Literatura Portuguesa do Século XX: Poemas publicados em livros da colecção «Novo Cancioneiro»

04-07-2009
marcar artigo


** *Novo Cancioneiro, pref., org. e notas de Alexandre Pinheiro Torres, Lisboa, Caminho, 1989Fernando Namora, Terra, 1941Veio a chuva, Cacilda!Verga-te à lenha que os senhores abandonaram no pinhal.Veio a chuva, Cacilda!Fuso e roca, farrapos e linho,tudo faz mantas para a azeitona que cai!Veio a chuva, Cacilda!Quem coou de distância a voz do sineiro?Badalão! badalão!Quem ouve o pálido chamado?Ai só o vento perdido na serra!Ai só algum pastor amachucado no monte!Veio a chuva, Cacilda!Consome as batatas, moe o teu milhosuado no verão.Que os padre-nossos te dêem o paraíso merecido.Mário Dionísio, Poemas, 1941POEMA DA MULHER NOVAVejo-te no mundo que não pára,como um grande lenço rubro desfraldado.Vejo-te em mim quando me sinto massacom milhões de braços e de pernas e uma cabeça de anjo.Vejo-te na vida em marcha,nas mãos estendidas.Vejo-te em toda a vibração,nas plantações cobertas de girassóis e de papoulas,no topo dos tractores pulverizando a terra.Vejo-te nua das sedascom a boca rasgada numa canção de futurocomo um punho ameaçador à pestilência dos homens.Vejo-te belacom os cabelos ao vento,em frente,sem um talvez: perfeita.Vejo-te mãe de milhões de homens novos,de rosto calmo e olhos firmes,através das labaredas e do fumo,sem país e sem lar, a caminho da vida– na descoberta constante.Manuel da Fonseca, Planície, 1941ROMANCE DO TERCEIRO-OFICIAL DE FINANÇASAh! as coisas incríveis que eu te contavaassim misturadas com luas e estrelase a voz vagarosa como o andar da noite!As coisas incríveis que eu te contavae me deixavam hirto de surpresana solidão da vila quieta!...Que eu vinha alta noitecomo quem vem de longee sabe o segredo dos grandes silêncios:– os meus braços no jeito de pedire os meus olhos pedindoo corpo que tu mal debruçavas da varanda!...(As coisas incríveis eu só as contavadepois de as ouvir do teu corpo, da noitee da estrela, por cima dos teus cabelos.Aquela estrela que parecia de propósito para enfeitar os teus cabelosquando eu ia namorar-te...)Mas tudo isso, que era tudo para nós,não era nada da vida!...Da vida é isto que a vida faz.Ah! sim, isto que a vida faz!...:– isto de tu seres a esposa séria e tristede um terceiro-oficial de finanças da Câmara Municipal!...Francisco José Tenreiro, Ilha de Nome Santo, 1942ROMANCE DE SEU SILVA COSTA«Seu Silva Costachegou na ilha...»Seu Silva Costachegou na ilha:calcinha no fiozinhodois moeda de ilusãoe vontade de voltar.Seu Silva Costachegou na ilha:fez comércio di álcoolfez comércio di homemfez comércio di terra.Ui!Seu Silva Costavirou branco grande:su calça não é fiozinhoe sus moedas não têm mais ilusão!...Mário Dionísio, As Solicitações e as Emboscadas, 1945:MASCARIM ENTRE AS MUSASSe queres passar por mim e ficar vendoos abraços possíveis que há em nósSe queres a voz também sem ficar sendocomo quem passou por mim sem me ter vistoVou ao baile bailenão sei o que vistodá-me o braço braçocom todo o calorSe alguma coisa falta em tua mãoque te faça as passadas sem temore o coração se faz sofreguidãodaquilo de que julgas que desistoVem à roda rodasapato amarelolevo a voz sardentade polichineloSe passas e não vês o íntimo clamorou não vês mais que gritos sem sentidonas tantas faces do poeta na tormentaMascarim desmaiatapo a boca OhLevas um vestidosem corpo nem saiaVai lá ao fundo e verás lá bem no fundoe bem escondido onde a vida se acalentao sentido da hora e o amor do mundoPapagaio pintadodiz-me lá quem soutenho entrada francavou de pierrot


** *Novo Cancioneiro, pref., org. e notas de Alexandre Pinheiro Torres, Lisboa, Caminho, 1989Fernando Namora, Terra, 1941Veio a chuva, Cacilda!Verga-te à lenha que os senhores abandonaram no pinhal.Veio a chuva, Cacilda!Fuso e roca, farrapos e linho,tudo faz mantas para a azeitona que cai!Veio a chuva, Cacilda!Quem coou de distância a voz do sineiro?Badalão! badalão!Quem ouve o pálido chamado?Ai só o vento perdido na serra!Ai só algum pastor amachucado no monte!Veio a chuva, Cacilda!Consome as batatas, moe o teu milhosuado no verão.Que os padre-nossos te dêem o paraíso merecido.Mário Dionísio, Poemas, 1941POEMA DA MULHER NOVAVejo-te no mundo que não pára,como um grande lenço rubro desfraldado.Vejo-te em mim quando me sinto massacom milhões de braços e de pernas e uma cabeça de anjo.Vejo-te na vida em marcha,nas mãos estendidas.Vejo-te em toda a vibração,nas plantações cobertas de girassóis e de papoulas,no topo dos tractores pulverizando a terra.Vejo-te nua das sedascom a boca rasgada numa canção de futurocomo um punho ameaçador à pestilência dos homens.Vejo-te belacom os cabelos ao vento,em frente,sem um talvez: perfeita.Vejo-te mãe de milhões de homens novos,de rosto calmo e olhos firmes,através das labaredas e do fumo,sem país e sem lar, a caminho da vida– na descoberta constante.Manuel da Fonseca, Planície, 1941ROMANCE DO TERCEIRO-OFICIAL DE FINANÇASAh! as coisas incríveis que eu te contavaassim misturadas com luas e estrelase a voz vagarosa como o andar da noite!As coisas incríveis que eu te contavae me deixavam hirto de surpresana solidão da vila quieta!...Que eu vinha alta noitecomo quem vem de longee sabe o segredo dos grandes silêncios:– os meus braços no jeito de pedire os meus olhos pedindoo corpo que tu mal debruçavas da varanda!...(As coisas incríveis eu só as contavadepois de as ouvir do teu corpo, da noitee da estrela, por cima dos teus cabelos.Aquela estrela que parecia de propósito para enfeitar os teus cabelosquando eu ia namorar-te...)Mas tudo isso, que era tudo para nós,não era nada da vida!...Da vida é isto que a vida faz.Ah! sim, isto que a vida faz!...:– isto de tu seres a esposa séria e tristede um terceiro-oficial de finanças da Câmara Municipal!...Francisco José Tenreiro, Ilha de Nome Santo, 1942ROMANCE DE SEU SILVA COSTA«Seu Silva Costachegou na ilha...»Seu Silva Costachegou na ilha:calcinha no fiozinhodois moeda de ilusãoe vontade de voltar.Seu Silva Costachegou na ilha:fez comércio di álcoolfez comércio di homemfez comércio di terra.Ui!Seu Silva Costavirou branco grande:su calça não é fiozinhoe sus moedas não têm mais ilusão!...Mário Dionísio, As Solicitações e as Emboscadas, 1945:MASCARIM ENTRE AS MUSASSe queres passar por mim e ficar vendoos abraços possíveis que há em nósSe queres a voz também sem ficar sendocomo quem passou por mim sem me ter vistoVou ao baile bailenão sei o que vistodá-me o braço braçocom todo o calorSe alguma coisa falta em tua mãoque te faça as passadas sem temore o coração se faz sofreguidãodaquilo de que julgas que desistoVem à roda rodasapato amarelolevo a voz sardentade polichineloSe passas e não vês o íntimo clamorou não vês mais que gritos sem sentidonas tantas faces do poeta na tormentaMascarim desmaiatapo a boca OhLevas um vestidosem corpo nem saiaVai lá ao fundo e verás lá bem no fundoe bem escondido onde a vida se acalentao sentido da hora e o amor do mundoPapagaio pintadodiz-me lá quem soutenho entrada francavou de pierrot

marcar artigo