Cantinho dos devaneios: O Coleccionador – parte V

29-06-2009
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(Continuação de O Coleccionador – parte I, parte II, parte III e parte IV) Ligou a máquina no modo de visualização e o mostrador iluminou-se com a última foto que tinha tirado. Não, não queria ainda ver a última, gostava de rever as fotos pela ordem em que tinham sido tiradas, por isso pressionou mais alguns botões e começou a passar as fotos uma a uma. A mulher que sobe apressadamente a avenida, o condutor que gesticula em protesto contra outro condutor, a mulher que corre carregada de sacos para apanhar o autocarro… … Senhora Amélia Antunes, gabinete três… … a professora que lidera uma fila indiana de crianças, a fila indiana, a criança reguila que teima em sair da fila, a outra professora que fecha a fila indiana, o homem que faz sinal a um táxi, o sem abrigo que dorme indiferente num dos bancos de jardim que ladeiam a avenida… … Senhora Joana Mendonça, gabinete um… … dois adolescentes que falam animadamente e sem pressa de chegar a casa, o arrumador de carros que faz sinal junto a uma interrupção no contínuo de carros estacionados, o condutor que meio dentro do carro buzina para que lhe venham desimpedir o caminho de saída do local onde estacionou… Repentinamente um clarão inundou a sala de espera. Levantou os olhos em direcção à porta de entrada a tempo de ver a silhueta fugaz de um homem que, no corredor do lado de fora da sala, inicia o percurso em direcção à saída do consultório. Reconhece naquela silhueta a mesma cara que ao longo dos últimos dias vira inúmeras vezes nas onze fotos que aquele software tinha identificado no computador de casa. Num impulso meteu a máquina fotográfica na mochila e correu em direcção à porta. Estranhou o facto de a mulher sentada dois lugares à sua esquerda também se ter levantado e correr atrás dele, mas para já a sua preocupação era apenas a de alcançar aquele homem. Atravessou a sala, percorreu o corredor em direcção à porta de saída do consultório, galgou os dois lanços de escadas que o separavam da saída do prédio e deteve-se no passeio da avenida. Apenas uma fracção de segundo depois a mulher imobilizou-se ofegante à sua esquerda, enquanto ambos olhavam para um lado e para o outro. “Ali!...” disse ele em voz alta, na certeza de que a mulher procurava exactamente o mesmo que ele. Correram os dois pela avenida acima em perseguição daquela figura que se afastava num passo apressado. Ao chegar perto do homem gritou-lhe “Espere!” e pegou-lhe no braço esquerdo, fazendo com que ele se virasse. Pararam os três encarando-se e medindo-se mutuamente. Ficaram ali imóveis durante alguns segundos, o homem com ar sereno, à espera, e eles os dois ainda ofegantes da perseguição. Percebendo que era a ele que cabia quebrar aquele impasse, fez uma última inspiração profunda e perguntou “Diga-me, o que foi fazer ali ao consultório? Também é coleccionador de caras?...” O homem olhou para os dois e sorriu. Retirou a pequena máquina fotográfica do bolso, carregou em alguns botões e virou-a de forma a mostrar-lhes a imagem onde os dois apareciam sentados na sala de espera. “Não, não sou coleccionador de caras nem de nomes, sou coleccionador de coleccionadores… e hoje apanhei dois de uma só vez!” Virou as costas e seguiu avenida acima no mesmo passo apressado. Fim


(Continuação de O Coleccionador – parte I, parte II, parte III e parte IV) Ligou a máquina no modo de visualização e o mostrador iluminou-se com a última foto que tinha tirado. Não, não queria ainda ver a última, gostava de rever as fotos pela ordem em que tinham sido tiradas, por isso pressionou mais alguns botões e começou a passar as fotos uma a uma. A mulher que sobe apressadamente a avenida, o condutor que gesticula em protesto contra outro condutor, a mulher que corre carregada de sacos para apanhar o autocarro… … Senhora Amélia Antunes, gabinete três… … a professora que lidera uma fila indiana de crianças, a fila indiana, a criança reguila que teima em sair da fila, a outra professora que fecha a fila indiana, o homem que faz sinal a um táxi, o sem abrigo que dorme indiferente num dos bancos de jardim que ladeiam a avenida… … Senhora Joana Mendonça, gabinete um… … dois adolescentes que falam animadamente e sem pressa de chegar a casa, o arrumador de carros que faz sinal junto a uma interrupção no contínuo de carros estacionados, o condutor que meio dentro do carro buzina para que lhe venham desimpedir o caminho de saída do local onde estacionou… Repentinamente um clarão inundou a sala de espera. Levantou os olhos em direcção à porta de entrada a tempo de ver a silhueta fugaz de um homem que, no corredor do lado de fora da sala, inicia o percurso em direcção à saída do consultório. Reconhece naquela silhueta a mesma cara que ao longo dos últimos dias vira inúmeras vezes nas onze fotos que aquele software tinha identificado no computador de casa. Num impulso meteu a máquina fotográfica na mochila e correu em direcção à porta. Estranhou o facto de a mulher sentada dois lugares à sua esquerda também se ter levantado e correr atrás dele, mas para já a sua preocupação era apenas a de alcançar aquele homem. Atravessou a sala, percorreu o corredor em direcção à porta de saída do consultório, galgou os dois lanços de escadas que o separavam da saída do prédio e deteve-se no passeio da avenida. Apenas uma fracção de segundo depois a mulher imobilizou-se ofegante à sua esquerda, enquanto ambos olhavam para um lado e para o outro. “Ali!...” disse ele em voz alta, na certeza de que a mulher procurava exactamente o mesmo que ele. Correram os dois pela avenida acima em perseguição daquela figura que se afastava num passo apressado. Ao chegar perto do homem gritou-lhe “Espere!” e pegou-lhe no braço esquerdo, fazendo com que ele se virasse. Pararam os três encarando-se e medindo-se mutuamente. Ficaram ali imóveis durante alguns segundos, o homem com ar sereno, à espera, e eles os dois ainda ofegantes da perseguição. Percebendo que era a ele que cabia quebrar aquele impasse, fez uma última inspiração profunda e perguntou “Diga-me, o que foi fazer ali ao consultório? Também é coleccionador de caras?...” O homem olhou para os dois e sorriu. Retirou a pequena máquina fotográfica do bolso, carregou em alguns botões e virou-a de forma a mostrar-lhes a imagem onde os dois apareciam sentados na sala de espera. “Não, não sou coleccionador de caras nem de nomes, sou coleccionador de coleccionadores… e hoje apanhei dois de uma só vez!” Virou as costas e seguiu avenida acima no mesmo passo apressado. Fim

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