O Amigo do Povo: Encore Esplanar: Salazarismo e Fascismo

28-06-2009
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Por especial e esplanado pedido aqui vai... Concordo com o Daniel Melo que uma coisa é o Fascismo italiano como regime e realidade histórica, outra o fascismo genérico, ou seja, a corrente ideológica que se pode deduzir desse modelo italiano. Qualquer tentativa de definir uma ideologia apresenta dificuldades e provoca inevitáveis controvérsias. Mas o fascismo é, por exemplo face ao comunismo, particularmente difícil de definir. Porque, mesmo quando se pensa apenas em Itália, escasseia material doutrinal e abunda o pragmatismo do regime. Não sou, no entanto, dos que consideram que fascismo só em Itália: precisamente porque, também aí, houve variações importantes entre prática e ideologia.Conheço a interessante tese de Manuel de Lucena: o salazarismo como um fascismo sem movimento. E a ser fascismo, seria realmente isso. Mas, para mim, falar de fascismo sem partido de massas militante é aceitar uma noção tão difusa de fascismo que pode confundir-se com qualquer tipo de autoritarismo nacionalista de direita. Implica pôr de lado à partida aquelas que me parecem as questões centrais que essa ideologia coloca à história: a relação entre o chefe e o partido, entre o partido e o Estado. Implica esquecer que Salazar não rejeitou apenas a criação de um partido fascista, mas também o culto do estatismo totalitário amoral, o culto do chefe carismático acima do direito e da razão e em relação directa com a multidão. Construiu o regime (sobretudo e na maior parte do tempo) noutras bases.Para mim não faz sentido ignorar que houve uma série de regime autoritários de direita que rejeitaram e reprimiram movimentos fascistas. Em Portugal, mas também na Áustria, na Roménia, na Hungria, as ditaduras de direita no poder reprimiram os partidos que imitavam explicitamente o fascismo italiano, dos «nossos» Camisas Azuis até à Guarda de Ferro. Estes fascistas genuínos, como era o caso de Rolão Preto, criticavam os ditos regimes como "centristas", moles, de meias-tintas. Em 1937, Salazar deu-se ao trabalho de publicar em francês para a Expo de Paris – a montra de todos os regimes europeus da época – um panfleto (traduzido sob o título Como se Levanta um Estado?) em que se demarca explicitamente do totalitarismo italiano e alemão.Tal como o João Almeida, estou próximo das teses de Fernando Rosas quanto ao pluralismo (naturalmente com limites - desde logo a aceitação do poder ditatorial de Salazar - e inviesado para a direita) do salazarismo, em que conviveram diferentes tendências com mais ou menos peso em alturas ou áreas distintas. Os nacional-sindicalistas (ou fascistas portugueses) que aceitaram submeter-se a Salazar eram apenas uma dessas correntes que pesavam, mais ou menos, no Estado Novo. E esta corrente até teve relativamente pouco peso, se exceptuarmos o período da Guerra Civil de Espanha que constituiu um perigo iminente e vital para o regime e originou, por exemplo, o campo de concentração do Tarrafal e um investimento crescente na PVDE, antecessora directa da PIDE. Além disso, é preciso considerar que alguns dos membros mais destacados desta corrente nacional sindicalista evoluíram depois para posições diferentes, tal foi o caso, famosamente, de Marcelo Caetano.Se calhar isto é muito confuso para certas mentes desejosas de um passado (e futuro?) a preto e branco, que preferem a equação simples: mau em política = fascista. De acordo com essa lógica assistismos agora ao espetáculo cómico dos pós-trotskistas neo-conservadores norte-americanos (o pós-trotskismo não é exclusivo do nosso Bloco de Esquerda!) a colocarem na boca de Bush a ideia de «fascismo islâmico». A ideia de que os ditadores têm de ser em tudo maus (não podem alfabetizar, electrificar ou construir auto-estradas) e serão sempre fascistas é uma ilusão confortável mas perigosa. Alimentar essa ilusão é um frete a que a História não se deve prestar.LEITURAS RECOMENDAS: Dois volumes de síntese, do melhor da historiografia recente, fazem da crise do liberalismo no período entre as duas guerras um tema central: A Era dos Extremos de Eric Hobsbawm e, sobretudo, o magnífico Dark Continent de Mark Mazower (inexplicavelmente por traduzir em Portugal). Para aprofundar o tema do fascismo a amplíssima antologia comentada de Roger Griffin parece-me imbatível. António Costa Pinto escreveu dois livros essenciais sobre a relação entre Salazar e o Fascismo. E Robert Paxton veio renovar o tema no excelente The Anatomy of Fascism, em que dá a devida relevância ao conflito entre Salazar e os Camisas Azuis.

Por especial e esplanado pedido aqui vai... Concordo com o Daniel Melo que uma coisa é o Fascismo italiano como regime e realidade histórica, outra o fascismo genérico, ou seja, a corrente ideológica que se pode deduzir desse modelo italiano. Qualquer tentativa de definir uma ideologia apresenta dificuldades e provoca inevitáveis controvérsias. Mas o fascismo é, por exemplo face ao comunismo, particularmente difícil de definir. Porque, mesmo quando se pensa apenas em Itália, escasseia material doutrinal e abunda o pragmatismo do regime. Não sou, no entanto, dos que consideram que fascismo só em Itália: precisamente porque, também aí, houve variações importantes entre prática e ideologia.Conheço a interessante tese de Manuel de Lucena: o salazarismo como um fascismo sem movimento. E a ser fascismo, seria realmente isso. Mas, para mim, falar de fascismo sem partido de massas militante é aceitar uma noção tão difusa de fascismo que pode confundir-se com qualquer tipo de autoritarismo nacionalista de direita. Implica pôr de lado à partida aquelas que me parecem as questões centrais que essa ideologia coloca à história: a relação entre o chefe e o partido, entre o partido e o Estado. Implica esquecer que Salazar não rejeitou apenas a criação de um partido fascista, mas também o culto do estatismo totalitário amoral, o culto do chefe carismático acima do direito e da razão e em relação directa com a multidão. Construiu o regime (sobretudo e na maior parte do tempo) noutras bases.Para mim não faz sentido ignorar que houve uma série de regime autoritários de direita que rejeitaram e reprimiram movimentos fascistas. Em Portugal, mas também na Áustria, na Roménia, na Hungria, as ditaduras de direita no poder reprimiram os partidos que imitavam explicitamente o fascismo italiano, dos «nossos» Camisas Azuis até à Guarda de Ferro. Estes fascistas genuínos, como era o caso de Rolão Preto, criticavam os ditos regimes como "centristas", moles, de meias-tintas. Em 1937, Salazar deu-se ao trabalho de publicar em francês para a Expo de Paris – a montra de todos os regimes europeus da época – um panfleto (traduzido sob o título Como se Levanta um Estado?) em que se demarca explicitamente do totalitarismo italiano e alemão.Tal como o João Almeida, estou próximo das teses de Fernando Rosas quanto ao pluralismo (naturalmente com limites - desde logo a aceitação do poder ditatorial de Salazar - e inviesado para a direita) do salazarismo, em que conviveram diferentes tendências com mais ou menos peso em alturas ou áreas distintas. Os nacional-sindicalistas (ou fascistas portugueses) que aceitaram submeter-se a Salazar eram apenas uma dessas correntes que pesavam, mais ou menos, no Estado Novo. E esta corrente até teve relativamente pouco peso, se exceptuarmos o período da Guerra Civil de Espanha que constituiu um perigo iminente e vital para o regime e originou, por exemplo, o campo de concentração do Tarrafal e um investimento crescente na PVDE, antecessora directa da PIDE. Além disso, é preciso considerar que alguns dos membros mais destacados desta corrente nacional sindicalista evoluíram depois para posições diferentes, tal foi o caso, famosamente, de Marcelo Caetano.Se calhar isto é muito confuso para certas mentes desejosas de um passado (e futuro?) a preto e branco, que preferem a equação simples: mau em política = fascista. De acordo com essa lógica assistismos agora ao espetáculo cómico dos pós-trotskistas neo-conservadores norte-americanos (o pós-trotskismo não é exclusivo do nosso Bloco de Esquerda!) a colocarem na boca de Bush a ideia de «fascismo islâmico». A ideia de que os ditadores têm de ser em tudo maus (não podem alfabetizar, electrificar ou construir auto-estradas) e serão sempre fascistas é uma ilusão confortável mas perigosa. Alimentar essa ilusão é um frete a que a História não se deve prestar.LEITURAS RECOMENDAS: Dois volumes de síntese, do melhor da historiografia recente, fazem da crise do liberalismo no período entre as duas guerras um tema central: A Era dos Extremos de Eric Hobsbawm e, sobretudo, o magnífico Dark Continent de Mark Mazower (inexplicavelmente por traduzir em Portugal). Para aprofundar o tema do fascismo a amplíssima antologia comentada de Roger Griffin parece-me imbatível. António Costa Pinto escreveu dois livros essenciais sobre a relação entre Salazar e o Fascismo. E Robert Paxton veio renovar o tema no excelente The Anatomy of Fascism, em que dá a devida relevância ao conflito entre Salazar e os Camisas Azuis.

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