Literatura Portuguesa do Século XX: Alexandre O'Neill

04-07-2009
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*MEDITAÇÃO NA PASTELARIAPor favor, Madame, tire as patas,Por favor, as patas do seu cãoDe cima da mesa, que a gerênciaAgradece.Nunca se sabe quando começa a insolência!Que tempo este, meu Deus, uma senhoraEstá sempre em perigo e o perigoEm cada rua, em cada olhar,Em cada sorriso ou gestoDe boa-educação!A inspecção irónica das pernas,Eis o que os homens sabem oferecer-nos,Inspecção demorada e ascendente,Acompanhada de assobiosE de sorrisos que se abrem e se fechamProcurando uma fresta, uma fraquezaQualquer da nossa parte...Mas uma senhora é uma senhora.Só vê a malícia quem a tem.Uma senhora passaE ladrar é o seu dever – se tanto for preciso!*O pó de arrozHorrível!O bâton:Igual!O amor de Raúl é já uma saudade,Foi sempre uma saudade...(O escritórioToma-lhe todo o tempo?Desconfio que não...)Filhos tivemos um:Desapareceu…E já nem sei chorar!*Chorar.. .Como eu queria poder chorar!Chorar encostada a uma saudadeBem maior do que eu,Que não fosse esta tristezaAbsurda de cada dia:UnhaQuebrada de melancolia...Perdi tudo, quase tudo...Hoje,Resta-me a devoçãoE este pequeno inteligente cão.Por favor, Madame, tire as patas,Por favor, as patas do seu cãoDe cima da mesa, que a gerênciaAgradece.No Reino da Dinamarca, 1958*


*MEDITAÇÃO NA PASTELARIAPor favor, Madame, tire as patas,Por favor, as patas do seu cãoDe cima da mesa, que a gerênciaAgradece.Nunca se sabe quando começa a insolência!Que tempo este, meu Deus, uma senhoraEstá sempre em perigo e o perigoEm cada rua, em cada olhar,Em cada sorriso ou gestoDe boa-educação!A inspecção irónica das pernas,Eis o que os homens sabem oferecer-nos,Inspecção demorada e ascendente,Acompanhada de assobiosE de sorrisos que se abrem e se fechamProcurando uma fresta, uma fraquezaQualquer da nossa parte...Mas uma senhora é uma senhora.Só vê a malícia quem a tem.Uma senhora passaE ladrar é o seu dever – se tanto for preciso!*O pó de arrozHorrível!O bâton:Igual!O amor de Raúl é já uma saudade,Foi sempre uma saudade...(O escritórioToma-lhe todo o tempo?Desconfio que não...)Filhos tivemos um:Desapareceu…E já nem sei chorar!*Chorar.. .Como eu queria poder chorar!Chorar encostada a uma saudadeBem maior do que eu,Que não fosse esta tristezaAbsurda de cada dia:UnhaQuebrada de melancolia...Perdi tudo, quase tudo...Hoje,Resta-me a devoçãoE este pequeno inteligente cão.Por favor, Madame, tire as patas,Por favor, as patas do seu cãoDe cima da mesa, que a gerênciaAgradece.No Reino da Dinamarca, 1958*

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