Longe da vista, longe dos eleitores

29-02-2008
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Círculos eleitorais

Depois das campanhas, os eleitos voltam as costas àqueles que os escolheram

Longe da vista, longe dos eleitores

Alterar tamanho Os líderes partidários queixam-se frequentes vezes de que as pessoas se afastaram da política. Mas, e os políticos? Será que eles também não se afastaram das pessoas? Durante a última campanha eleitoral para as legislativas, há dois anos, nenhum distrito escapou às promessas dos cabeças-de-lista de candidatos a deputados, preocupados em resolver os problemas das populações. Algumas semanas depois, já era preciso procurar nos lugares secundários das listas os nomes dos políticos que ainda davam a cara pelas promessas. Os líderes partidários queixam-se frequentes vezes de que as pessoas se afastaram da política. Mas, e os políticos? Será que eles também não se afastaram das pessoas? Durante a última campanha eleitoral para as legislativas, há dois anos, nenhum distrito escapou às promessas dos cabeças-de-lista de candidatos a deputados, preocupados em resolver os problemas das populações. Algumas semanas depois, já era preciso procurar nos lugares secundários das listas os nomes dos políticos que ainda davam a cara pelas promessas. Luís Braga da Cruz (cabeça-de-lista do PS pelo Porto) já não está sequer na Assembleia da República. Em Leiria, há quem pergunte o que é que Teresa Caeiro (CDS) tem feito pelo distrito. Luís Amado (PS) foi eleito pelo círculo de Viana do Castelo, mas depois das eleições só o viram lá como ministro dos Negócios Estrangeiros. E Luís Filipe Menezes (PSD) nem sequer chegou a pensar em trocar o lugar de autarca em Gaia pelo cargo de deputado do seu círculo de Braga. E não são muitos os deputados que mantêm o hábito de continuar a percorrer as ruas das regiões que os elegeram para ouvir a voz das pessoas. E parecem ser ainda menos as pessoas que ainda acreditam no papel representativo dos seus eleitos. O grande problema, diz Jorge Fão, deputado socialista em Viana do Castelo, é que as pessoas sabem que os deputados não têm poder executivo, nem sequer grande capacidade decisória: “Há muita dificuldade em ter uma resposta para o problema em tempo útil, no imediato”. Por outro lado, a falta de visibilidade mediática dos deputados de círculos do interior do país retira ainda mais peso ao cargo político. E deixa os deputados na situação de caixa de ressonância das máquinas partidárias, fragilizando a sua posição junto daqueles que os elegeram. Mas também há exemplos de proximidade entre eleitores e eleitos, e deputados que fazem esforço por não perder tracção à realidade. Em Cerva, uma freguesia de Ribeira de Pena, não há quem não conheça a professora Helena. E agora, também, a deputada socialista pelo círculo de Vila Real. Helena Rodrigues é professora do 1º ciclo, Ivo Gomes, comandante dos bombeiros locais, define-a como uma senhora simpática, atenciosa, e que não se esqueceu de quem a elegeu. Em Braga, o socialista Miguel Laranjeiro conseguiu uma sala no Governo Civil para os deputados atenderem os eleitores, e em Faro os colegas de partido cotizaram-se para pagar um espaço semelhante para ouvir os pedidos das pessoas. Nos círculos mais populosos, como Lisboa e Porto, os deputados dos pequenos partidos multiplicam-se em iniciativas para compensar o escasso número de representantes. Numa altura em que se discute a alteração da lei eleitoral, os parlamentares estão divididos sobre a utilidade e a eficácia da criação de círculos uninominais (que permitissem a responsabilização dos eleitos por aqueles que os elegem directamente). Mas num aspecto todos parecem estar de acordo: é preciso fazer alguma coisa para aproximar os dois elementos desta equação.

Ricardo Jorge Pinto, com Eduarda Freitas e Miguel Conde Coutinho

Fotos Rui Duarte Silva

Os que se preocupam... Alguns deputados puxam pela imaginação, e pelas despesas pessoais, para não perderem o contacto com a população que os elegeu António José Seguro cumpre o seu turno no gabinete de atendimento António José Seguro é um dos oito deputados (entre 230) que têm «site» na Internet. O socialista, eleito por Braga, tem até dificuldade em perceber porque é que quase ninguém o segue neste exemplo. “Recebo tantos pedidos de ajuda por esse meio...”. António José Seguro é um dos oito deputados (entre 230) que têm «site» na Internet. O socialista, eleito por Braga, tem até dificuldade em perceber porque é que quase ninguém o segue neste exemplo. “Recebo tantos pedidos de ajuda por esse meio...”. Mas este ‘grupo parlamentar’ minhoto não se limita a aproveitar o mundo virtual da Net. Com os pés assentes na terra, Miguel Laranjeiro, coordenador dos deputados do PS pelo distrito, foi falar com o governador civil de Braga e propôs a criação de um gabinete do deputado, aberto a todos os partidos, onde se possa receber os eleitores. Por turnos, os oito deputados socialistas pelo círculo usam as segundas-feiras para atender autarcas com problemas urbanísticos, professores com dúvidas legais, comerciantes com receios de segurança, militares com razões de queixa na progressão na carreira. Mas António José Seguro teve de pagar a construção da página na Internet do seu próprio bolso. E Laranjeiro lamenta que o Parlamento não tenha dinheiro para pagar a um funcionário que fique toda a semana a receber pessoas no gabinete do deputado. E tira do bolso uma edição miniatura da Constituição, para ler o artigo 155, que diz que aos deputados devem ser “garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores”. “Onde estão essas condições?”, pergunta Miguel Laranjeiro, enquanto olha para uma agenda preenchida com contactos prometidos a associações e instituições. Em Faro, os deputados socialistas também estão a experimentar a eficácia dos gabinetes de atendimento. E estão a fazer um significativo esforço financeiro para o manter activo. Neste caso, a sede do partido é o local de atendimento, à semelhança do que acontece no PS-Porto. Quem já fez essa experiência foi o PSD-Porto, mas o deputado Agostinho Branquinho duvida da sua eficácia. “As pessoas aparecem apenas esporadicamente, o que desmotiva os deputados”, diz o homem que já coordenou o núcleo parlamentar social-democrata no distrito. Agostinho Branquinho prefere realçar o efeito das visitas que os deputados do PSD eleitos pelo Porto fazem por todo o distrito, na primeira segunda-feira do mês. Mas este deputado conhece bem a dificuldade de não perder o contacto com as populações. “Passamos a semana quase toda em Lisboa. Se juntarmos a isso a actividade partidária e o tempo que temos de dedicar à família, sobra muito pouco tempo para os nossos círculos”. E esse esforço paga-se: “Ando há um mês para cortar o cabelo e não arranjo tempo...”. “Quem corre por gosto não cansa”, diz Ricardo Martins, deputado do PSD por Vila Real. E quando diz correr, quer dizer, literalmente, correr... Ricardo divide a semana por três locais: Lisboa, Lourinhã e Vila Real. A explicação é fácil: Ricardo é natural de Vila Real, onde sempre viveu, até este ano, altura em que a mulher, professora de Física e Química, contratada, foi colocada na Lourinhã. “Quase de um dia para o outro, tivemos que mudar de cidade”, conta. Assim, o recém-papá, não abdicou de ficar junto da mulher e do pequeno António. Por isso, vive na Lourinhã, desloca-se todos os dias para Lisboa, para estar no Parlamento, e regressa a Vila Real no fim-de-semana. E como fazem os cidadãos do distrito para falarem com o deputado? “Fácil. Não mudo de número de telemóvel há 8 anos. Não é difícil as pessoas arranjarem o meu contacto. E depois há sempre um amigo de um amigo que me conhece, ou o e-mail”, diz. Além de mais, ao fim-de-semana, entre um café e outro, há sempre muita gente que o interpela na rua.

... os que ninguém conhece... Nos grandes centros urbanos, os deputados são figuras anónimas que as pessoas não reconhecem quando se cruzam na rua Fernando Jesus esforça-se por responder às queixas de uma eleitora do Porto Manuela Vasconcelos olha desconfiada. “O deputado eleito pela Régua? Não, não conheço”, diz. E avança caminho. Nova insistência. “Quem? Jorge Almeida? Ah! O Jorginho!” Com os seus 82 anos, Manuela é agora, toda ela, a expressão da simpatia. “O Jorginho claro que sei quem é! É meu vizinho! Porta com porta”. Do Jorge deputado pouco sabe. Ou nada. Manuela Vasconcelos olha desconfiada. “O deputado eleito pela Régua? Não, não conheço”, diz. E avança caminho. Nova insistência. “Quem? Jorge Almeida? Ah! O Jorginho!” Com os seus 82 anos, Manuela é agora, toda ela, a expressão da simpatia. “O Jorginho claro que sei quem é! É meu vizinho! Porta com porta”. Do Jorge deputado pouco sabe. Ou nada. Esta situação de Jorge Almeida, deputado do PS por Vila Real, é o retrato de muitas outras situações em que os eleitores não sabem em quem votam. Apesar de os eleitos serem rostos familiares. Ao lado de Manuela, Fátima Ferraz segura-lhe o braço. É a dama de companhia. Também ela conhece bem Jorge Almeida. “Foi meu médico”, conta, orgulhosa e num sorriso de aprovação. “Deputado? Sei, mas já nem me lembrava... lá por Lisboa não sabemos o que ele faz. Preferia que continuasse por aqui”, diz sem hesitar. Outras vozes são mais acutilantes. Na edição do jornal da Régua, num artigo de opinião, pode ler-se: “Em casa de ferreiro, espeto de pau!” Isto referindo-se a Jorge Almeida, como deputado-médico, e à “falta de comparência à megamanifestação das gentes reguenses, fortemente indignadas com o fecho da sua Urgência Hospitalar!”. As palavras são de um reguense, Alfredo Guedes, que acusa o deputado de estar “do outro lado da barricada”. Mas o desconhecimento da identidade dos deputados é um problema ainda mais visível nos círculos muito populosos. No distrito do Porto, o contacto com os eleitores torna-se mais difícil e as relações políticas ficam mais impessoais. Neste caso, muitas vezes é a atitude proactiva dos eleitores que pode solucionar a questão. Não são frequentes, mas há exemplos de pessoas que se metem ao caminho para interpelar os seus eleitos. Maria José Arcos é uma delas. A comissão de utentes de Saúde do bairro do Aldoar, no Porto, que ela representa, queixa-se que a nova unidade de atendimento não está a funcionar como devia e resolveram apresentar um pedido de ajuda no gabinete de apoio aos cidadãos dos deputados do PS Porto. A representante da comissão confessa: “Vim aqui primeiro porque sabemos que o PS é o partido do Governo e por isso talvez haja maiores hipóteses de resolver o problema”. Fernando Jesus, coordenador dos deputados socialistas do Porto e o grande impulsionador da abertura do gabinete, admite que a percepção das pessoas vá nesse sentido: mais próximo do poder, maior capacidade de resolver os problemas. Mas a principal função de um deputado é, diz Fernando Jesus, “fazer de veículo de transporte dos problemas a quem pode resolvê-los”. Nestas situações, o esforço dos deputados para não se desligarem da realidade é muito maior. Alguns deputados dos círculos de Lisboa e do Porto podem ter mais visibilidade mediática, mas os outros lutam diariamente contra a invisibilidade junto daqueles que os elegeram e a quem querem responder. “Nós aqui contactamos realmente com as populações. Visitamos fábricas, associações, hospitais, estivemos em todo o concelho durante o último ano”, continua o deputado do PS. “Pode crer que logo que acabar esta reunião vou pegar no telefone e ligar à Administração Regional de Saúde para ver se é possível encontrar uma solução”, garante o deputado socialista. Pelo sim, pelo não, Maria José já decidiu que vai apresentar a reclamação junto de outras instâncias de poder. “Hoje em dia, o cargo de deputado é o parente pobre dos lugares clássicos de poder”, admite Fernando Jesus. A credibilidade dos deputados já teve melhores dias: “Somos o caixote do lixo da democracia”.

... e o drama dos pequenos Os deputados dos partidos menos votados não têm mãos a medir para as tarefas que os esperam. Os eleitores ficam mais longe Abel Baptista aproveita uma rádio local em Viana para falar aos seus eleitores “Então, estás de férias?” O deputado Abel Baptista, o único eleito pelo CDS-PP por Viana do Castelo, conta, bem-disposto, que quando algum conhecido o encontra na cidade, normalmente à segunda-feira - o dia destinado para os deputados contactarem com a região por onde são eleitos -, ouve muitas vezes esta pergunta. “Então, estás de férias?” O deputado Abel Baptista, o único eleito pelo CDS-PP por Viana do Castelo, conta, bem-disposto, que quando algum conhecido o encontra na cidade, normalmente à segunda-feira - o dia destinado para os deputados contactarem com a região por onde são eleitos -, ouve muitas vezes esta pergunta. “Sempre que me solicitam, eu tento estar presente. Admito que podia ser mais proactivo, mas muitas vezes sou eu que tomo a iniciativa: entro em contacto com as entidades, faço requerimentos, etc.”. O deputado do CDS sente-se desapoiado, sendo o único representante do seu partido no distrito. E por isso falta-lhe tempo para responder a todas as solicitações. Jorge Fão, deputado socialista de Viana do Castelo e que, com Abel Baptista, é comentador num programa mensal da rádio Alto Minho onde se costuma debater política nacional e local, reconhece também que as populações não costumam olhar para os deputados como alguém que pode ajudar na resolução de problemas. Mas este é um problema ainda mais grave para os pequenos partidos. Diogo Feio é um dos apenas dois deputados eleitos pelo CDS pelo círculo do Porto. Recentemente eleito líder da bancada parlamentar, Diogo ficou ainda com menos tempo para o atendimento aos eleitores. “Para os pequenos partidos é um verdadeiro drama. Temos de nos multiplicar em tarefas”, desabafa o parlamentar centrista, numa viagem da avião do Porto para Lisboa, na passada segunda-feira. Uma audiência parlamentar obrigou-o a ter que abdicar do dia em que deveria estar a falar com os eleitores. “Ainda volto hoje para o Porto, para amanhã regressar a Lisboa”. Estas dificuldades não são surpresa para os seus colegas do Bloco de Esquerda ou da CDU no Porto. Aos bloquistas vale o sistema de rotatividade para suportar fisicamente a acumulação de tarefas. E os comunistas gostam de elogiar a máquina partidária bem oleada que consegue pôr uma exígua equipa parlamentar a dar resposta às solicitações da população. Estas razões levam Diogo Feio a rejeitar a solução dos círculos uninominais: “Não tenho dúvida de que seria a morte dos pequenos partidos”. Um argumento que não convence, contudo, o socialista do Porto Fernando Jesus: “Aumenta a proximidade com os eleitores, e aumenta a responsabilidade”. Mesmo que uma eleição através deste método prejudique os pequenos partidos, “é preciso respeitar a vontade popular”. Abel Baptista, que sente na pele o isolamento no seu círculo, não partilha desta opinião e contesta os círculos uninominais: “O deputado passa a ser um embaixador do distrito e fica preocupado exclusivamente com a sua região. E aí o Parlamento passa a ser o somatório de interesses regionais. E o interesse nacional pode não ser o somatório dos interesses regionais”. Em Viana do Castelo, Daniel Campelo foi o exemplo vivo dessa situação, quando ficou conhecido como o “deputado do queijo limiano” por ajudar viabilizar um Orçamento do Estado do Executivo socialista de António Guterres em troca de privilégios para o seu concelho de Ponte de Lima. O exemplo de Campelo contribuiu para que o deputado do PSD por Leiria, Feliciano Barreiras Duarte, mudasse de opinião sobre os círculos uninominais: “Eu confesso que já fui um grande defensor, mas hoje penso que um sistema misto é o melhor. Pode contribuir para anular aspectos menos positivos. Mudei por causa do caso do Daniel Campelo. Com os círculos uninominais, alguns poderes localizados podem sobrepor-se ao interesse nacional. Sou contra o caciquismo e a entrada no Parlamento de pessoas com outros interesses que não o nacional”.

Círculos eleitorais

Depois das campanhas, os eleitos voltam as costas àqueles que os escolheram

Longe da vista, longe dos eleitores

Alterar tamanho Os líderes partidários queixam-se frequentes vezes de que as pessoas se afastaram da política. Mas, e os políticos? Será que eles também não se afastaram das pessoas? Durante a última campanha eleitoral para as legislativas, há dois anos, nenhum distrito escapou às promessas dos cabeças-de-lista de candidatos a deputados, preocupados em resolver os problemas das populações. Algumas semanas depois, já era preciso procurar nos lugares secundários das listas os nomes dos políticos que ainda davam a cara pelas promessas. Os líderes partidários queixam-se frequentes vezes de que as pessoas se afastaram da política. Mas, e os políticos? Será que eles também não se afastaram das pessoas? Durante a última campanha eleitoral para as legislativas, há dois anos, nenhum distrito escapou às promessas dos cabeças-de-lista de candidatos a deputados, preocupados em resolver os problemas das populações. Algumas semanas depois, já era preciso procurar nos lugares secundários das listas os nomes dos políticos que ainda davam a cara pelas promessas. Luís Braga da Cruz (cabeça-de-lista do PS pelo Porto) já não está sequer na Assembleia da República. Em Leiria, há quem pergunte o que é que Teresa Caeiro (CDS) tem feito pelo distrito. Luís Amado (PS) foi eleito pelo círculo de Viana do Castelo, mas depois das eleições só o viram lá como ministro dos Negócios Estrangeiros. E Luís Filipe Menezes (PSD) nem sequer chegou a pensar em trocar o lugar de autarca em Gaia pelo cargo de deputado do seu círculo de Braga. E não são muitos os deputados que mantêm o hábito de continuar a percorrer as ruas das regiões que os elegeram para ouvir a voz das pessoas. E parecem ser ainda menos as pessoas que ainda acreditam no papel representativo dos seus eleitos. O grande problema, diz Jorge Fão, deputado socialista em Viana do Castelo, é que as pessoas sabem que os deputados não têm poder executivo, nem sequer grande capacidade decisória: “Há muita dificuldade em ter uma resposta para o problema em tempo útil, no imediato”. Por outro lado, a falta de visibilidade mediática dos deputados de círculos do interior do país retira ainda mais peso ao cargo político. E deixa os deputados na situação de caixa de ressonância das máquinas partidárias, fragilizando a sua posição junto daqueles que os elegeram. Mas também há exemplos de proximidade entre eleitores e eleitos, e deputados que fazem esforço por não perder tracção à realidade. Em Cerva, uma freguesia de Ribeira de Pena, não há quem não conheça a professora Helena. E agora, também, a deputada socialista pelo círculo de Vila Real. Helena Rodrigues é professora do 1º ciclo, Ivo Gomes, comandante dos bombeiros locais, define-a como uma senhora simpática, atenciosa, e que não se esqueceu de quem a elegeu. Em Braga, o socialista Miguel Laranjeiro conseguiu uma sala no Governo Civil para os deputados atenderem os eleitores, e em Faro os colegas de partido cotizaram-se para pagar um espaço semelhante para ouvir os pedidos das pessoas. Nos círculos mais populosos, como Lisboa e Porto, os deputados dos pequenos partidos multiplicam-se em iniciativas para compensar o escasso número de representantes. Numa altura em que se discute a alteração da lei eleitoral, os parlamentares estão divididos sobre a utilidade e a eficácia da criação de círculos uninominais (que permitissem a responsabilização dos eleitos por aqueles que os elegem directamente). Mas num aspecto todos parecem estar de acordo: é preciso fazer alguma coisa para aproximar os dois elementos desta equação.

Ricardo Jorge Pinto, com Eduarda Freitas e Miguel Conde Coutinho

Fotos Rui Duarte Silva

Os que se preocupam... Alguns deputados puxam pela imaginação, e pelas despesas pessoais, para não perderem o contacto com a população que os elegeu António José Seguro cumpre o seu turno no gabinete de atendimento António José Seguro é um dos oito deputados (entre 230) que têm «site» na Internet. O socialista, eleito por Braga, tem até dificuldade em perceber porque é que quase ninguém o segue neste exemplo. “Recebo tantos pedidos de ajuda por esse meio...”. António José Seguro é um dos oito deputados (entre 230) que têm «site» na Internet. O socialista, eleito por Braga, tem até dificuldade em perceber porque é que quase ninguém o segue neste exemplo. “Recebo tantos pedidos de ajuda por esse meio...”. Mas este ‘grupo parlamentar’ minhoto não se limita a aproveitar o mundo virtual da Net. Com os pés assentes na terra, Miguel Laranjeiro, coordenador dos deputados do PS pelo distrito, foi falar com o governador civil de Braga e propôs a criação de um gabinete do deputado, aberto a todos os partidos, onde se possa receber os eleitores. Por turnos, os oito deputados socialistas pelo círculo usam as segundas-feiras para atender autarcas com problemas urbanísticos, professores com dúvidas legais, comerciantes com receios de segurança, militares com razões de queixa na progressão na carreira. Mas António José Seguro teve de pagar a construção da página na Internet do seu próprio bolso. E Laranjeiro lamenta que o Parlamento não tenha dinheiro para pagar a um funcionário que fique toda a semana a receber pessoas no gabinete do deputado. E tira do bolso uma edição miniatura da Constituição, para ler o artigo 155, que diz que aos deputados devem ser “garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores”. “Onde estão essas condições?”, pergunta Miguel Laranjeiro, enquanto olha para uma agenda preenchida com contactos prometidos a associações e instituições. Em Faro, os deputados socialistas também estão a experimentar a eficácia dos gabinetes de atendimento. E estão a fazer um significativo esforço financeiro para o manter activo. Neste caso, a sede do partido é o local de atendimento, à semelhança do que acontece no PS-Porto. Quem já fez essa experiência foi o PSD-Porto, mas o deputado Agostinho Branquinho duvida da sua eficácia. “As pessoas aparecem apenas esporadicamente, o que desmotiva os deputados”, diz o homem que já coordenou o núcleo parlamentar social-democrata no distrito. Agostinho Branquinho prefere realçar o efeito das visitas que os deputados do PSD eleitos pelo Porto fazem por todo o distrito, na primeira segunda-feira do mês. Mas este deputado conhece bem a dificuldade de não perder o contacto com as populações. “Passamos a semana quase toda em Lisboa. Se juntarmos a isso a actividade partidária e o tempo que temos de dedicar à família, sobra muito pouco tempo para os nossos círculos”. E esse esforço paga-se: “Ando há um mês para cortar o cabelo e não arranjo tempo...”. “Quem corre por gosto não cansa”, diz Ricardo Martins, deputado do PSD por Vila Real. E quando diz correr, quer dizer, literalmente, correr... Ricardo divide a semana por três locais: Lisboa, Lourinhã e Vila Real. A explicação é fácil: Ricardo é natural de Vila Real, onde sempre viveu, até este ano, altura em que a mulher, professora de Física e Química, contratada, foi colocada na Lourinhã. “Quase de um dia para o outro, tivemos que mudar de cidade”, conta. Assim, o recém-papá, não abdicou de ficar junto da mulher e do pequeno António. Por isso, vive na Lourinhã, desloca-se todos os dias para Lisboa, para estar no Parlamento, e regressa a Vila Real no fim-de-semana. E como fazem os cidadãos do distrito para falarem com o deputado? “Fácil. Não mudo de número de telemóvel há 8 anos. Não é difícil as pessoas arranjarem o meu contacto. E depois há sempre um amigo de um amigo que me conhece, ou o e-mail”, diz. Além de mais, ao fim-de-semana, entre um café e outro, há sempre muita gente que o interpela na rua.

... os que ninguém conhece... Nos grandes centros urbanos, os deputados são figuras anónimas que as pessoas não reconhecem quando se cruzam na rua Fernando Jesus esforça-se por responder às queixas de uma eleitora do Porto Manuela Vasconcelos olha desconfiada. “O deputado eleito pela Régua? Não, não conheço”, diz. E avança caminho. Nova insistência. “Quem? Jorge Almeida? Ah! O Jorginho!” Com os seus 82 anos, Manuela é agora, toda ela, a expressão da simpatia. “O Jorginho claro que sei quem é! É meu vizinho! Porta com porta”. Do Jorge deputado pouco sabe. Ou nada. Manuela Vasconcelos olha desconfiada. “O deputado eleito pela Régua? Não, não conheço”, diz. E avança caminho. Nova insistência. “Quem? Jorge Almeida? Ah! O Jorginho!” Com os seus 82 anos, Manuela é agora, toda ela, a expressão da simpatia. “O Jorginho claro que sei quem é! É meu vizinho! Porta com porta”. Do Jorge deputado pouco sabe. Ou nada. Esta situação de Jorge Almeida, deputado do PS por Vila Real, é o retrato de muitas outras situações em que os eleitores não sabem em quem votam. Apesar de os eleitos serem rostos familiares. Ao lado de Manuela, Fátima Ferraz segura-lhe o braço. É a dama de companhia. Também ela conhece bem Jorge Almeida. “Foi meu médico”, conta, orgulhosa e num sorriso de aprovação. “Deputado? Sei, mas já nem me lembrava... lá por Lisboa não sabemos o que ele faz. Preferia que continuasse por aqui”, diz sem hesitar. Outras vozes são mais acutilantes. Na edição do jornal da Régua, num artigo de opinião, pode ler-se: “Em casa de ferreiro, espeto de pau!” Isto referindo-se a Jorge Almeida, como deputado-médico, e à “falta de comparência à megamanifestação das gentes reguenses, fortemente indignadas com o fecho da sua Urgência Hospitalar!”. As palavras são de um reguense, Alfredo Guedes, que acusa o deputado de estar “do outro lado da barricada”. Mas o desconhecimento da identidade dos deputados é um problema ainda mais visível nos círculos muito populosos. No distrito do Porto, o contacto com os eleitores torna-se mais difícil e as relações políticas ficam mais impessoais. Neste caso, muitas vezes é a atitude proactiva dos eleitores que pode solucionar a questão. Não são frequentes, mas há exemplos de pessoas que se metem ao caminho para interpelar os seus eleitos. Maria José Arcos é uma delas. A comissão de utentes de Saúde do bairro do Aldoar, no Porto, que ela representa, queixa-se que a nova unidade de atendimento não está a funcionar como devia e resolveram apresentar um pedido de ajuda no gabinete de apoio aos cidadãos dos deputados do PS Porto. A representante da comissão confessa: “Vim aqui primeiro porque sabemos que o PS é o partido do Governo e por isso talvez haja maiores hipóteses de resolver o problema”. Fernando Jesus, coordenador dos deputados socialistas do Porto e o grande impulsionador da abertura do gabinete, admite que a percepção das pessoas vá nesse sentido: mais próximo do poder, maior capacidade de resolver os problemas. Mas a principal função de um deputado é, diz Fernando Jesus, “fazer de veículo de transporte dos problemas a quem pode resolvê-los”. Nestas situações, o esforço dos deputados para não se desligarem da realidade é muito maior. Alguns deputados dos círculos de Lisboa e do Porto podem ter mais visibilidade mediática, mas os outros lutam diariamente contra a invisibilidade junto daqueles que os elegeram e a quem querem responder. “Nós aqui contactamos realmente com as populações. Visitamos fábricas, associações, hospitais, estivemos em todo o concelho durante o último ano”, continua o deputado do PS. “Pode crer que logo que acabar esta reunião vou pegar no telefone e ligar à Administração Regional de Saúde para ver se é possível encontrar uma solução”, garante o deputado socialista. Pelo sim, pelo não, Maria José já decidiu que vai apresentar a reclamação junto de outras instâncias de poder. “Hoje em dia, o cargo de deputado é o parente pobre dos lugares clássicos de poder”, admite Fernando Jesus. A credibilidade dos deputados já teve melhores dias: “Somos o caixote do lixo da democracia”.

... e o drama dos pequenos Os deputados dos partidos menos votados não têm mãos a medir para as tarefas que os esperam. Os eleitores ficam mais longe Abel Baptista aproveita uma rádio local em Viana para falar aos seus eleitores “Então, estás de férias?” O deputado Abel Baptista, o único eleito pelo CDS-PP por Viana do Castelo, conta, bem-disposto, que quando algum conhecido o encontra na cidade, normalmente à segunda-feira - o dia destinado para os deputados contactarem com a região por onde são eleitos -, ouve muitas vezes esta pergunta. “Então, estás de férias?” O deputado Abel Baptista, o único eleito pelo CDS-PP por Viana do Castelo, conta, bem-disposto, que quando algum conhecido o encontra na cidade, normalmente à segunda-feira - o dia destinado para os deputados contactarem com a região por onde são eleitos -, ouve muitas vezes esta pergunta. “Sempre que me solicitam, eu tento estar presente. Admito que podia ser mais proactivo, mas muitas vezes sou eu que tomo a iniciativa: entro em contacto com as entidades, faço requerimentos, etc.”. O deputado do CDS sente-se desapoiado, sendo o único representante do seu partido no distrito. E por isso falta-lhe tempo para responder a todas as solicitações. Jorge Fão, deputado socialista de Viana do Castelo e que, com Abel Baptista, é comentador num programa mensal da rádio Alto Minho onde se costuma debater política nacional e local, reconhece também que as populações não costumam olhar para os deputados como alguém que pode ajudar na resolução de problemas. Mas este é um problema ainda mais grave para os pequenos partidos. Diogo Feio é um dos apenas dois deputados eleitos pelo CDS pelo círculo do Porto. Recentemente eleito líder da bancada parlamentar, Diogo ficou ainda com menos tempo para o atendimento aos eleitores. “Para os pequenos partidos é um verdadeiro drama. Temos de nos multiplicar em tarefas”, desabafa o parlamentar centrista, numa viagem da avião do Porto para Lisboa, na passada segunda-feira. Uma audiência parlamentar obrigou-o a ter que abdicar do dia em que deveria estar a falar com os eleitores. “Ainda volto hoje para o Porto, para amanhã regressar a Lisboa”. Estas dificuldades não são surpresa para os seus colegas do Bloco de Esquerda ou da CDU no Porto. Aos bloquistas vale o sistema de rotatividade para suportar fisicamente a acumulação de tarefas. E os comunistas gostam de elogiar a máquina partidária bem oleada que consegue pôr uma exígua equipa parlamentar a dar resposta às solicitações da população. Estas razões levam Diogo Feio a rejeitar a solução dos círculos uninominais: “Não tenho dúvida de que seria a morte dos pequenos partidos”. Um argumento que não convence, contudo, o socialista do Porto Fernando Jesus: “Aumenta a proximidade com os eleitores, e aumenta a responsabilidade”. Mesmo que uma eleição através deste método prejudique os pequenos partidos, “é preciso respeitar a vontade popular”. Abel Baptista, que sente na pele o isolamento no seu círculo, não partilha desta opinião e contesta os círculos uninominais: “O deputado passa a ser um embaixador do distrito e fica preocupado exclusivamente com a sua região. E aí o Parlamento passa a ser o somatório de interesses regionais. E o interesse nacional pode não ser o somatório dos interesses regionais”. Em Viana do Castelo, Daniel Campelo foi o exemplo vivo dessa situação, quando ficou conhecido como o “deputado do queijo limiano” por ajudar viabilizar um Orçamento do Estado do Executivo socialista de António Guterres em troca de privilégios para o seu concelho de Ponte de Lima. O exemplo de Campelo contribuiu para que o deputado do PSD por Leiria, Feliciano Barreiras Duarte, mudasse de opinião sobre os círculos uninominais: “Eu confesso que já fui um grande defensor, mas hoje penso que um sistema misto é o melhor. Pode contribuir para anular aspectos menos positivos. Mudei por causa do caso do Daniel Campelo. Com os círculos uninominais, alguns poderes localizados podem sobrepor-se ao interesse nacional. Sou contra o caciquismo e a entrada no Parlamento de pessoas com outros interesses que não o nacional”.

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