divagações: Alberto Caeiro

14-07-2009
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Dizes-me: tu és mais alguma cousaQue uma pedra ou uma planta.Dizes-me: sentes, pensas e sabesQue pensas e sentes.Então as pedras escrevem versos?Então as plantas têm ideias sobre o mundo?Sim: há diferença.Mas não é a diferença que encontras;Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousasSó me obriga a ser consciente.Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.Ter consciência é mais que ter cor?Pode ser e pode não ser.Sei que é diferente apenas.Ninguém pode provar que é mais que só diferente.Sei que a pedra é real, e que a planta existe.Sei isto porque elas existem.Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.Sei que sou real também.Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.Não sei mais nada.Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.Sim, faço ideias sobre o mundo, e a planta nenhumas.Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;E as plantas são plantas só, e não pensadores.Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,Como que sou inferior.Mas não digo isso: digo da pedra, «é uma pedra»,Digo da planta, «é uma planta»,Digo de mim, «sou eu».E não digo mais nada. Que mais há a dizer?ALBERTO CAEIROPoemas InconjuntosPOESIAediçãoFernando Cabral MartinsRichard ZenithObras de Fernando PessoaAssírio & Alvim2001


Dizes-me: tu és mais alguma cousaQue uma pedra ou uma planta.Dizes-me: sentes, pensas e sabesQue pensas e sentes.Então as pedras escrevem versos?Então as plantas têm ideias sobre o mundo?Sim: há diferença.Mas não é a diferença que encontras;Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousasSó me obriga a ser consciente.Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.Ter consciência é mais que ter cor?Pode ser e pode não ser.Sei que é diferente apenas.Ninguém pode provar que é mais que só diferente.Sei que a pedra é real, e que a planta existe.Sei isto porque elas existem.Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.Sei que sou real também.Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.Não sei mais nada.Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.Sim, faço ideias sobre o mundo, e a planta nenhumas.Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;E as plantas são plantas só, e não pensadores.Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,Como que sou inferior.Mas não digo isso: digo da pedra, «é uma pedra»,Digo da planta, «é uma planta»,Digo de mim, «sou eu».E não digo mais nada. Que mais há a dizer?ALBERTO CAEIROPoemas InconjuntosPOESIAediçãoFernando Cabral MartinsRichard ZenithObras de Fernando PessoaAssírio & Alvim2001

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