Só o turismo aproveitou 10 anos de Património Mundial do Centro Histórico do Porto

04-02-2008
marcar artigo

Cultura

Só o turismo aproveitou 10 anos de Património Mundial do Centro Histórico do Porto

O Centro Histórico do Porto completa domingo 10 anos de Património Mundial, classificação da UNESCO que abriu inúmeras oportunidades à cidade, só aproveitadas pelos operadores privados que encheram o Rio Douro de barcos turísticos.

Contactados pela agência Lusa, o historiador Hélder Pacheco, o empresário António Fonseca e os políticos Rui Rio e Fernando Gomes dividiram-se quanto à responsabilização pelas oportunidades perdidas nesta primeira década de Património Cultural da Humanidade, mas concordaram no efeito que a classificação teve no "boom" do turismo fluvial.

"Acho que conseguimos um título interessante e prestigiante para o Porto, e é um título que devemos defender. Mas não podemos viver só de títulos", disse o presidente social-democrata da Câmara do Porto, Rui Rio (PSD), acusando os executivos socialistas anteriores de terem "abandonado" o Centro Histórico.

Para Rui Rio, o título da UNESCO foi "importante para o turismo", mas "falhou o modelo de manutenção" do património edificado, tendo sido reabilitados apenas alguns imóveis.

"Não faz sentido que seja o Estado a fazer tudo. O modelo `soviético` não funcionou", disse, aludindo à reabilitação de edifícios exclusivamente à custa de dinheiros públicos que vigorou durante os executivos camarários de Fernando Gomes e Nuno Cardoso.

Rui Rio salientou que, ao longo de mais de 20 anos, o Comissariado para a Renovação Urbana da Área da Ribeira Barredo (CRUARB) apenas reabilitou algumas casas, o mesmo acontecendo com a Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto (FDZHP).

O CRUARB foi extinto por Rui Rio e a FDZHP foi reestruturada, passando a recuperação física da Zona Histórica a ser assumida por uma nova entidade, a Porto Vivo - Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) da Baixa do Porto, baseada num modelo de incentivo ao investimento privado em alternativa ao investimento público.

"É difícil dar vida ao Centro Histórico. É verdade que para a SRU será mais fácil atrair investimento para a Avenida dos Aliados do que para a Sé", reconheceu Rui Rio, admitindo que tenha de haver "algum incentivo público" para ajudar a reabilitar a zona histórica mais degradada e menos atraente para os investidores privados.

Opinião oposta tem o ex-presidente socialista da Câmara do Porto Fernando Gomes, para quem a extinção do CRUARB e o esvaziamento da FDZHP constituíram "uma machadada brutal em toda a dinâmica de recuperação" do Centro Histórico.

"Toda a dinâmica que se tinha criado morreu. A recuperação do Centro Histórico está parada. Corremos o risco de o Porto dar passos atrás", salientou Fernando Gomes, acusando o actual executivo de não estar a honrar os compromissos assumidos com a UNESCO.

Fernando Gomes, que presidia à Câmara do Porto no período entre a apresentação da candidatura (1993) e a classificação pela UNESCO (1996) como Património Mundial, admitiu que "é sempre possível reverter o actual processo" mas acrescentou que "à medida que o tempo passa, a recuperação torna-se mais difícil".

O ex-autarca realçou que, "por parte dos privados, tem havido alguma melhoria, sobretudo no turismo", nomeadamente nos restaurantes e bares e no investimento do Grupo Pestana no Hotel Carlton, na Ribeira, mas considerou que "o aproveitamento é muito pouco e não parece consistente".

O presidente da Associação de Bares e Discotecas da Zona Histórica do Porto, António Fonseca, também considera que "não foi tirado o devido aproveitamento" da classificação como Património Mundial.

"As câmaras do Porto e de Gaia deviam estar numa total convergência de esforços. Não podemos pensar só em turismo fluvial e hotelaria. É preciso que estas zonas sejam visitadas", afirmou António Fonseca, defendendo incentivos para a ocupação dos "muitos espaços da Zona Histórica que estão devolutos e ao abandono".

Para o empresário, "é preciso definir um planeamento específico" do que se pretende fazer para revitalizar os centros históricos do Porto e de Gaia, até para que "não fiquem à mercê de alguma criminalidade".

"Conseguiu-se a classificação, mas não há uma fiscalização da UNESCO. Há muito património que não está a ser salvaguardado", frisou.

Para o historiador Hélder Pacheco, autor de dezenas de livros sobre o Porto, a classificação da UNESCO "foi uma peça importante na estratégia de relançamento económico e cultural do Porto, mas pecou por não ter abrangido a margem esquerda", território do concelho de Gaia.

Hélder Pacheco destacou algumas obras de recuperação feitas na Zona Histórica, nomeadamente o desaterro do Postigo do Carvão, frente urbana da Ribeira, Muralha Fernandina, Muro dos Bacalhoeiros, a "redescoberta dos espaços medievais" na Casa do Infante e a requalificação da Rua das Algas, esta ainda antes da classificação da UNESCO.

O historiador lamentou, contudo, que não se tenha investido mais na recuperação da Zona Histórica, quer na componente física, de que exemplificou a torre medieval "degradada e abandonada" que existe no Infante, quer na vertente cultural e social.

"Recuperar as casas é o mais fácil. A regeneração do tecido social é que é mais difícil. As manchas de pobreza e envelhecimento continuam", sublinhou.

"A Porto 2001 morreu. Paz à sua alma. Se houve um milhão de contos [cinco milhões de euros] para construir o Edifício Transparente, um dinheiro perdido, também havia para recuperar o Centro Histórico", comentou Hélder Pacheco.

Para o professor de História do Porto, um efeito bem visível da classificação da UNESCO foi o desenvolvimento do turismo, principalmente de actividades que associam a zona histórica ao rio Douro.

"Assistimos a um verdadeiro `boom` turístico. Ando muito pelo Centro Histórico e vejo agora bastantes mais turistas a passear", salientou, acrescentando que, "há 10 anos, os dedos de uma mão chegavam para contar os barcos no rio", mas actualmente é contínua a circulação de embarcações repletas de turistas "a olharem para as margens".

Hélder Pacheco notou que a Ribeira se transformou "numa espécie de montra", onde todos os turistas afluem, mas, em sua opinião, seria desejável que outros pontos da Zona Histórica tivessem a mesma capacidade de atracção turística.

A área classificada como Património Cultural da Humanidade abrange toda a vila medieval no interior da Muralha Fernandina, construção do século XIV de que ainda restam algumas partes, bem como as ruas e praças mais típicas na Baixa do Porto.

A classificação incluiu também a Ponte D. Luiz I, projectada por um discípulo de Gustav Eiffel, Theophile Seyrig, cujo tabuleiro superior está agora a ser utilizado pelo Metro do Porto.

Demonstrando a ligação histórica que sempre existiu entre as duas margens do Douro, a UNESCO classificou também o edifício do Convento da Serra do Pilar, em Gaia, parcialmente utilizado por um regimento de artilharia.

Além da área classificada, foi definida uma área de protecção até aos limites da cidade medieval nos dois lados do rio, que inclui a antiga vila de Miragaia, as Fontaínhas, a encosta dos Guindais e as caves do Vinho do Porto, em Gaia.

Cultura

Só o turismo aproveitou 10 anos de Património Mundial do Centro Histórico do Porto

O Centro Histórico do Porto completa domingo 10 anos de Património Mundial, classificação da UNESCO que abriu inúmeras oportunidades à cidade, só aproveitadas pelos operadores privados que encheram o Rio Douro de barcos turísticos.

Contactados pela agência Lusa, o historiador Hélder Pacheco, o empresário António Fonseca e os políticos Rui Rio e Fernando Gomes dividiram-se quanto à responsabilização pelas oportunidades perdidas nesta primeira década de Património Cultural da Humanidade, mas concordaram no efeito que a classificação teve no "boom" do turismo fluvial.

"Acho que conseguimos um título interessante e prestigiante para o Porto, e é um título que devemos defender. Mas não podemos viver só de títulos", disse o presidente social-democrata da Câmara do Porto, Rui Rio (PSD), acusando os executivos socialistas anteriores de terem "abandonado" o Centro Histórico.

Para Rui Rio, o título da UNESCO foi "importante para o turismo", mas "falhou o modelo de manutenção" do património edificado, tendo sido reabilitados apenas alguns imóveis.

"Não faz sentido que seja o Estado a fazer tudo. O modelo `soviético` não funcionou", disse, aludindo à reabilitação de edifícios exclusivamente à custa de dinheiros públicos que vigorou durante os executivos camarários de Fernando Gomes e Nuno Cardoso.

Rui Rio salientou que, ao longo de mais de 20 anos, o Comissariado para a Renovação Urbana da Área da Ribeira Barredo (CRUARB) apenas reabilitou algumas casas, o mesmo acontecendo com a Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto (FDZHP).

O CRUARB foi extinto por Rui Rio e a FDZHP foi reestruturada, passando a recuperação física da Zona Histórica a ser assumida por uma nova entidade, a Porto Vivo - Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) da Baixa do Porto, baseada num modelo de incentivo ao investimento privado em alternativa ao investimento público.

"É difícil dar vida ao Centro Histórico. É verdade que para a SRU será mais fácil atrair investimento para a Avenida dos Aliados do que para a Sé", reconheceu Rui Rio, admitindo que tenha de haver "algum incentivo público" para ajudar a reabilitar a zona histórica mais degradada e menos atraente para os investidores privados.

Opinião oposta tem o ex-presidente socialista da Câmara do Porto Fernando Gomes, para quem a extinção do CRUARB e o esvaziamento da FDZHP constituíram "uma machadada brutal em toda a dinâmica de recuperação" do Centro Histórico.

"Toda a dinâmica que se tinha criado morreu. A recuperação do Centro Histórico está parada. Corremos o risco de o Porto dar passos atrás", salientou Fernando Gomes, acusando o actual executivo de não estar a honrar os compromissos assumidos com a UNESCO.

Fernando Gomes, que presidia à Câmara do Porto no período entre a apresentação da candidatura (1993) e a classificação pela UNESCO (1996) como Património Mundial, admitiu que "é sempre possível reverter o actual processo" mas acrescentou que "à medida que o tempo passa, a recuperação torna-se mais difícil".

O ex-autarca realçou que, "por parte dos privados, tem havido alguma melhoria, sobretudo no turismo", nomeadamente nos restaurantes e bares e no investimento do Grupo Pestana no Hotel Carlton, na Ribeira, mas considerou que "o aproveitamento é muito pouco e não parece consistente".

O presidente da Associação de Bares e Discotecas da Zona Histórica do Porto, António Fonseca, também considera que "não foi tirado o devido aproveitamento" da classificação como Património Mundial.

"As câmaras do Porto e de Gaia deviam estar numa total convergência de esforços. Não podemos pensar só em turismo fluvial e hotelaria. É preciso que estas zonas sejam visitadas", afirmou António Fonseca, defendendo incentivos para a ocupação dos "muitos espaços da Zona Histórica que estão devolutos e ao abandono".

Para o empresário, "é preciso definir um planeamento específico" do que se pretende fazer para revitalizar os centros históricos do Porto e de Gaia, até para que "não fiquem à mercê de alguma criminalidade".

"Conseguiu-se a classificação, mas não há uma fiscalização da UNESCO. Há muito património que não está a ser salvaguardado", frisou.

Para o historiador Hélder Pacheco, autor de dezenas de livros sobre o Porto, a classificação da UNESCO "foi uma peça importante na estratégia de relançamento económico e cultural do Porto, mas pecou por não ter abrangido a margem esquerda", território do concelho de Gaia.

Hélder Pacheco destacou algumas obras de recuperação feitas na Zona Histórica, nomeadamente o desaterro do Postigo do Carvão, frente urbana da Ribeira, Muralha Fernandina, Muro dos Bacalhoeiros, a "redescoberta dos espaços medievais" na Casa do Infante e a requalificação da Rua das Algas, esta ainda antes da classificação da UNESCO.

O historiador lamentou, contudo, que não se tenha investido mais na recuperação da Zona Histórica, quer na componente física, de que exemplificou a torre medieval "degradada e abandonada" que existe no Infante, quer na vertente cultural e social.

"Recuperar as casas é o mais fácil. A regeneração do tecido social é que é mais difícil. As manchas de pobreza e envelhecimento continuam", sublinhou.

"A Porto 2001 morreu. Paz à sua alma. Se houve um milhão de contos [cinco milhões de euros] para construir o Edifício Transparente, um dinheiro perdido, também havia para recuperar o Centro Histórico", comentou Hélder Pacheco.

Para o professor de História do Porto, um efeito bem visível da classificação da UNESCO foi o desenvolvimento do turismo, principalmente de actividades que associam a zona histórica ao rio Douro.

"Assistimos a um verdadeiro `boom` turístico. Ando muito pelo Centro Histórico e vejo agora bastantes mais turistas a passear", salientou, acrescentando que, "há 10 anos, os dedos de uma mão chegavam para contar os barcos no rio", mas actualmente é contínua a circulação de embarcações repletas de turistas "a olharem para as margens".

Hélder Pacheco notou que a Ribeira se transformou "numa espécie de montra", onde todos os turistas afluem, mas, em sua opinião, seria desejável que outros pontos da Zona Histórica tivessem a mesma capacidade de atracção turística.

A área classificada como Património Cultural da Humanidade abrange toda a vila medieval no interior da Muralha Fernandina, construção do século XIV de que ainda restam algumas partes, bem como as ruas e praças mais típicas na Baixa do Porto.

A classificação incluiu também a Ponte D. Luiz I, projectada por um discípulo de Gustav Eiffel, Theophile Seyrig, cujo tabuleiro superior está agora a ser utilizado pelo Metro do Porto.

Demonstrando a ligação histórica que sempre existiu entre as duas margens do Douro, a UNESCO classificou também o edifício do Convento da Serra do Pilar, em Gaia, parcialmente utilizado por um regimento de artilharia.

Além da área classificada, foi definida uma área de protecção até aos limites da cidade medieval nos dois lados do rio, que inclui a antiga vila de Miragaia, as Fontaínhas, a encosta dos Guindais e as caves do Vinho do Porto, em Gaia.

marcar artigo