Uma espécie de mim: Alegoria da vírgula e do ponto

14-07-2009
marcar artigo


(imagem da Internet)Corriam os dedos no teclado, soltos, apressados, estouvados até. Corriam velozes, que o tempo passa depressa e a manhã já soa, pianinho, num sussurro, até que se lhe adivinha a voz ganhando corpo, escurecendo, crescendo para o dia, firme, madura.Corriam os dedos, semeando letrinhas bambas, amedrontadas, daquelas que ninguém dá nada por elas, nadinha mesmo. Trémulas, agarram-se umas às outras até que, ganhando coragem, seguem de peito feito e nariz empinado, num corpo de palavras que contam histórias.A vírgula entrou por ali dentro, acompanhada de manas e primas, todas iguais, todas sem jeito, borbulhentas e rechonchudas. Instalaram-se, sentaram-se bem perto umas das outras, numa algazarra de galinheiro, ora cochichando, ora elevando a voz, estridente e desarticulada. Risinhos rosa choque ecoavam por todo o texto, nervosos, num sem jeito imaturo de quem não sabe bem ao que veio.– “Porque viemos, prima?”, indaga a mais nova, de olhos abertos, brancos, sem fito.- “Ora, Tininha”, responde a outra, “viemos ao costume: semear a confusão neste reino de letras. É a nossa voz, as nossas razões que queremos fazer valer. Estamos fartas que nos tomem por tolas, por inúteis”.E continuou chilreando em redor, atirando ao ar pequenas razões, “por isto, por aquilo”, na certeza de reinar sem medo num mundo de letras trémulas.“Puro engano de quem não sabe onde pisa”, deu por si a pensar o ponto, observando-as do fundo da sala. Velho matreiro, tarimbeiro de muitas lides no teclado e no papel, onde outrora a tinta era sua companheira. “Mudam-se os tempos, é certo, mas haja dignidade!”, decide-se ele por esta máxima, confiante no seu papel de regulador de frases perdidas. “Se pensam que me reformam estão enganadas”, continua.E sai, altivo, compassado, ditando as regras e impondo-se naquela desordem de letras sem rumo. Batendo com a porta e pondo os pontos nos iis.


(imagem da Internet)Corriam os dedos no teclado, soltos, apressados, estouvados até. Corriam velozes, que o tempo passa depressa e a manhã já soa, pianinho, num sussurro, até que se lhe adivinha a voz ganhando corpo, escurecendo, crescendo para o dia, firme, madura.Corriam os dedos, semeando letrinhas bambas, amedrontadas, daquelas que ninguém dá nada por elas, nadinha mesmo. Trémulas, agarram-se umas às outras até que, ganhando coragem, seguem de peito feito e nariz empinado, num corpo de palavras que contam histórias.A vírgula entrou por ali dentro, acompanhada de manas e primas, todas iguais, todas sem jeito, borbulhentas e rechonchudas. Instalaram-se, sentaram-se bem perto umas das outras, numa algazarra de galinheiro, ora cochichando, ora elevando a voz, estridente e desarticulada. Risinhos rosa choque ecoavam por todo o texto, nervosos, num sem jeito imaturo de quem não sabe bem ao que veio.– “Porque viemos, prima?”, indaga a mais nova, de olhos abertos, brancos, sem fito.- “Ora, Tininha”, responde a outra, “viemos ao costume: semear a confusão neste reino de letras. É a nossa voz, as nossas razões que queremos fazer valer. Estamos fartas que nos tomem por tolas, por inúteis”.E continuou chilreando em redor, atirando ao ar pequenas razões, “por isto, por aquilo”, na certeza de reinar sem medo num mundo de letras trémulas.“Puro engano de quem não sabe onde pisa”, deu por si a pensar o ponto, observando-as do fundo da sala. Velho matreiro, tarimbeiro de muitas lides no teclado e no papel, onde outrora a tinta era sua companheira. “Mudam-se os tempos, é certo, mas haja dignidade!”, decide-se ele por esta máxima, confiante no seu papel de regulador de frases perdidas. “Se pensam que me reformam estão enganadas”, continua.E sai, altivo, compassado, ditando as regras e impondo-se naquela desordem de letras sem rumo. Batendo com a porta e pondo os pontos nos iis.

marcar artigo