E o esplendor dos mapas: Vitórias à esquerda

15-06-2005
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A esquerda teve uma vitória esplendorosa nestas eleições. Como era previsível e eu escrevi após a dissolução da Assembleia da República por Jorge Sampaio, a deslocação do PS para um centro em estado de choque com o santanismo abria caminho ao Bloco e ao PCP. Mas estes partidos não se limitaram a ocupar um espaço esvaziado por Sócrates: mostraram capacidade de intervenção.Jerónimo de Sousa foi o rosto certo para o partido certo no momento certo. Provada que estava a incapacidade do PCP para absorver críticos ou disputar novas franjas do eleitorado ao Bloco de Esquerda, o que havia a fazer era mobilizar os eleitores tradicionais do PCP. O que o PCP fez bem feito.O Bloco de Esquerda revelou uma enorme capacidade de captar o descontentamento contra o sistema. O rótulo de «trotskysta» que Paulo Portas lhe cuspiu para cima na noite eleitoral não cola e é mais um indicador da sua falta de percepção da actual dinâmica política na sociedade portuguesa. A característica mais saliente do Bloco neste momento é a sua diversidade abrangendo veteranos do processo revolucionário num leque inclusivo de ex-militantes de partidos maoístas rivais (como Luís Fazenda e Fernando Rosas), ex-PCP (como Miguel Portas) e pessoas demasiado novas para estarem na política activa durante o período fundador da democracia portuguesa, como Ana Drago ou Daniel Oliveira (o qual se assume como social-democrata). Francisco Louçã, o maior representante do veio «trotskysta» propriamente dito do Bloco, sem cortar afectiva e simbolicamente com o seu passado, possui uma notória capacidade de evolução e de adaptação. A tão comentada «gaffe» entende-se como um resvalo de um discurso em movimento que já se dirigiu prioritariamente a jovens e a minorias e agora avança para o homem comum que paga demasiados impostos e teme pelo seu emprego ou frágil protecção social. A sua afirmação de que não colocava «objecções» ao dia de luto nacional pela morte da irmã Lúcia é um salto surpreendente.Não faltaram vozes à direita a desvalorizar a vitória do Bloco face à maioria absoluta do PS. E a assinalar o seu fracasso em tornar-se a terceira força política ou em evitar a maioria absoluta do Partido Socialista. Mas este fracasso explica-se pela capacidade de resistência do PCP e pela implosão do PSD. As expectativas iniciais eram que aqueles dois objectivos fossem atingidos mesmo no caso de uma menor votação no Bloco, a qual praticamente triplicou nestas eleições. Para mim, não é líquido que uma maioria relativa do PS favorecesse o Bloco. O PCP atacá-lo-ia logo que viabilizasse uma proposta do Governo e o PS culpabilizá-lo-ia como «força de bloqueio» quando lhe fizesse oposição.A outra alternativa, que era participar num Governo de coligação, não estava no seu horizonte e ia travar o seu crescimento. Nestas circunstâncias, o Bloco pode criticar duramente o Poder, disputando o eleitorado ao PCP, sem ser acusado de boicotar um Governo de esquerda e de favorecer a direita. Há quem veja nesta situação irresponsabilidade e inconsequência. Não necessariamente. Tudo depende de como o PS e o Bloco perspectivarem a sua actuação para o próximo acto eleitoral. A repetição da maioria absoluta vai ser improvável. Se o PS ignorar o Bloco como um «grupo de pressão» durante a próxima legislatura vai ser comprimido, daqui a quatro anos, entre um Bloco cada vez mais poderoso à sua esquerda e uma direita recomposta. Se o Bloco enveredar por uma crítica contundente mas construtiva do PS poderá, nas próximas eleições, participar num Governo de coligação, com um peso que lhe permita resistir a um «beijo de morte» e influenciar de facto o sistema político português. Em política não há determinismos. Tudo dependerá da vontade e capacidade dos políticos.


A esquerda teve uma vitória esplendorosa nestas eleições. Como era previsível e eu escrevi após a dissolução da Assembleia da República por Jorge Sampaio, a deslocação do PS para um centro em estado de choque com o santanismo abria caminho ao Bloco e ao PCP. Mas estes partidos não se limitaram a ocupar um espaço esvaziado por Sócrates: mostraram capacidade de intervenção.Jerónimo de Sousa foi o rosto certo para o partido certo no momento certo. Provada que estava a incapacidade do PCP para absorver críticos ou disputar novas franjas do eleitorado ao Bloco de Esquerda, o que havia a fazer era mobilizar os eleitores tradicionais do PCP. O que o PCP fez bem feito.O Bloco de Esquerda revelou uma enorme capacidade de captar o descontentamento contra o sistema. O rótulo de «trotskysta» que Paulo Portas lhe cuspiu para cima na noite eleitoral não cola e é mais um indicador da sua falta de percepção da actual dinâmica política na sociedade portuguesa. A característica mais saliente do Bloco neste momento é a sua diversidade abrangendo veteranos do processo revolucionário num leque inclusivo de ex-militantes de partidos maoístas rivais (como Luís Fazenda e Fernando Rosas), ex-PCP (como Miguel Portas) e pessoas demasiado novas para estarem na política activa durante o período fundador da democracia portuguesa, como Ana Drago ou Daniel Oliveira (o qual se assume como social-democrata). Francisco Louçã, o maior representante do veio «trotskysta» propriamente dito do Bloco, sem cortar afectiva e simbolicamente com o seu passado, possui uma notória capacidade de evolução e de adaptação. A tão comentada «gaffe» entende-se como um resvalo de um discurso em movimento que já se dirigiu prioritariamente a jovens e a minorias e agora avança para o homem comum que paga demasiados impostos e teme pelo seu emprego ou frágil protecção social. A sua afirmação de que não colocava «objecções» ao dia de luto nacional pela morte da irmã Lúcia é um salto surpreendente.Não faltaram vozes à direita a desvalorizar a vitória do Bloco face à maioria absoluta do PS. E a assinalar o seu fracasso em tornar-se a terceira força política ou em evitar a maioria absoluta do Partido Socialista. Mas este fracasso explica-se pela capacidade de resistência do PCP e pela implosão do PSD. As expectativas iniciais eram que aqueles dois objectivos fossem atingidos mesmo no caso de uma menor votação no Bloco, a qual praticamente triplicou nestas eleições. Para mim, não é líquido que uma maioria relativa do PS favorecesse o Bloco. O PCP atacá-lo-ia logo que viabilizasse uma proposta do Governo e o PS culpabilizá-lo-ia como «força de bloqueio» quando lhe fizesse oposição.A outra alternativa, que era participar num Governo de coligação, não estava no seu horizonte e ia travar o seu crescimento. Nestas circunstâncias, o Bloco pode criticar duramente o Poder, disputando o eleitorado ao PCP, sem ser acusado de boicotar um Governo de esquerda e de favorecer a direita. Há quem veja nesta situação irresponsabilidade e inconsequência. Não necessariamente. Tudo depende de como o PS e o Bloco perspectivarem a sua actuação para o próximo acto eleitoral. A repetição da maioria absoluta vai ser improvável. Se o PS ignorar o Bloco como um «grupo de pressão» durante a próxima legislatura vai ser comprimido, daqui a quatro anos, entre um Bloco cada vez mais poderoso à sua esquerda e uma direita recomposta. Se o Bloco enveredar por uma crítica contundente mas construtiva do PS poderá, nas próximas eleições, participar num Governo de coligação, com um peso que lhe permita resistir a um «beijo de morte» e influenciar de facto o sistema político português. Em política não há determinismos. Tudo dependerá da vontade e capacidade dos políticos.

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