Corta-fitas

17-04-2008
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Pomar e Lobo Antunes roçavam por vezes o inaudível, de quando em quando ignoravam mesmo o microfone. "É natural que as vozes se ouçam mal porque não é fácil para nós estar aqui. Estou a partilhar com pessoas que não conheço sobre uma pessoa que eu amava", esclareceu o escritor. Antes, já ele confessara sobre esse amor sentido pelo autor de Alexandra Alpha: "Não sei distinguir entre o amor e amizade." Ele e o amigo sempre de braço dado pelas ruas, não mencionando nunca os seus livros ("os livros são como o amor, faz-se mas não se fala") mas discutindo futebol, Cardoso Pires esclarecendo: "Não sou do Benfica, sou do Nené", e também "para ser amigo de um artista tenho de o admirar".

A amizade entre Cardoso Pires e Pomar nasceu nos bancos do Liceu Camões, que abandonavam para espreitar as raparigas à saída das aulas da António Arroio. Com Lobo Antunes, o primeiro encontro deu-se no aeroporto: "Ele disse-me: 'Ouvi dizer que te foram dizer que eu dizia mal de ti. Não é verdade.' Ficámos instantaneamente amigos de infância" e, depois, "nunca tivemos a sombra sequer de uma discussão."

Assim iam traçando, umas vezes mais a custo do que outras, o retrato do amigo: o Zé escrevendo na sua mesa triangular de uma varanda sobre a praia de Caparica, o Zé de uma generosidade imensa para com as pessoas de quem gostava, o Zé que, ao contrário de Lobo Antunes, detestava comida de avião e apreciava "chocos, ovas, coisas assim", o Zé que gostava de andar à pancada, "de uma coragem física imensa", o Zé extremamente solitário entre a multidão, lá dentro "um núcleo de trevas impartilhável".

Foi aliás a solidão que deu o mote para a outra lição recebida, a que se entremeava pelas memórias e tornou a tarde ainda mais singular, uma aprendizagem sobre a solitária tarefa oficinal da criação, seja ela um quadro ou um romance; desenhar, apagar e desenhar de novo; escrever, apagar e escrever de novo. O pintor e o escritor. Sempre sós, mas ali naquele momento juntos. Como antes, quando eram três. (Ler mais aqui)

Pomar e Lobo Antunes roçavam por vezes o inaudível, de quando em quando ignoravam mesmo o microfone. "É natural que as vozes se ouçam mal porque não é fácil para nós estar aqui. Estou a partilhar com pessoas que não conheço sobre uma pessoa que eu amava", esclareceu o escritor. Antes, já ele confessara sobre esse amor sentido pelo autor de Alexandra Alpha: "Não sei distinguir entre o amor e amizade." Ele e o amigo sempre de braço dado pelas ruas, não mencionando nunca os seus livros ("os livros são como o amor, faz-se mas não se fala") mas discutindo futebol, Cardoso Pires esclarecendo: "Não sou do Benfica, sou do Nené", e também "para ser amigo de um artista tenho de o admirar".

A amizade entre Cardoso Pires e Pomar nasceu nos bancos do Liceu Camões, que abandonavam para espreitar as raparigas à saída das aulas da António Arroio. Com Lobo Antunes, o primeiro encontro deu-se no aeroporto: "Ele disse-me: 'Ouvi dizer que te foram dizer que eu dizia mal de ti. Não é verdade.' Ficámos instantaneamente amigos de infância" e, depois, "nunca tivemos a sombra sequer de uma discussão."

Assim iam traçando, umas vezes mais a custo do que outras, o retrato do amigo: o Zé escrevendo na sua mesa triangular de uma varanda sobre a praia de Caparica, o Zé de uma generosidade imensa para com as pessoas de quem gostava, o Zé que, ao contrário de Lobo Antunes, detestava comida de avião e apreciava "chocos, ovas, coisas assim", o Zé que gostava de andar à pancada, "de uma coragem física imensa", o Zé extremamente solitário entre a multidão, lá dentro "um núcleo de trevas impartilhável".

Foi aliás a solidão que deu o mote para a outra lição recebida, a que se entremeava pelas memórias e tornou a tarde ainda mais singular, uma aprendizagem sobre a solitária tarefa oficinal da criação, seja ela um quadro ou um romance; desenhar, apagar e desenhar de novo; escrever, apagar e escrever de novo. O pintor e o escritor. Sempre sós, mas ali naquele momento juntos. Como antes, quando eram três. (Ler mais aqui)

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