Acrescentei outras e índice.Chegado Setembro, espero voar seguindo o voo das aves e rumar a Sul… espero ser capaz. A idade e não só… Façam dessas palavras juntas o que entenderem.Boa saúde, bom trabalho e recebam um forte abraço do,Torcato Mendonça___________________(...) "Conheço o José há tanto tempo que não sei, ao certo, nem onde nem quando o encontrei pela primeira vez. Fizemos ambos a tropa e estivemos na Guiné. Muito pouco falamos nisso. Talvez o tenhamos feito, uma ou outra vez porque não podíamos fugir ao tema" (...) (TM)MILITAR, NÃO!por Torcato Mendonça (1)Olhem para mim com ódio… cabeça levantada… bate o pé com força… força… levanta os joelhos… isso… mais, mais… braço à altura do ombro… mão fechada… o punho. porra…encosta a arma ao peito… isso, isso… está fria… não está… não há frio…!E marcha e marcham os Cadetes, ainda não autómatos mas a serem torneados, despersonalizados, humilhados. Marcham na ordem unida. Batem os pés com força no chão e, com força redobrada, à voz de olhar, à direita ou à esquerda, para encarar o Capitão-Comando. Com ódio, com desprezo ou indiferença? Ainda conseguem achá-lo um ser deformado. Um Capitão de camuflado, emblemas no peito - Comandos – preso no ombro… olhar vesgo… ou tique nervoso?Certo é que quer, ou querem, levar aqueles jovens ao desespero e à ausência de vontade própria! Certo é que quer, ou querem, transformá-los em autómatos, em máquinas, em hipotéticos condutores de homens para, no futuro, servirem numa qualquer Colónia, onde serão cabeça de grupo de carne para canhão.Que raio de instrução e de especialidade. Atirador de Artilharia. Logo no primeiro dia de instrução, a caminhada, a sede, a fome, a noite fria, de Janeiro, em pleno Alentejo. Urinar nas mãos aquece e fê-lo.Noite longa, não dormida e por fim o alvor na madrugada gelada. O Comandante de instrução, tronco nu, fazia a barba. Louco!? Os Cadetes olhavam e sorriam. É o Capitão. Baixo, calças de camuflado, tronco seco de carnes. Seminu ficava mais pequeno. Os emblemas e crachás, no peito e ombro e o dólmen camuflado, tornavam-no mais alto.A dureza de uma instrução diferente tinha começado. Equipas de cinco, sentido com punhos cerrados, descansar com pernas direitas, olhar para o alto e mãos atrás das costas, marcha com arma cruzada no peito. Mas que é isto? Não há horas para nada. Só para estar pronto – já!Aos poucos foram amolecendo, perdendo a vontade de resistir e simultaneamente aumentando os índices na aplicação, no empenho da instrução. Aos poucos, o Capitão e alguns instrutores iam conseguindo atingir o objectivo. Temos autómatos!Marchem… olhem para mim com ódio… bate o pé com força… salta… rasteja...rabo em baixo… rápido… cambalhota… a arma… não larga… faz parte do corpo… corre… corre no pórtico… salta o galho… fácil… não doi…desce a corda… as mãos estão boas…!Eram talvez sessenta. Terminaram cinquenta? Tantos!?Espalharam-se Aspirantes por vários Quartéis do País e a vida militar continuou…Um dia, mais de trinta anos depois voltou a ver o Capitão Comando. Vestia à civil, o mesmo tique na cara, olhar baço e amarrotado… Subira na hierarquia militar, tinha o posto de General e era Presidente da Liga de Combatentes.Como sócio da Liga convidaram-no a vir a este encontro. Missa, visita ao melhorado talhão dos Combatentes e almoço de trabalho. O habitual. Foi. Entrou no Largo, viu aquele ajuntamento, certamente de antigos Combatentes. No meio o General, a conversar… mas tinha o mesmo tique…ou era vesgo?De repente deixou de o ver. Já não era civil nem General e ele já não estava no Largo da Igreja. De repente sentiu-se na Parada de Vendas Novas. Lá estava o Capitão Comando:- Olha para mim com ódio… salta… força…Sentiu marteladas na cabeça. Olhou e disse:- Safa!Voltou as costas e rapidamente afastou-se. Não! MILITAR, NÃO!Não é ficção. É realidade. Em Janeiro de 66, um grupo de cerca de noventa Cadetes e cerca de duzentos a trezentos Instruendos do Curso de Sargentos Milicianos, entraram na Escola Prática de Artilharia – Vendas Novas, para tirarem as especialidades de atirador, IOL e PCT.O Comandante de Instrução era Capitão Comando, mais direccionado para os atiradores. Hoje é General, certamente na reforma, e foi Presidente da Liga de Combatentes.Apesar da dureza da instrução ou talvez por isso, quase todos os graduados da minha Companhia passaram por lá, acho-a determinante no desempenho que tivemos na Guiné.Este texto, com as devidas adaptações, passou como Crónica numa Rádio. Terminava, como todas as minhas crónicas:- Bom dia e façam o favor de ser felizes.Pretendia ser, uma resposta a pseudo debate havido nessa rádio, onde os antigos Combatentes não eram correctamente tratados.Quando da gravação pediram-me o escrito e ofereci-o. Por isso, este texto foi escrito recorrendo à memória e tentando reproduzir essa crónica.Olha, salto um pouco no tempo e digo-te: a guerra pode deixar-nos também, indirectamente, marcas.__________Nota de L.G.:(1) Vd. posts anteriores:14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1785: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 239) (4): Burontoni, mito ou realidade ?27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1929: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (6): Matilde17 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2055: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (7): Eleições à vista...


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares, frente ao Convento de Mafra, no grupo dos quais se integrava o Paulo Raposo, que viria a ser mobilizado para a Guiné, como alferes miliciano da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/69).Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.1. Mensagem do Torcato Mendonça, de 1 de Setembro de 2007:Estimáveis Camaradas:Segue um anexo com 48 páginas [Estórias do José - Parte I] (1). As fotos são das Foto Falantes que tem o nosso Camarada Luís Graça. Paro um bocado, por isso o envio triplo. Estas estórias já tinham sido enviadas, em parte. Acrescentei outras e índice.Chegado Setembro, espero voar seguindo o voo das aves e rumar a Sul… espero ser capaz. A idade e não só… Façam dessas palavras juntas o que entenderem.Boa saúde, bom trabalho e recebam um forte abraço do,Torcato Mendonça___________________(...) "Conheço o José há tanto tempo que não sei, ao certo, nem onde nem quando o encontrei pela primeira vez. Fizemos ambos a tropa e estivemos na Guiné. Muito pouco falamos nisso. Talvez o tenhamos feito, uma ou outra vez porque não podíamos fugir ao tema" (...) (TM)MILITAR, NÃO!por Torcato Mendonça (1)Olhem para mim com ódio… cabeça levantada… bate o pé com força… força… levanta os joelhos… isso… mais, mais… braço à altura do ombro… mão fechada… o punho. porra…encosta a arma ao peito… isso, isso… está fria… não está… não há frio…!E marcha e marcham os Cadetes, ainda não autómatos mas a serem torneados, despersonalizados, humilhados. Marcham na ordem unida. Batem os pés com força no chão e, com força redobrada, à voz de olhar, à direita ou à esquerda, para encarar o Capitão-Comando. Com ódio, com desprezo ou indiferença? Ainda conseguem achá-lo um ser deformado. Um Capitão de camuflado, emblemas no peito - Comandos – preso no ombro… olhar vesgo… ou tique nervoso?Certo é que quer, ou querem, levar aqueles jovens ao desespero e à ausência de vontade própria! Certo é que quer, ou querem, transformá-los em autómatos, em máquinas, em hipotéticos condutores de homens para, no futuro, servirem numa qualquer Colónia, onde serão cabeça de grupo de carne para canhão.Que raio de instrução e de especialidade. Atirador de Artilharia. Logo no primeiro dia de instrução, a caminhada, a sede, a fome, a noite fria, de Janeiro, em pleno Alentejo. Urinar nas mãos aquece e fê-lo.Noite longa, não dormida e por fim o alvor na madrugada gelada. O Comandante de instrução, tronco nu, fazia a barba. Louco!? Os Cadetes olhavam e sorriam. É o Capitão. Baixo, calças de camuflado, tronco seco de carnes. Seminu ficava mais pequeno. Os emblemas e crachás, no peito e ombro e o dólmen camuflado, tornavam-no mais alto.A dureza de uma instrução diferente tinha começado. Equipas de cinco, sentido com punhos cerrados, descansar com pernas direitas, olhar para o alto e mãos atrás das costas, marcha com arma cruzada no peito. Mas que é isto? Não há horas para nada. Só para estar pronto – já!Aos poucos foram amolecendo, perdendo a vontade de resistir e simultaneamente aumentando os índices na aplicação, no empenho da instrução. Aos poucos, o Capitão e alguns instrutores iam conseguindo atingir o objectivo. Temos autómatos!Marchem… olhem para mim com ódio… bate o pé com força… salta… rasteja...rabo em baixo… rápido… cambalhota… a arma… não larga… faz parte do corpo… corre… corre no pórtico… salta o galho… fácil… não doi…desce a corda… as mãos estão boas…!Eram talvez sessenta. Terminaram cinquenta? Tantos!?Espalharam-se Aspirantes por vários Quartéis do País e a vida militar continuou…Um dia, mais de trinta anos depois voltou a ver o Capitão Comando. Vestia à civil, o mesmo tique na cara, olhar baço e amarrotado… Subira na hierarquia militar, tinha o posto de General e era Presidente da Liga de Combatentes.Como sócio da Liga convidaram-no a vir a este encontro. Missa, visita ao melhorado talhão dos Combatentes e almoço de trabalho. O habitual. Foi. Entrou no Largo, viu aquele ajuntamento, certamente de antigos Combatentes. No meio o General, a conversar… mas tinha o mesmo tique…ou era vesgo?De repente deixou de o ver. Já não era civil nem General e ele já não estava no Largo da Igreja. De repente sentiu-se na Parada de Vendas Novas. Lá estava o Capitão Comando:- Olha para mim com ódio… salta… força…Sentiu marteladas na cabeça. Olhou e disse:- Safa!Voltou as costas e rapidamente afastou-se. Não! MILITAR, NÃO!Não é ficção. É realidade. Em Janeiro de 66, um grupo de cerca de noventa Cadetes e cerca de duzentos a trezentos Instruendos do Curso de Sargentos Milicianos, entraram na Escola Prática de Artilharia – Vendas Novas, para tirarem as especialidades de atirador, IOL e PCT.O Comandante de Instrução era Capitão Comando, mais direccionado para os atiradores. Hoje é General, certamente na reforma, e foi Presidente da Liga de Combatentes.Apesar da dureza da instrução ou talvez por isso, quase todos os graduados da minha Companhia passaram por lá, acho-a determinante no desempenho que tivemos na Guiné.Este texto, com as devidas adaptações, passou como Crónica numa Rádio. Terminava, como todas as minhas crónicas:- Bom dia e façam o favor de ser felizes.Pretendia ser, uma resposta a pseudo debate havido nessa rádio, onde os antigos Combatentes não eram correctamente tratados.Quando da gravação pediram-me o escrito e ofereci-o. Por isso, este texto foi escrito recorrendo à memória e tentando reproduzir essa crónica.Olha, salto um pouco no tempo e digo-te: a guerra pode deixar-nos também, indirectamente, marcas.__________Nota de L.G.:(1) Vd. posts anteriores:14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1785: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 239) (4): Burontoni, mito ou realidade ?27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1929: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (6): Matilde17 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2055: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (7): Eleições à vista...

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