Cabo Raso: Cadelas apressadas

21-07-2005
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Do alto da sua já muito idosa sabedoria a minha mãe continua a dizer que as cadelas apressadas têm os filhos cegos. Nunca achei tanta piada e tão certa afirmação em nenhum outro provérbio ou adivinha. E ao fim acabo a concluir que, afinal, deve ser por isso que Portugal é um país de madraços onde tudo se faz sem pressa e a declaração do IRS pode ser sempre apresentada quando o ministro das finanças nos escrever a pedi-la. Apenas choca - já que estamos em época deles! - que a fama aproveite a uns e o proveito, genericamente, a todos.De facto quando aqui se acabou de escrever o vocábulo madraço estou certo que o país, até à raia do Alto Alentejo, desenhou mentalmente um chaparro no meio do montado e plantou-lhe dois compadres à sombra, digerindo o gaspacho e dormindo a sesta. Até à fronteira sul do Baixo Alentejo os compadres foram trocando impressões e largando palavrões, eventualmente à sombra de um qualquer chaparro crescido no meio da canícula, para acolher pardais e facilitar o descanso: não queres lá ver aqueles cabrões a meterem-se outra vez com a gente heim! Dali para baixo já pouco há que tenha resistido aos incêndios e à seca, a não ser o presidente da Câmara de Tavira. Preocupado com a seca nem tem opinião sobre o assunto, se calhar o Algarve nem sequer tem cadelas - salvo as de arribação! - e as que há foram laqueadas das trompas, nem sequer precisam da liberalização do aborto para nada.Isto para dizer que esta semana a Direcção Geral de Viação solicitou ao novo governo o protelamento da entrada em vigor do também novo código da estrada. Aquele que vai fazer dos madraços dos portugueses condutores exemplares: sabedores, experientes, transpirando civismo, cheirando à simpatia dos perfumes de Yves Saint Laurent. O que, como se sabe, fica muito mais barato do que construir estradas em condições, vendê-las ao Sr. José de Mello, isentá-lo de impostos e defender com unhas e dentes, como os economistas, o princípio universal do "utilizador-pagador". Ou, em alternativa, ensinar às criancinhas, nas poucas escolas que ainda permanecem abertas, que civismo não é dar pontapés nas canelas dos colegas e simpatia não é chamarem à família dos vizinhos nomes mais difíceis de pronunciar do que de aprender. E, já agora, fazer com que as pessoas obtenham a carta de condução não como quem vai à estrada da Póvoa comprar um molho de grelos de nabo, mas depois de aprender a conduzir um automóvel, sabendo os riscos que isso comporta e tendo consciência dos direitos e obrigações que isso confere.O novo governo, como também é do conhecimento público, recusou de imediato o adiamento solicitado e o Sr. Fernando Gomes, ex-presidente da Câmara do Porto e residente em Vila do Conde, que só escreve no Jornal de Notícias aos domingos, teve de esperar pelo dia de hoje para dizer que tinha sido muito bem decidido. Se o governo tivesse decidido o contrário ele diria exactamente a mesma coisa, com o inconveniente do leitor viciado e ansioso só poder saber o que vai na cabeça do Sr, Gomes de Vila do Conde quando, depois da missa, for ao quiosque da esquina comprar o jornal de domingo.Por mim, entregue à madrinha o ramo de oliveira, já com o jornal de domingo debaixo do braço, apavoro-me quando ouço que o novo governo está a trabalhar para produzir os regulamentos que ainda faltam para que, no dia 26, o novo código da estrada possa entrar em vigor. Primeiro porque me dá o fanico sempre que o governo diz que está a trabalhar, seja o governo aquele que for. No mínimo fico sempre naquela ansiedade assustada de que o tecto me desabe em cima da cabeça: o governo a trabalhar nunca foi para me fazer bem. Depois porque num país de madraços se deixa obviamente tudo para amanhã. Estes agora, para dar razão às isentas e coerentes opiniões do Sr. Gomes de Vila do Conde, hão-de apressadamente parir os filhos cegos!


Do alto da sua já muito idosa sabedoria a minha mãe continua a dizer que as cadelas apressadas têm os filhos cegos. Nunca achei tanta piada e tão certa afirmação em nenhum outro provérbio ou adivinha. E ao fim acabo a concluir que, afinal, deve ser por isso que Portugal é um país de madraços onde tudo se faz sem pressa e a declaração do IRS pode ser sempre apresentada quando o ministro das finanças nos escrever a pedi-la. Apenas choca - já que estamos em época deles! - que a fama aproveite a uns e o proveito, genericamente, a todos.De facto quando aqui se acabou de escrever o vocábulo madraço estou certo que o país, até à raia do Alto Alentejo, desenhou mentalmente um chaparro no meio do montado e plantou-lhe dois compadres à sombra, digerindo o gaspacho e dormindo a sesta. Até à fronteira sul do Baixo Alentejo os compadres foram trocando impressões e largando palavrões, eventualmente à sombra de um qualquer chaparro crescido no meio da canícula, para acolher pardais e facilitar o descanso: não queres lá ver aqueles cabrões a meterem-se outra vez com a gente heim! Dali para baixo já pouco há que tenha resistido aos incêndios e à seca, a não ser o presidente da Câmara de Tavira. Preocupado com a seca nem tem opinião sobre o assunto, se calhar o Algarve nem sequer tem cadelas - salvo as de arribação! - e as que há foram laqueadas das trompas, nem sequer precisam da liberalização do aborto para nada.Isto para dizer que esta semana a Direcção Geral de Viação solicitou ao novo governo o protelamento da entrada em vigor do também novo código da estrada. Aquele que vai fazer dos madraços dos portugueses condutores exemplares: sabedores, experientes, transpirando civismo, cheirando à simpatia dos perfumes de Yves Saint Laurent. O que, como se sabe, fica muito mais barato do que construir estradas em condições, vendê-las ao Sr. José de Mello, isentá-lo de impostos e defender com unhas e dentes, como os economistas, o princípio universal do "utilizador-pagador". Ou, em alternativa, ensinar às criancinhas, nas poucas escolas que ainda permanecem abertas, que civismo não é dar pontapés nas canelas dos colegas e simpatia não é chamarem à família dos vizinhos nomes mais difíceis de pronunciar do que de aprender. E, já agora, fazer com que as pessoas obtenham a carta de condução não como quem vai à estrada da Póvoa comprar um molho de grelos de nabo, mas depois de aprender a conduzir um automóvel, sabendo os riscos que isso comporta e tendo consciência dos direitos e obrigações que isso confere.O novo governo, como também é do conhecimento público, recusou de imediato o adiamento solicitado e o Sr. Fernando Gomes, ex-presidente da Câmara do Porto e residente em Vila do Conde, que só escreve no Jornal de Notícias aos domingos, teve de esperar pelo dia de hoje para dizer que tinha sido muito bem decidido. Se o governo tivesse decidido o contrário ele diria exactamente a mesma coisa, com o inconveniente do leitor viciado e ansioso só poder saber o que vai na cabeça do Sr, Gomes de Vila do Conde quando, depois da missa, for ao quiosque da esquina comprar o jornal de domingo.Por mim, entregue à madrinha o ramo de oliveira, já com o jornal de domingo debaixo do braço, apavoro-me quando ouço que o novo governo está a trabalhar para produzir os regulamentos que ainda faltam para que, no dia 26, o novo código da estrada possa entrar em vigor. Primeiro porque me dá o fanico sempre que o governo diz que está a trabalhar, seja o governo aquele que for. No mínimo fico sempre naquela ansiedade assustada de que o tecto me desabe em cima da cabeça: o governo a trabalhar nunca foi para me fazer bem. Depois porque num país de madraços se deixa obviamente tudo para amanhã. Estes agora, para dar razão às isentas e coerentes opiniões do Sr. Gomes de Vila do Conde, hão-de apressadamente parir os filhos cegos!

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