Avelino Barroso

15-10-2007
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Sunday, October 07, 2007 6:32 PM AMÁLIA RODRIGUES AMÁLIA RODRIGUES – ONTEM, HOJE E SEMPRE Avelino Barroso Nasceu num Bairro pobre, lá para o lado da Mouraria, em 23 de Julho de 1920 e partiu a 6 de Outubro de 1999. Já lá vão seis anos. A FUNDAÇÃO AMÁLIA RODRIGUES, por si instituída, com o fim de dinamizar o fado, começa a dar frutos. Os 17 prémios criados, este ano, pela Fundação, foram entregues, pela primeira vez, num espectáculo de gala, terça-feira, no Teatro São Luís, em Lisboa. Amália nasceu já com a alma do fado. Ainda na puberdade, deu sinais de ser predestinada para grandes voos. Mas enquanto as asas de penugem não batiam, foi aproveitada para vender fruta, flores e fazer trabalhos domésticos. Dotada de uma fulgurante inteligência, cedo começou a desbravar caminhos que a projectaram para os palcos das estrelas que iluminam os mundos, mesmo depois do derradeiro adeus. Possuída de uma personalidade forte, muitas vezes se mostrou irreverente sempre que alguém agredisse as suas convicções, ou os seus sentimentos. Apenas com a instrução primária, foi a força de vontade, aliada à sua inteligência, que lhe permitiu penetrar nos meandros da cultura. Por isso vemo-la falar o francês, o inglês, o espanhol e o italiano com fluência. Escreveu poemas de fazer inveja a credíveis poetas, já pelo ritmo, já pela mensagem e, sobretudo, quantas vezes, pelo grito de dor de uma alma ferida. A sua sensibilidade, tão apurada, foi-a magoando pela vida fora, à medida que ia sendo confrontada com flagrantes injustiças sociais. Teve tiradas de verdadeira filósofa, como quando diz «Desde que existe morte, imediatamente a vida é absurda». Ou quando, no desejo de morrer com dignidade, defende que as pessoas deviam morrer como as maçãs que caiem ao chão de maduras. Tinha uma fé tão grande que atingia, por vezes, o ponto em que desaparecia o dogma para dar lugar a uma certeza no seu Deus com quem conversava, mas também discutia e ralhava quando as injustiças com que se confrontava, eram demasiado pesadas. Filha do povo, como se afirma ao longo da vida, parecia mais ter sido criada em palácios da realeza. Mas momentos houve em que a tibieza da fé lhe bateu à porta. Como mulher que foi, amou perdidamente, aos 18 anos, o seu Chico, que dedilhava as cordas de uma guitarra como amador, homem a quem se entrega, mas que vem a traí-la a seguir. Dada a pureza e sensibilidade do seu coração, sucumbiu ao confrontar-se com a primeira traição. Começa então a desiludir-se com a vida que ela queria que fosse um paraíso de anjos. Esquece então Deus e procura refugiar-se no suicídio! Só por volta dos quarenta anos, casa com o simpático Engenheiro César Seabra. E são arrebatadamente felizes até ao dia final em que ele diz “eu já vou, e tu não demores muito que estou a sofrer à tua espera”. Substituída a penugem da puberdade, bate as asas adultas e não pára mais de voar com a majestade da águia! Amou toda a gente que não beliscava os seus sentimentos. Mas amou sobretudo os pobres. Nunca excluiu ninguém, mesmo os acusados de aberrações da natureza. É o próprio Guilherme de Mello, reputado escritor, assumido homossexual, que chora Amália, desabafando, «Era a Nossa Senhora do Fado». Inspirou poetas, músicos e pintores. Atraiu os génios da arte com quem conviveu e partilhou os palcos mundiais das celebridades. Anthony Quinn beijou-a com ternura. A coroa de viçosas flores que enviou foi a primeira a ser depositada junto à sua urna na Basílica da Estrela. «Um grande amor para uma grande mulher» foi a mensagem enviada, à altura do talentoso actor. «O Barco Negro» abre-lhe as portas do Olympia. A sua fama e glória levam-na aos quatro cantos do mundo. E com ela corre e cresce o seu Portugal que ela ama e faz questão de o afirmar quando a confundem com nuestros hermanos. Foi grande ao lado de Maria Callas, Edith Piaf e Billie. Soube inovar no fado, tornando-o universal, ele que até aí era a canção vadia dos pobres de Lisboa, o choro cantado das varinas, prostitutas e vendedoras de fruta que ela também fora, fado que ela também cantara. Só que atribuiu-lhe um carácter universalista. Arrancou-o das docas, das casas de passe, dos cafés rascas e levou-o para os salões onde conquistou a intelectualidade do seu tempo. Amália Rodrigues não morreu. Os anjos entraram sorrateiramente pela chaminé e levaram-na para o paraíso que ela quis na terra, mas lhe foi negado. Não a temos como ser humano, mas continuará a nascer todos os dias através dos registos de imagem no cinema, na televisão, na fotografia e nos registos de som. As pessoas desaparecem, mas não morrem enquanto viver a sua memória. E a memória da nossa querida Amália é eterna. Povo que Lavas no Rio, Foi Deus, Estranha Forma de Vida, Ai Mouraria, são uma riqueza que inunda a alma, embriaga os sentidos e nos transporta para o paraíso das emoções. Esse património artístico vai transmitir-se de geração em geração, como se tratasse de uma herança genética! Não será o limbo o seu destino. avelino.barroso@sapo.pt Wednesday, October 03, 2007 5:40 PM DO MAL, O MENOS DO MAL, O MENOS Avelino Barroso Já com a poeira assente, é chegada a hora de lamentar uma campanha eleitoral para a eleição do líder do PSD que não correu mal, correu pessimamente. Tal a balbúrdia, o degradante espectáculo, a falta de elevação, a denúncia de que as regras não se estavam a cumprir, ora se exigiam quotas em dia para votar, ora votava-se mesmo com quotas em atraso. Não faltou mesmo quem falasse de fraude eleitoral. Passou-se o tempo com trocas e baldrocas, subestimando-se o principal – o debate político. São os militantes que fazem os partidos políticos. Tal comportamento acabou por comprometer sobremaneira a credibilidade do partido que se vem impondo pelo rigoroso respeito da ética. De tal modo que, num debate na véspera, na Antena I, se falava já do fim do PSD, por já não ter razão de existir. No Expresso do fim-de-semana, Miguel Sousa Tavares, num dos seus habituais arrebatados e agressivos ataques aos partidos, dizia mesmo que o PSD não faz falta nenhuma. Já estamos habituados a esses vómitos do Miguel. Quem não se lembra da crónica extremista que pôs o PCP de Álvaro Cunhal de rastos! Bate no PS, bate no CDS/PP e bate no BE. Até parece que defende um regime de partido único. Fernando Madrinha, mais comedido, declarou que “Esta foi a mais “tuga” de todas as campanhas para a liderança de um partido político. Nada de exageros, um relançar de olhos pelo passado de todos os partidos, permitir-nos-á verificar que todos têm rabos-de-palha. Parece até ter-se esquecido que é o PSD o Partido que mantém o recorde de maiorias absolutas! Conseguiu uma maioria absoluta com a AD que ganha as eleições intercalares de 1979, coligação presidida por esse homem de Estado que foi Sá Carneiro; duas maiorias absolutas consecutivas com Aníbal Cavaco Silva (1987/1995) e, finalmente para já, mais uma maioria absoluta com Durão Barroso, em coligação com o CDS/PP de Paulo Portas. Santana Lopes, substituiu Durão Barroso, como Primeiro-ministro, que foi para Bruxelas honrar o nome de Portugal, substituição essa que durou pouco, visto o então Presidente da República ter entendido que o governo era cor-de-rosa, mas ele preferia que fosse mesmo só rosa, sem pensar (?) que o beneficiário da dissolução da Assembleia da República viria a ser José Sócrates. Mais ainda: é o PSD que mantêm, até 1995, o recorde de maior tempo de governos laranja! A imagem que ficou da campanha foi a de que, na ânsia de se conquistar o poder, não se olhava a meios para alcançar o fim. Talvez por isso não são poucos os Barões a defender um debate sobre as directas. Alega-se mesmo que se prestam a caciquismo. De facto, até às directas, eram os delegados ao congresso que, ajudados pelos notáveis, negociavam durante toda a noite a escolha do novo líder. E só por volta das cinco horas da madrugada saía fumo branco. Isto mesmo me contava o meu saudoso amigo Paredes que não perdia nenhum congresso. Cavaco Silva nunca viria a ser primeiro-ministro se tivessem sido directas as eleições que fizeram dele líder. Andava a fazer rodagem ao seu novo carro e lembrou-se de aparecer desportivamente na Figueira da Foz, apenas para dar uma espreitadela ao congresso. Foi “sequestrado”. E, depois de um arrebatador discurso que conquistou todo o eleitorado, saiu o novo líder aos ombros. Feito este intróito, é chegada a hora de reconhecer que o melhor que podia ter acontecido a Marques Mendes foi mesmo perder a eleição. Cada vez que usava da palavra, para fazer oposição ao governo de José Sócrates, o balão dos seus apoios ia-se esvaziando cada vez mais. Ia dando já sinais de cansaço; argumentos repetitivos e maçadores, convidando ao sono os deputados mais dorminhocos. No confronto com Carmona Rodrigues, a sua liderança ficou muito fragilizada. O povo não perdoa a falta de ética e deslealdade. Amadrinhado por Manuela Ferreira Leite conseguiu ser eleito no Congresso de 2005, em Pombal. Mas a madrinha deixou, então, bem claro que o apoio era só para aquele acto, E foi mulher de palavra. Manteve-se agora equidistante dos dois candidatos. O apoio envergonhado dos notáveis, nesta eleição, foi dado na expectativa de, em 2009, se tornar mais fácil a escolha definitiva do líder, candidato a primeiro-ministro. Filipe Menezes até pelos sulistas, elitistas e liberais foi eleito, em Lisboa. Esquecidos já do incidente no Congresso de 18 de Fevereiro de 1995. Ali se esgrimiam argumentos a favor e contra os dois candidatos a líder: Fernando Nogueira e Durão Barroso. Menezes apoiava o nortenho Fernando Nogueira. Ali ficou provado que Menezes era homem de grandes emoções. Acusou de sulistas, elitistas e liberais os apoiantes de Durão Barroso. Perante o agressivo ataque que lhe moveram adversários, isolou-se se para, sozinho, chorar mais à vontade. Só os homens de grandes emoções dão grandes homens. Cabe agora ao novo líder arrancar da fossa o Partido. Não menos desfeito em pantanas do que o que encontrou Cavaco Silva, quando saiu líder do Congresso da Figueira da Foz. Penosamente se arrastava o PSD integrado no Bloco Central, sendo Primeiro-ministro Mário Soares e Mota Pinto, Vice Primeiro-ministro. Cavaco Silva teve de apear esse governo de maioria absoluta e unificar o partido. E conseguiu-o pouco tempo depois. Temos de reconhecer que Filipe Menezes é militante activo desde 1975. Já perdeu muitos debates no seio do partido. Mas não é menos verdade que a sua presidência na Câmara de Vila Nova de Gaia é exemplar. Os munícipes adoram-no. Ontem mesmo um repórter da televisão entrevistou na rua o Zé-povinho e, todos sem excepção, diziam nunca terem tido um presidente que tanto tivesse feito por Vila Nova de Gaia e pelo seu povo. Filipe Menezes terá tarefa árdua. Mas é combativo, faz política por paixão, não precisa da política para viver. Terá de modificar um pouco o seu feitio. Fazer oposição honesta, nada de demagogia, nem populismo. Cuidado com os apitos desafinados. O PSD é um Partido personalista. Reconhecer, e votar até as medidas do governo que sejam incontestavelmente de interesse nacional. Tem boa imagem e é bom comunicador. A hora dos Barões pode não chegar ainda em 2009. E o Luísinho, como já hoje vi escrito o seu nome num jornal, terá de continuar a esperar, sei lá se até 2013, para, então, debandar ou, dado já o seu esperado exemplar currículo, tornar-se Primeiro-ministro de Portugal, mesmo em 2009. Mas só se o governo de José Sócrates estiver pelas ruas da amargura. Mas para já, os indicadores económicos não apontam nesse sentido. avelino.barroso@sapo.pt Thursday, September 27, 2007 10:13 PM DIRECTAS NO PSD Avelino Barroso É cedo para mudar de líder. Mas não tardará o líder que virá a ser candidato a primeiro-ministro. E não aparecerá numa manhã de nevoeiro. O naipe de escolha será diversificado e de alta qualidade. Seja um ou seja outro, o próximo líder continuará a ser verbo-de-encher. Com o desaire da partida de Durão Barroso e a desgraça do primeiro-ministro Santana Lopes, adivinhava-se a travessia do deserto do PSD. Quem está bem na vida e só participa na política por paixão sim, mas também por missão de serviço, não pode interromper as suas invejáveis carreiras para se tornar num líder que faz que anda mas não anda. Avelino Barroso Thursday, September 27, 2007 12:03 PM C O M E N T Á R I O Avelino Barroso Não é seguro que o tempo para Jardim Gonçalves tenha passado. Não é de subestimar o currículo do homem forte da Banca portuguesa. Foi na Espanha que ele pôde crescer, pondo em prática a sua imaginação. Ainda muita gente se lembra de ele disponibilizar a primeira máquina de Multibanco, em Portugal. Já a noite não era uma criança quando recebeu do poder um telefonema avisando-o de que o risco do assalto era grande. Já na Espanha, esta vantagem de sacar dinheiro das contas bancárias à ordem proliferava por todo o país. O risco calculado é uma virtude do homem de negócio. Jardim Gonçalves conhece os cantos à casa que fundou e onde ainda é reconhecido como um Senhor. As maiorias entre os grandes correm com fluidez de um lado para o outro. A OPA é hoje um recurso que faz mudar a administração de uma empresa cotada na Bolsa da noite para o dia. Jardim sabe isso como ninguém. Jardim tem muitos amigos que confiam ainda nele. As ideias deste homem fadado para vencer não são ideias de um homem apodrecido pela idade. Longe disso. No seu entendimento o Banco que fundou anda por maus caminhos. E isso entretece-o. E a falta de gratidão por parte do seu pupilo irrita-o. Irá lutar até ao fim pelo bom-nome do “seu” Banco e contra a desonra de ser lançado pela janela fora. Não vai ser carta fora do baralho, não é nem vai ser. Esperar para ver. Avelino Barroso PS – comentário a um texto de Henrique Monteiro no Expresso opinião on line Friday, July 06, 2007 3:09 PM Thursday, September 13, 2007 5:38 PM M A D E L E I N E ? M A D E L E I N E Avelino Barroso Escrevi no meu blogue, AVELINO BARROSO – BOM DIA SOL, em 17 de Maio último, um comentário sobre o desaparecimento de Madeleine, no qual dizia que teria sido um erro grave a difusão de fotos da menor por todos os cantos do mundo. Porquê? Porque não é de excluir a hipótese de uma rede de pedofilia. Agora tanto na moda. E, se for este o caso, é de admitir-se que os pedófilos recorram, como muitas vezes o têm feito, ao homicídio, pois, mesmo disfarçada, pode ser descoberta, até porque tem um sinal no olho direito. Hoje, já a uma certa distância, temos de reconhecer, até por outros motivos, que o mediatismo universal que o caso Madelein atingiu em nada tem favorecido a investigação em curso, e em nada também tem proporcionado a tranquilidade dos pobres pais acossados até pelos ziguezagues da instrução do processo que de ofendidos acabou por lhes atribuir o estatuto de arguidos. Estamos a assistir a uma dança infernal por parte da comunicação social que especula através de uma diversidade de meras hipóteses apresentadas com roupagem de autenticidade. Hoje os escaparates dos jornais apresentavam o caso, cada qual à sua maneira. Uns falam na bagageira da carrinha alugada com a certeza de que nela foi transportado o corpo da menina desaparecida (já desmentido pelo director nacional da polícia judiciária); outros falam de sangue e vestígios biológicos compatíveis a 100% com o NDA da menor, encontrados na mesma carrinha (desmentido pelo ex-director dos serviços de medicina legal, que nega compatibilidades a 100%). Louvável a iniciativa da jornalista Fátima Campos por ter promovido mais um programa do PRÓS E CONTRA sobre o angustiante tema que está a emocionar meio mundo e atormentar e crucificar os sofridos pais, presumivelmente inocentes até à sentença com trânsito em julgado. O programa vem-se afirmando desde há muito com credibilidade, dada a escolha meticulosa de qualificados protagonistas que nele têm participado. O silêncio à volta da instrução do processo tem sido sepulcral. Daí a fértil imaginação da comunicação nacional que temos e também da do Reino Unido. Com este programa, tudo ficou mais claro. Tarde sim, mas ainda a tempo de esvaziar o balão das irritantes banalidades postas a circular por todo o mundo. Conhecemos, por dever profissional, o inestimável valor do segredo de justiça. Mas sem mesmo o violar, pode ser posto um travão a tanta asneira que vem circulando por todo o lado. Daí óptima a ideia de convidar o director nacional da polícia Judiciaria para o programa e comentar o disse disse, à volta deste mediático desaparecimento da menor. Prestou o esclarecimento que se tornava necessário. Prudente, de voz bem timbrada, de forma clara, disse aquilo que era preciso dizer: Que até agora não tinha sido recebido o resultado das análises pedidas ao laboratório inglês, estranhando assim a notícia da Sky News; mais disse que tem havido uma colaboração leal e profícua por parte da polícia inglesa; que nenhuma das hipóteses sobre o desaparecimento da menor foi posto de parte, designadamente o sequestro. Muito esclarecedora foi também a intervenção do Inspector Carlos Anjos, cuja presença no programa foi considerada a alma do debate. Não se eximiu de censurar a falta de apoio por parte de quem tinha obrigação de o fazer. Elogiou o discurso sólido, bem estruturado do seu director. E apelou ao prometido gabinete de apoio junto da Imprensa para, sem prejuízo do segredo de justiça, prestar os esclarecimentos necessários, ao longo do andamento de processos mediáticos. Bem representada a classe do foro através do meu velho condiscípulo Miguel Júdice. Advertiu para o cuidado que deve haver na valoração de certos elementos de prova. Uma severa crítica à intervenção de um Professor de psicologia, vindo de propósito de Madrid ao programa, que apresentou um retrato psíquico da mãe da menor, procurando convencer que a sua expressão facial o convencera de que ela ocultava um mistério. Acrescentou mesmo Miguel Júdice que mal dele se um dia o vierem a avaliar num processo em que seja arguido pela sua expressão facial, pois tão depressa chora como se ri. A comunicação social, bem representada por Pinto Monteiro. O director do EXPRESSO expôs, com segurança e fluência, o seu ponto de vista. A sua intervenção foi muito útil ao debate pelos oportunos problemas que levantou, clarificando o papel importante da imprensa. Mais: deu a entender que o segredo de justiça devia ser limitado ao essencial da investigação processual de modo a deixar transparecer algo cá para fora para evitar-se os atropelos à verdade dos factos da investigação. E tem razão. Desde há muito que se reclama uma melhor clarificação do segredo de justiça que muitas vezes serve apenas para responsáveis da investigação evitarem responder a certas questões. Ao fim do dia aparece sempre funcionários da imprensa a perguntar se já foi exarado despacho de pronúncia ou marcado julgamento em certos processos mediáticos. Claro que não podem ser informados de que num processo, em segredo de justiça, o Ministério Público haja promovido a passagem de mandados de captura do arguido. Muito útil a intervenção de Moita Flores que advertiu para o facto de se confundir por vezes o alcance da prova científica. Exemplificando, as análises ao sangue ou a vestígios biológicos valem o que valem. Não são prova de valor absoluto. Têm de ser confirmadas por outros elementos de prova constantes da investigação. Finalmente, não resisto a declarar estar convencido profundamente da inocência dos pais da Madeleine. Um casal da classe média alta, inteligente, formação britânica, ambos médicos, com dois gémeos e uma filha terna, pura. meiga e doce. Como acreditar que, em solo desconhecido, língua ignorada, ainda com os ouvidos tapados da viagem, tivessem o à-vontade de, em caso de acidente, se desembaraçar do corpo da filha num tão reduzido espaço de tempo. Às 19,30 Gerry e Kate deita as crianças; 20,30 o casal chega ao restaurante para jantar; 21,00 Gerry vai ao apartamento e verificar que os filhos estão bem; 21,25 regressa ao restaurante; 21,30 Oldfield passa também pelo apartamento e verifica que tudo está bem com os filhos do casal; Às 22,00 horas, o casal volta ao apartamento e pouco depois regressa e informa que Madeleine desapareceu (Público de 12/09/07). Madaleine estava viva ás 21,30 horas e desaparecida 22,00? Pouco tempo depois a policia examina pormenorizadamente o apartamento. Nem um sinal de nada! Apenas algumas malas ainda por abrir. Não dá para acreditar. Depois, sendo médicos e esclarecidos, em caso de mero acidente, mesmo por negligência, o melhor caminho era assumir com naturalidade o que se passou. E tudo acabava com o funeral da menina. Daí a relutância em aceitar de ânimo leve o acidente por negligência e muito menos o dolo eventual. avelino.barroso@sapo.pt Tuesday, September 11, 2007 2:52 PM SEIS ANOS DEPOIS SEIS ANOS DEPOIS Avelino Barroso O atentado às majestosas torres gémeas de World Trade Center e ao Pentágono veio provar como é possível morrer um forte às mãos de um fraco. Parece impensável que a única superpotência económica e militar do mundo se tenha tornado tão vulnerável ao ponto de ser atingida precisamente no âmago dos seus símbolos de poder militar (o Pentágono) e do poder económico (World Trade Center). O facto de ter caído o muro de Berlin não significa que a grande América pouse a cabeça no travesseiro e durma sem sobressaltos. Não têm sido poucos os críticos a desfiar as contas do rosário das possíveis causas da brutalidade do original atentado. Ora vejamos: Uns fundamentam as suas análises na riqueza e pobreza, parecendo ter-se inspirado na luta de classes de Karl Marx; outros na globalização que dizem ser mais do mal que do bem. Contudo, são muitos os anti-globalização que se têm solidarizado com os Estados Unidos. Mas atenção ao passivo da globalização de que fala Adriano Moreira. Também há os que pretendem explicar a génese da barbárie de Washington e Nova York no espírito imperialista daquela grande potência. Convém lembrar-lhes que o seu protagonismo como única superpotência económica e militar do mundo foi conquistado ao longo de muito tempo dentro de um transparente regime democrático. De contrário, o seu império teria já sucumbido como tantos de que reza a história, alguns deles ainda bem presentes na memória dos que ainda pertencem ao reino dos vivos. E convém não esquecer que não fora essa grande potência, e o mapa político da Europa e até do mundo seria bem diferente do que é hoje. Com isto não estou a desculpar os erros políticos tremendos do Vietname, do auxílio prestado ao Afeganistão contra o poder Soviético, a decisão de Truman em lançar duas bombas atómicas, uma em Hirochima (6 de Agosto de 1945) e outra em Nagasáqui (9 de Agosto de 1945), apenas para abreviar o fim da Segunda Guerra Mundial, insensível aos efeitos destruidores de milhares e milhares de vidas inocentes e da própria natureza do solo atingido que se tornou improdutivo por largos e largos anos. Outros atribuem o atentado ao petróleo e a Israel. Não faltam também os que responsabilizam países de regimes totalitários, apostados na destruição dos estados civilizados do Ocidente por viverem estes a liberdade de regimes democráticos. José Saramago não quis também ele perder a oportunidade de tomar posição sobre este polémico tema, num longo texto simultaneamente publicado, em exclusivo, nos jornais “El Pais”e PÚBLICO. Numa primeira análise, refere infelizes homens, na Índia, atados à boca de cada uma das peças de artilharia dispostas em fila e um oficial britânico que dá ordem de fogo despedaçando de seguida os corpos dos homens acusados de rebeldes. A seguir fala de dois soldados portugueses, em Angola, um a segurar um negro e outro de machado pronto a desferir o golpe mortal que vai separar a cabeça do corpo; depois das bombas atómicas que arrasaram e calcinaram Hirochima e Nagasáqui, das atrocidades no Vietname, das execuções em estádios cheios de gente, dos crematórios nazis a vomitar cinzas, dos soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, etc. Numa segunda análise, negando a existência de Deus, não se cansa de referir a interpretação perversa dos textos sagrados durante séculos, quer por parte dos católicos que criaram o monstro da Inquisição para queimar vivos os infiéis, quer hoje por parte dos taliban que também em nome de Deus não poupam sequer civis, velhos e crianças no terror que vão espalhando pelo mundo inteiro. Fez bem José Saramago lembrar as atrocidades cometidas ao longo dos séculos. Contudo eram praticadas por criminosos de cara descoberta. O terrorismo, esse, ataca de surpresa e não têm rosto. E, sendo assim, é mais difícil combatê-lo para evitar a tempo os seus efeitos desastrosos. É longo o número de exemplos apresentados por José Saramago. E não está completo. Podíamos ainda referir os hospitais psiquiátricos para onde foi empurrada a elite da intelectualidade Soviética; o Arquipélago de Gulag por onde passaram sessenta e seis milhões de prisioneiros de regime; a morte à traição do camarada Trotsky, no México, bem longe de Moscovo; da caça sangrenta a estudantes indefesos, na Praça de Tiamen da República Popular da China, etc., etc. Fraquezas humanas monstruosas que convém lembrar, mas que, de algum modo, podem legitimar a brutalidade do ataque de 11 de Setembro. Excepção feita a Vital Moreira, vem desde início uma certa esquerda insistir que, em vez de represálias, deve a grande América fazer um acto de contrição. Na esteira de António Barreto procurar descobrir causas é pretender legitimar tais covardes actos de vandalismo. O caminho a seguir para extirpar as raízes de tal barbaridade não pode ser o da vingança cega, mas sim o da justiça, ainda que implacável. Ainda bem que a América, hoje humilhada, tem consigo os inimigos de ontem, mesmo aqueles de ideologia diversa. Atenção sobretudo aos mandantes. Mais criminoso que o suicida, por certamente não ter liberdade de dizer que não, é o autor moral que esse, sim, espera directamente tirar dividendos de toda a ordem dos crimes horrorosos cometidos a seu mando. Hitler e Estaline foram mais criminosos do que os soldados que mataram e morreram às suas ordens. Se é que estes chegaram a cometer quaisquer crimes. 28/09/2001 Sunday, September 09, 2007 7:33 PM DEZ ANOS DEPOIS DEZ ANOS DEPOIS Avelino Barroso Conheci a Princesa Diana, há já alguns anos, ao cair da tarde de um dia quente de Verão, no parque de campismo Rio Alto da Sopete – Esposende. Atravessava eu despreocupado o «camping» de calções curtos, sapatilhas e boné enfiado na cabeça às três pancadas, quando dou com uma tenda de três lugares, com as cores do Reino Unido e junto à tenda três beldades desportivamente vestidas. Uma de tez escura que exibia um corpo escultural fazendo lembrar a modelo Naomi Campbell, que passa a vida a cruzar os céus de jacto, para pisar as passerelles dos quatros cantos do mundo. Outra, também não menos interessante, era ruiva e de rosto salpicado de sardas. Mas não era a Sara do André. A terceira, alta, elegante, de cabelos louros e curtos, olhos cor do firmamento e de expressão meiga, a lembrar a majestade da águia, deixava adivinhar que ali morava o perigo para o homem mais emotivo. E foi da boca sensual loira, tão estranha que, sorrindo e com uma libra esterlina na mão, dirigindo-se a mim, ouvi: can you help me, please? Pretendia cambiar a libra por moeda portuguesa. Rendido a tanto charme, depositei-lhe nas graciosas mãos, todos os escudos que tinha e mais que tivesse. E como não lhe recebi a libra em troca, ela, num puro gesto de agradecimento, apertou-me as mãos. Mais tarde, já ao cair da noite que prometia ser de lua cheia e céu povoado de estrelas cintilantes, abeirou-se de novo de mim e quis falar da velha Aliança Inglesa que os nossos dois países mantêm desde há muitos anos. Claro que o momento não era próprio para eu lhe falar do Ultimatum Inglês de 1890, que veio inspirar a Guerra Junqueiro o Finis Patriae! Depois de muita conversa e já familiarizada comigo, a medo e, pedindo todo o sigilo, aproximou-se mais de mim e, olhando para um lado e para o outro, como que a guardar-se de intrusos, balbuciou: «I´m Lady Di». Fiquei sem fala! Como era possível estar diante da mediática Princesa Diana. Quem diria! «Take it easy, take it easy», ou seja: tenha calma, tenha calma, atalha ela prontamente, já habituada a provocar destas fortes emoções. Sentei-me a seguir numa cadeira de lona e comecei a recuperar a calma, ouvindo com o interesse que o assunto reclamava, os episódios dilacerantes da vida desta princesa. Carregava pela vida fora o trauma de filha de pais divorciados. Diz que o seu casamento, do seu lado, fora de amor que chegou a roçar a paixão. Do lado do Príncipe, cedo, muito cedo, se apercebera de que esse nobre sentimento não existia. Soube até, mais tarde, que o casamento lhe havia sido imposto pela mãe, a Rainha Elisabeth II. Que no auge de uma discussão violenta, a mãe lhe fizera saber que um nobre não casa com uma Camilla Parker qualquer! Que o futuro Rei de Inglaterra terá de casar não com a mulher que ama mas com a mulher que convier à coroa. E a vítima fora eu, desabafa. Assim, consumado o noivado, a sua vida foi um calvário. Evitada por toda a gente do palácio e perdida naqueles grandes salões e compridos corredores, vagueava só, gelada, porque não era do calor que aquece o corpo humano, mas do calor que aquece a alma, que ela carecia. Carlos, sempre distante, ignorava-a também. E assim, isolada, sentia-se, por vezes, perdida, como que, e sem esperança alguma, aguardasse, numa qualquer ilha deserta, o seu momento final. E fatal também. Chegava a ter a sensação de virar fantasma, tornando-se invisível, já que ninguém nela reparava. «Será que não me viam, não me sentiam? Seria eu mesma uma mulher de corpo e de alma ou só de alma sem corpo?» Pensava ela! Quando o «instinto feminino» descobre o adultério do marido, sofre, desespera e procura refúgio no suicídio e tenta-o por várias vezes! Passa a flagelar-se. Despeja os frigoríficos e durante cerca de quatro anos corre da cozinha para o wc e do wc para a cozinha. É a bulimia a tomar conta de si! Para a Família Real, a princesa estava perdidamente doente e a precisar de tratamento psiquiátrico. Entretanto, o seu professor de equitação Hewitt, aproveitando o momento alto da fragilidade da princesa, ainda sob o efeito da declaração pública do marido de que ele andava com outra mulher – aquela Camila que, segundo a minha mulher, mais parece a personagem do drácula dos filmes de terror –, entra na intimidade de Diana, acabando por lhe arrebatar o coração. É o momento fatal de fraqueza humana de uma princesa destroçada, à deriva, que cede ao primeiro impulso romântico. Hewitt não é homem! É um canalha que passa a divertir-se com os sentimentos de uma princesa sem rumo, que não resiste ao primeiro sopro de felicidade. Mais um judas! Só que não foi por «trinta dinheiros» que entregou a princesa Diana às bocas do mundo. Foi por cinco milhões de dólares! Fugiu para a América e os media esperam a todo momento, para dar a notícia de que também ele se pendurou pelo pescoço. É o fim de todos os Judas. Em Agosto passado encontramo-nos num pub Londrino e, com ela, conversei durante uma tarde inteira. Achei-a já conformada com o seu novo estatuto de princesa de facto do provável futuro Rei da Grã-Bretanha. Falamos de tudo. Já, no fim, recomendei-lhe: «You mind the Camilla, You mind the Charles...» Ela sorriu e acrescentou: «Mind the mother-in-law too». Afinal recomendo-lhe cuidado com Camila e Carlos, e ela acrescenta: E com a sogra também! Meses passados, sou alertado pela comunicação social que Lady Di vai dar uma grande entrevista à BBC e que esta vai ser transmitida, em directo, pela SIC. Não perdi pitada. A noite já ia longa quando aparece aquela Diana tão linda como diria Camões se conhecido tivesse também, além da Inês de Castro de D. Pedro, esta sex simbol devastadora de corações do século XX! Tímida, mas segura! O seu rosto, triste e meigo, só uma ou outra vez é iluminado por um discreto sorriso! De olhos fixos nos olhos do entrevistador, ia dando, sem rodeios, a resposta certa e exacta que os ingleses dela desejavam ouvir. Quando fala dos filhos mostra ser a melhor mãe do mundo. Aproveita para falar também, sem ódio, do isolamento a que foi submetida no cativeiro do Buckingham Palace onde sofrera os piores dias da sua vida. À medida que a entrevista ia avançando, sente-se que Diana está a conquistar o coração dos ingleses. Mas o ponto alto da entrevista arrasadora só é atingido quando soa o yes do idílio em que se envolvera com Hewitt. «Yes, Yes», afirma, acenando com a cabeça, sem rodeios ou hesitação. Diz-se que o Príncipe Carlos, comodamente sentado numa poltrona, seguia a entrevista de olhos fixos no écran da televisão. Estava nervoso e irrequieto. Roía as unhas até ao sabugo. Mas quando soa o yes do adultério de Diana, salta bruscamente e desata a partir, a pontapé, tudo o que o rodeia. Já cansado, atira-se de novo para a poltrona e ali permanece mais calmo e pensativo. Não se cansa de alisar a testa com as pontas dos dedos da mão direita. O escudeiro que assiste à cena, prontamente lhe oferece um tranquilizante. Mas a dor que atormenta o príncipe é daquelas dores duras que não cedem a nada! E quando lhe é perguntado o que pensava a família real sobre a probabilidade de ela vir a ser Rainha, responde sem hesitar: «Não me consideravam do meio!» E só não era do meio porque pegava ao colo crianças de cor, mutiladas pelas minas; acariciava doentes já em fase terminal de cancro; lutava contra o flagelo da sida e contra o não menos flagelo da droga; confundia-se com os mais humildes; confortava com palavras doces os que sofriam; as suas mensagens de amor, solidariedade humana e compaixão, até passavam através de simples gestos e da sua expressão meiga e triste que corriam logo o mundo inteiro! Mais ainda, apertava a mão a leprosos! E só por isso é que não era do meio! Longe de pensar eu, quando, em 12 de Fevereiro de 1996, escrevi este texto nas colunas deste DIÁRIO, que ainda um dia viria a sentir o vazio deixado atrás de si e que dificilmente será preenchido! O túnel por onde entrara pela última vez tinha, além de outras direcções, também tinha a direcção da morte! E até parece ter saltado para o outro lado da vida, de costas voltadas, aflita e a gritar, com medo de ser seguida pelos paparazzi que, na terra, não lhe deram um momento de sossego! Não era filha de reis, mas corria pelas suas veias e artérias o sangue de uma família da alta aristocracia! Nascera com a sina da má fortuna! Caminha penosamente, pela vida fora, de desilusão em desilusão, até à desilusão fatal: a morte pelo escuro da noite, no escuro de um carro, gemendo de dor, emaranhada na teia de ferros torcidos! E nem ali merecera a compaixão dos paparazzi que freneticamente disparam impiedosamente as últimas chapas dos rolos das suas sempre prontas câmaras ao serviço da desgraça e dos escândalos! Ali ao lado do playboy Dodi que viria a ser certamente mais uma desilusão da sua vida! Nada talhado para vir a ser padrasto do futuro Rei de uma monarquia tão exigente e de protocolo tão rígido! E com a partida, “tão cedo, desta vida descontente”, deixa os pobres mais pobres. E até os paparazzi mais pobres também! É que a possibilidade de vender a fotografia de um kiss, pela «módica» quantia de duzentos mil contos não surge, certamente, muitas vezes, na vida de um paparazzo qualquer, sempre ávido, à caça de escândalos! Diana tocou e comoveu o mundo do seu tempo! E o mundo chorou a princesa de corações a sangrar! Não há registo na História de um fenómeno sociológico como este que ajoelhou o mundo a seus pés no último adeus! Não chega a ser Rainha de jure dos britânicos! Mas morre Rainha de facto do universo! Tinha génio e planos para relançar um novo estilo na monarquia britânica, aproximando-a mais do povo, seu suporte, que é quem a legitima. Mas Carlos, cego, perde essa grande e única oportunidade! Carlos nunca amara Diana que o amou perdidamente! Carlos usou simplesmente aquela que viria ser mãe dos seus dois filhos. Tratou-a impiedosamente como de uma qualquer mulher de barriga de aluguer, se tratasse! Que o príncipe herdeiro venha a ser o Rei que sua mãe quis que o pai fosse e não vai ser certamente: terno, meigo, humano e sempre dedicado a seus súbditos. No fundo, Rei da Grã-Bretanha, e um pouco, à maneira da mãe, Rei de todo o mundo! Esta a mensagem anónima entre tantas mensagens anónimas perdidas no meio de toneladas de flores espalhadas pelo mundo inteiro! Que lá no céu, onde subiu, viva a paz e o descanso que não tivera na terra! De AS TÍLIAS TAMBÁEM SE ABATEM, livro de crónicas do autor publicado e, 1998 Friday, July 27, 2007 3:57 PM ALEGRE, NEM SEMPRE ALEGRE ALEGRE! NEM SEMPRE ALEGRE! Avelino Barroso Espanta sobremaneira o relevo dado ao artigo de Manuel Alegre no jornal diário, o PÚBLICO, com direito a fotografia em destaque mesmo na primeira página! E não só. Logo de manhã na rádio a estranha novidade continuava! Mais ainda, todos os horários nobres da televisão abriam com parangonas, lembrando a fúria da corrida ao último número do romance de Harry Potter. E porque espanta? Porque, afinal, o artigo não tem nada de novo. Explora, sim, casos de Charrua e outros semelhantes já devorados pela oposição, rádio, imprensa e televisão. Volta a falar do medo, tema tão caro a Manuel Alegre, desde sempre. Como se Portugal estivesse novamente em ditadura. Invoca Santo Ofício e bufos da PIDE. A que propósito? Pasme-se com tanto exagero. Lamentáveis considerações fora de contexto. O Verão quente felizmente está a léguas dos dias de hoje. Aí, sim, estivemos à beira de uma ditadura do proletariado, sem comparação alguma com a ditadura do Estado Novo. Ataca sem dó nem piedade as reformas da administração pública que só pecam por não terem chegado mais cedo. Desde 1976, se reclama a necessidade urgente de tais reformas. Pagam-se favores políticos com empregos na administração central e autárquica. Há repartições onde já não há lugares sentados para todos, nem um papel para carimbar. Veja se a balbúrdia da Câmara Municipal de Lisboa, com o dobro de funcionários das Câmaras de Madrid e Barcelona. O PS no governo nunca fez nada de jeito, nunca levou um mandato até ao fim. Vem sendo batido pelo maior partido da oposição que é a formação partidária que mais tempo tem estado no governo, desde o 25 de Abril. Até que enfim chegou, com José Sócrates, a hora da esperança para um Portugal moderno. A oposição, e Manuel Alegre também, nem uma palavra tem dito sobre défice que era de 6,1% quando o governo tomou posse, e já desceu para pouco mais de 3%. Só interessa à oposição vasculhar temas de lana-caprina que comprometam o executivo. Se queremos ser suecos, temos de, a pouco e pouco, apostar na revogação das leis laborais, aproximando-as da Europa Ocidental, de modo a podermos competir nos mercados internacionais com qualidade e baixo preço. Actualização que é feita, sobretudo no interesse do pleno emprego, visto que só com riqueza é possível porem-se em prática políticas sociais mais favoráveis às classes trabalhadoras. Manuel Alegre não entende isso assim. Aprendamos com Tony Blair que logo, no seu primeiro governo, se distinguiu dos seus antecessores, afirmando: "O mundo que aí vem é um mundo mais baseado numa noção de dever do que numa noção de direito. Justiça ao trabalho sim, mas a flexibilidade é um dado adquirido”. Palavras ao Congresso em Outubro de 1997. Mais disse: “O Congresso é o órgão superior do Partido. E eu respeito-o muito. Mas agora sou primeiro-ministro e tenho de governar para quem me elegeu. Deliberem o que quiser mas quem governa sou eu”. Mas Manuel Alegre está contra o seu governo também quanto à flexibilidade que a seu tempo terá de evoluir para flexisegurança nas relações laborais. Sugere, ainda, que o governo de José Sócrates devia aproveitar a Presidência para rever o PEC. Se caísse nessa tentação abriria um precedente que levaria a que outros Estados-membros viessem a tentar resolver os seus próprios problemas à custa da revisão do PEC. E assim ficaria impossibilitada a UE de cumprir os fins para que foi fundada. Um Estado é uma casa grande. Não pode gastar mais do que o que produz. Daí os critérios de convergência do PEC: Limites no défice, na dívida pública, estabilidade cambial, taxas de juro e controlo da inflação. E só respeitando estes critérios pode haver convergência – pode haver mais riqueza e melhores políticas sociais. Não sou socialista nem nunca votei no PS. Mas hoje reconheço que José Sócrates está a fazer o que nenhum governo antes (à excepção dos governos de Cavaco Silva) teve coragem de fazer, pegando nos problemas como quem pega nos bois pelos cornos. Vem mexendo com privilégios instalados. Tornou-se uma esperança dias melhores. A oposição que lhe fazem é de caserna, vazia de conteúdo, sem alternativas. Atacam o Primeiro-ministro com base em erros que são cometidos à margem do seu conhecimento e que são excepções à regra geral. Anda crispado e tem razão para isso. Anda à volta dos problemas da Presidência que não são poucos nem pequenos. Devia aparecer menos em público, reconheço isso, mandando outros ministros ou secretários justificar as medidas tomadas. Deve refugiar-se no silêncio do seu gabinete, estudando em profundidade os dossiers. Escrevi dois textos aquando da luta fratricida na conquista da liderança do Partido, envolvendo os candidatos Manuel Alegre, João Soares e José Sócrates. Vou recordar, um passo, de um dos textos, aos meus leitores: O estilo de Sócrates terá de ser também moderno. Discurso claro, longe do barroquismo de outros líderes do antigamente. Em vez de ataques pessoais, críticas banais, vazias de conteúdo, terá de apresentar projectos com pernas para andar. Coligações? Com o CDS não resultou, à esquerda, o socialismo de Sócrates não tem nada de comum com essas ideologias, seria um fracasso a curto prazo. Foi a presidir a um governo minoritário que Cavaco Silva veio a sentar-se na cadeira de São Bento durante dez anos. E se acaso não conseguir a almejada maioria será esse o caminho que José Sócrates terá de trilhar. O cume do everest que Sócrates pretende atingir está ainda muito longe. Do outro lado há também futuros e bons alpinistas. Felizmente que, pela primeira vez, foi possível ao PS a almejada maioria absoluta. Que José Sócrates a saiba usar. Quanto a Manuel Alegre, longe de pensar que não seja um socialista de raiz. Mas se, por desgraça, viesse a ser um dia Primeiro-ministro faria como o Zé do Telhado – “roubar aos ricos para dar aos pobres”. É Manuel Alegre um histórico do PS, político carismático, humanista de corpo inteiro, poeta de inspiração natural e espontânea. No fundo um peso pesado do Partido Socialista. Isto tudo e já não é pouco. Que corra para a frente sem medo com o seu movimento de cidadania. Para isso tem liberdade que chegue para dar e vender. Mas deixe em paz e sossego o primeiro-ministro José Sócrates. Ele é também o líder do Partido onde o nosso poeta tanto se tem distinguido como militante carismático. avelino.barroso@sapo.pt ALEGRE! NEM SEMPRE ALEGRE! Avelino Barroso Espanta sobremaneira o relevo dado ao artigo de Manuel Alegre no jornal diário, o PÚBLICO, com direito a fotografia em destaque mesmo na primeira página! E não só. Logo de manhã na rádio a estranha novidade continuava! Mais ainda, todos os horários nobres da televisão abriam com parangonas, lembrando a fúria da corrida ao último número do romance de Harry Potter. E porque espanta? Porque, afinal, o artigo não tem nada de novo. Explora, sim, casos de Charrua e outros semelhantes já devorados pela oposição, rádio, imprensa e televisão. Volta a falar do medo, tema tão caro a Manuel Alegre, desde sempre. Como se Portugal estivesse novamente em ditadura. Invoca Santo Ofício e bufos da PIDE. A que propósito? Pasme-se com tanto exagero. Lamentáveis considerações fora de contexto. O Verão quente felizmente está a léguas dos dias de hoje. Aí, sim, estivemos à beira de uma ditadura do proletariado, sem comparação alguma com a ditadura do Estado Novo. Ataca sem dó nem piedade as reformas da administração pública que só pecam por não terem chegado mais cedo. Desde 1976, se reclama a necessidade urgente de tais reformas. Pagam-se favores políticos com empregos na administração central e autárquica. Há repartições onde já não há lugares sentados para todos, nem um papel para carimbar. Veja se a balbúrdia da Câmara Municipal de Lisboa, com o dobro de funcionários das Câmaras de Madrid e Barcelona. O PS no governo nunca fez nada de jeito, nunca levou um mandato até ao fim. Vem sendo batido pelo maior partido da oposição que é a formação partidária que mais tempo tem estado no governo, desde o 25 de Abril. Até que enfim chegou, com José Sócrates, a hora da esperança para um Portugal moderno. A oposição, e Manuel Alegre também, nem uma palavra tem dito sobre défice que era de 6,1% quando o governo tomou posse, e já desceu para pouco mais de 3%. Só interessa à oposição vasculhar temas de lana-caprina que comprometam o executivo. Se queremos ser suecos, temos de, a pouco e pouco, apostar na revogação das leis laborais, aproximando-as da Europa Ocidental, de modo a podermos competir nos mercados internacionais com qualidade e baixo preço. Actualização que é feita, sobretudo no interesse do pleno emprego, visto que só com riqueza é possível porem-se em prática políticas sociais mais favoráveis às classes trabalhadoras. Manuel Alegre não entende isso assim. Aprendamos com Tony Blair que logo, no seu primeiro governo, se distinguiu dos seus antecessores, afirmando: "O mundo que aí vem é um mundo mais baseado numa noção de dever do que numa noção de direito. Justiça ao trabalho sim, mas a flexibilidade é um dado adquirido”. Palavras ao Congresso em Outubro de 1997. Mais disse: “O Congresso é o órgão superior do Partido. E eu respeito-o muito. Mas agora sou primeiro-ministro e tenho de governar para quem me elegeu. Deliberem o que quiser mas quem governa sou eu”. Mas Manuel Alegre está contra o seu governo também quanto à flexibilidade que a seu tempo terá de evoluir para flexisegurança nas relações laborais. Sugere, ainda, que o governo de José Sócrates devia aproveitar a Presidência para rever o PEC. Se caísse nessa tentação abriria um precedente que levaria a que outros Estados-membros viessem a tentar resolver os seus próprios problemas à custa da revisão do PEC. E assim ficaria impossibilitada a UE de cumprir os fins para que foi fundada. Um Estado é uma casa grande. Não pode gastar mais do que o que produz. Daí os critérios de convergência do PEC: Limites no défice, na dívida pública, estabilidade cambial, taxas de juro e controlo da inflação. E só respeitando estes critérios pode haver convergência – pode haver mais riqueza e melhores políticas sociais. Não sou socialista nem nunca votei no PS. Mas hoje reconheço que José Sócrates está a fazer o que nenhum governo antes (à excepção dos governos de Cavaco Silva) teve coragem de fazer, pegando nos problemas como quem pega nos bois pelos cornos. Vem mexendo com privilégios instalados. Tornou-se uma esperança dias melhores. A oposição que lhe fazem é de caserna, vazia de conteúdo, sem alternativas. Atacam o Primeiro-ministro com base em erros que são cometidos à margem do seu conhecimento e que são excepções à regra geral. Anda crispado e tem razão para isso. Anda à volta dos problemas da Presidência que não são poucos nem pequenos. Devia aparecer menos em público, reconheço isso, mandando outros ministros ou secretários justificar as medidas tomadas. Deve refugiar-se no silêncio do seu gabinete, estudando em profundidade os dossiers. Escrevi dois textos aquando da luta fratricida na conquista da liderança do Partido, envolvendo os candidatos Manuel Alegre, João Soares e José Sócrates. Vou recordar, um passo, de um dos textos, aos meus leitores: O estilo de Sócrates terá de ser também moderno. Discurso claro, longe do barroquismo de outros líderes do antigamente. Em vez de ataques pessoais, críticas banais, vazias de conteúdo, terá de apresentar projectos com pernas para andar. Coligações? Com o CDS não resultou, à esquerda, o socialismo de Sócrates não tem nada de comum com essas ideologias, seria um fracasso a curto prazo. Foi a presidir a um governo minoritário que Cavaco Silva veio a sentar-se na cadeira de São Bento durante dez anos. E se acaso não conseguir a almejada maioria será esse o caminho que José Sócrates terá de trilhar. O cume do everest que Sócrates pretende atingir está ainda muito longe. Do outro lado há também futuros e bons alpinistas. Felizmente que, pela primeira vez, foi possível ao PS a almejada maioria absoluta. Que José Sócrates a saiba usar. Quanto a Manuel Alegre, longe de pensar que não seja um socialista de raiz. Mas se, por desgraça, viesse a ser um dia Primeiro-ministro faria como o Zé do Telhado – “roubar aos ricos para dar aos pobres”. É Manuel Alegre um histórico do PS, político carismático, humanista de corpo inteiro, poeta de inspiração natural e espontânea. No fundo um peso pesado do Partido Socialista. Isto tudo e já não é pouco. Que corra para a frente sem medo com o seu movimento de cidadania. Para isso tem liberdade que chegue para dar e vender. Mas deixe em paz e sossego o primeiro-ministro José Sócrates. Ele é também o líder do Partido onde o nosso poeta tanto se tem distinguido como militante carismático. avelino.barroso@sapo.pt Thursday, July 19, 2007 6:17 PM ELEIÇÕES À CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA ELEIÇÕES PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA Avelino Barroso Antes de mais começo por lembrar aos leitores os equívocos que determinaram estas eleições intercalares. O Parido Social-democrata (PSD) foi o partido mais votado nas eleições legislativas de 2002. Assim, o seu líder Durão Barroso tornou-se Primeiro-ministro, destacando-se por ter posto em prática uma política de contenção da despesa pública, graças à eficiente colaboração da ministra das finanças Manuela Ferreira Leite. Acontece, porém, que em Junho de 2004 foi convidado para assumir o cargo de Presidente da Comissão Europeia. Depois de reflectir sobre o caminho a seguir ou não, aconselha-se com o Presidente da República Jorge Sampaio que lá foi dizendo que não era de deixar cair esta bela oportunidade, até porque isso seria uma honra para Portugal e que talvez não surgisse mais, no futuro, idêntica oportunidade. Primeiro equivoco – Jorge Sampaio, quando tudo levava a crer que iria dissolver a Assembleia, preferiu indigitar o Vice-presidente do PSD, Pedro Santana Lopes para Primeiro-ministro. E Santana interrompe o mandato da Câmara Municipal, em Lisboa, trocando o certo pelo duvidoso. Segundo equívoco – Com surpresa, mesmo de constitucionalistas, o Presidente da República, passados quatro meses, dissolve a Assembleia da República e convoca novas eleições antecipadas, “apesar da coligação entre PSD e o PP ter a maioria na Assembleia, facto inédito na história da democracia em Portugal. Sampaio não chegou a explicitar os motivos da sua decisão, mas o facto de o Partido Socialista (partido de Sampaio) estar na altura em alta nas sondagens e o facto da liderança deste partido ter entretanto mudado foram apontados por vários sectores como tendo sido determinantes para a sua decisão”. Lisboa perde assim um Presidente de Câmara com provas dadas na Figueira a Foz, e o Parque Mayer acaba por mudar de mãos, e, com tudo isto, vai pela água abaixo esse credível projecto de um famoso arquitecto americano para este local, que tanta dignidade viria a dar a essa linda cidade de Lisboa. E o País perdeu também um Primeiro-ministro que nem sequer tempo teve de mostrar o que valia. Com a tomada de posse do XVI Governo Constitucional de Santana Lopes, Carmona regressa à Câmara Municipal como Presidente, cargo que exerce durante oito meses. Vence, como candidato independente, as eleições de Outubro de 2005, apoiado pelo PSD, deixando para trás Manuel Maria Carrilho, do Partido Socialista. Faz uma coligação pós-eleitoral com Maria José Nogueira Pinto, que lhe permite uma maioria absoluta. Com a demissão de Nogueira Pinto, perde Carmona a maioria. Terceiro equivoco: Quem tudo quer tudo perde: Rompida a coligação, Marques Mendes toma a opção de provocar eleições intercalares. Resultado: A Presidência da Câmara passa de mão beijada para o Partido Socialista. E certamente, lá continuará depois das eleições de 2009. E a direita sofre uma pesada e vergonhosa derrota à boca das urnas. Bem melhor teria sido deixar Carmona cumprir o mandato até onde a oposição o deixasse. E assim, talvez as eleições viessem só a ter lugar em 2009. Primeiro recado: A vitória do Partido Socialista sabe a pouco. O eleitorado deve ter querido dizer: Cuidado José Sócrates, devagar que temos pressa. A culpa do resultado arrancado a ferros, valendo tudo, menos, ou até, tirar olhos, não foi do candidato António Costa que até tem bom currículo académico e político. Mas terá, agora, de sensibilizar o governo para a reforma da Administração Autárquica que já perde pela demora. Não faz sentido que Madrid e Barcelona tenham cinco funcionários por cada mil munícipes, e Lisboa, Oeiras e Cascais tenham o dobro. E nem vale a pena falar nas outras Câmaras espalhadas por todo o País, onde se pagam também favores políticos com empregos, sobretudo nas empresas municipais, onde já não há, para muitos funcionários, um banco e um papel para carimbar. Mostre António Costa o que vale, se quer seguir em frente em 2009. Segundo recado: Paulo Porta, por onde anda a primavera do CDS/PP tão anunciada e prometida? O povo está cheio de promessas por cumprir. Perder na Madeira, perder em Lisboa e com certeza perder também nas legislativas e autárquicas de 2009, será o dizer adeus para sempre à política portuguesa. E é pena. E estou até a dar ao desbarato a preocupante crónica de Clara Ferreira Alves na revista ÚNICA do Expresso, do fim-de-semana. Terceiro recado: Arquitecta Roseta, para a frente é que é o caminho. O povo está farto das manobras partidárias, onde os velhos métodos da União Nacional de Salazar e Caetano estão a ser copiados. É chegada a hora do Movimento de Cidadania. Quarto recado: Que tenha o PCP paciência por ter perdido para Roseta o terceiro lugar no pódio. Que continue o seu caminho na luta pelos direitos dos trabalhadores, distanciando-se pouco a pouco da CGTP. Só terá a beneficiar com isso, ganhando a sua luta mais credibilidade. Quinto recado: O Bloco de Esquerda não beneficiou de dividendos políticas na sua luta contra a corrupção. Até à sentença com trânsito em julgado há a presunção de inocência do arguido. Talvez, por isso, o resultado das eleições não lhe tenha sido mais favorável. Vamos esperar para ver. avelino.barroso@sapo.pt Thursday, July 19, 2007 6:01 PM ELEIÇÕES PARAA CÂAMARA MUNICIPAL DE LISBOA ELEIÇÕES PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA Avelino Barroso Antes de mais começo por lembrar aos leitores os equívocos que determinaram estas eleições intercalares. O Parido Social-democrata (PSD) foi o partido mais votado nas eleições legislativas de 2002. Assim, o seu líder Durão Barroso tornou-se Primeiro-ministro, destacando-se por ter posto em prática uma política de contenção da despesa pública, graças à eficiente colaboração da ministra das finanças Manuela Ferreira Leite. Acontece, porém, que em Junho de 2004 foi convidado para assumir o cargo de Presidente da Comissão Europeia. Depois de reflectir sobre o caminho a seguir ou não, aconselha-se com o Presidente da República Jorge Sampaio que lá foi dizendo que não era de deixar cair esta bela oportunidade, até porque isso seria uma honra para Portugal e que talvez não surgisse mais, no futuro, idêntica oportunidade. Primeiro equivoco – Jorge Sampaio, quando tudo levava a crer que iria dissolver a Assembleia, preferiu indigitar o Vice-presidente do PSD, Pedro Santana Lopes para Primeiro-ministro. E Santana interrompe o mandato da Câmara Municipal, em Lisboa, trocando o certo pelo duvidoso. Segundo equívoco – Com surpresa, mesmo de constitucionalistas, o Presidente da República, passados quatro meses, dissolve a Assembleia da República e convoca novas eleições antecipadas, “apesar da coligação entre PSD e o PP ter a maioria na Assembleia, facto inédito na história da democracia em Portugal. Sampaio não chegou a explicitar os motivos da sua decisão, mas o facto de o Partido Socialista (partido de Sampaio) estar na altura em alta nas sondagens e o facto da liderança deste partido ter entretanto mudado foram apontados por vários sectores como tendo sido determinantes para a sua decisão”. Lisboa perde assim um Presidente de Câmara com provas dadas na Figueira a Foz, e o Parque Mayer acaba por mudar de mãos, e, com tudo isto, vai pela água abaixo esse credível projecto de um famoso arquitecto americano para este local, que tanta dignidade viria a dar a essa linda cidade de Lisboa. E o País perdeu também um Primeiro-ministro que nem sequer tempo teve de mostrar o que valia. Com a tomada de posse do XVI Governo Constitucional de Santana Lopes, Carmona regressa à Câmara Municipal como Presidente, cargo que exerce durante oito meses. Vence, como candidato independente, as eleições de Outubro de 2005, apoiado pelo PSD, deixando para trás Manuel Maria Carrilho, do Partido Socialista. Faz uma coligação pós-eleitoral com Maria José Nogueira Pinto, que lhe permite uma maioria absoluta. Com a demissão de Nogueira Pinto, perde Carmona a maioria. Terceiro equivoco: Quem tudo quer tudo perde: Rompida a coligação, Marques Mendes toma a opção de provocar eleições intercalares. Resultado: A Presidência da Câmara passa de mão beijada para o Partido Socialista. E certamente, lá continuará depois das eleições de 2009. E a direita sofre uma pesada e vergonhosa derrota à boca das urnas. Bem melhor teria sido deixar Carmona cumprir o mandato até onde a oposição o deixasse. E assim, talvez as eleições viessem só a ter lugar em 2009. Primeiro recado: A vitória do Partido Socialista sabe a pouco. O eleitorado deve ter querido dizer: Cuidado José Sócrates, devagar que temos pressa. A culpa do resultado arrancado a ferros, valendo tudo, menos, ou até, tirar olhos, não foi do candidato António Costa que até tem bom currículo académico e político. Mas terá, agora, de sensibilizar o governo para a reforma da Administração Autárquica que já perde pela demora. Não faz sentido que Madrid e Barcelona tenham cinco funcionários por cada mil munícipes, e Lisboa, Oeiras e Cascais tenham o dobro. E nem vale a pena falar nas outras Câmaras espalhadas por todo o País, onde se pagam também favores políticos com empregos, sobretudo nas empresas municipais, onde já não há, para muitos funcionários, um banco e um papel para carimbar. Mostre António Costa o que vale, se quer seguir em frente em 2009. Segundo recado: Paulo Porta, por onde anda a primavera do CDS/PP tão anunciada e prometida? O povo está cheio de promessas por cumprir. Perder na Madeira, perder em Lisboa e com certeza perder também nas legislativas e autárquicas de 2009, será o dizer adeus para sempre à política portuguesa. E é pena. E estou até a dar ao desbarato a preocupante crónica de Clara Ferreira Alves na revista ÚNICA do Expresso, do fim-de-semana. Terceiro recado: Arquitecta Roseta, para a frente é que é o caminho. O povo está farto das manobras partidárias, onde os velhos métodos da União Nacional de Salazar e Caetano estão a ser copiados. É chegada a hora do Movimento de Cidadania. Quarto recado: Que tenha o PCP paciência por ter perdido para Roseta o terceiro lugar no pódio. Que continue o seu caminho na luta pelos direitos dos trabalhadores, distanciando-se pouco a pouco da CGTP. Só terá a beneficiar com isso, ganhando a sua luta mais credibilidade. Quinto recado: O Bloco de Esquerda não beneficiou de dividendos políticas na sua luta contra a corrupção. Até à sentença com trânsito em julgado há a presunção de inocência do arguido. Talvez, por isso, o resultado das eleições não lhe tenha sido mais favorável. Vamos esperar para ver. avelino.barroso@sapo.pt Friday, July 13, 2007 8:39 PM NÃO HÁ MÃE SEM PERIQUITO NÃO HÁ MÃE SEM PERIQUITO Avelino Barroso A Maria Rosa, afastada da terra desde há décadas, regressa, mordida de saudades e atira-se de braços abertos ao seu querido irmão que passara uma vida a clamar pela sua chegada e já sem esperanças de a ver antes de partir para a grande viagem. Apesar dos cerca de oitenta anos de idade, ainda tinha ideias claras, embora já com vista curta, mãos trémulas, costas corcovadas e passadas pouco firmes, sempre de pau na mão para melhor reconhecer os caminhos e os carreiros. — Ó irmão, como estás ainda bom, de raízes bem fundas, preso à vida pacata desta inocente terra que nos viu nascer! O irmão José da Rocha Calhau, professor aposentado de instrução primária, chorando e tremendo de emoção, abraça a irmã, de olhos humedecidos e exclama: — Já posso morrer. E num relançar de olhos para uma vida já distante, mas ainda bem clara no mundo de suas recordações, lá vai inteirando a irmã Rosa da vida vivida durante os anos da sua ausência e lá vai dizendo, de voz bem timbrada, mas parando um pouco, de quando em vez, para respirar fundo. — Ó minha querida irmã Rosa, a vida rural desta aldeia, naquele tempo em que tu, ainda pequenina, partiste para essas terras longínquas, descobertas por Cristóvão Colombo, às ordens dos Reis Católicos de Espanha, não era, não, a vida de hoje que favorece muito malandro que gosta de viver sem trabalhar, à custa do orçamento do Estado. Logo a seguir ao fim dessa maldita guerra sangrenta que envolveu vários países, para matar à nascença a ambição desse homem louco que foi Adolfo Hitler que pretendia dominar o mundo, a vida, por aqui, foi uma vida de sacrifício. Os recursos eram apenas os que vinham da terra! E eram escassos. Os trabalhos do campo não absorviam os braços livres de uma geração que, em número, não parava de crescer. A exploração dos campos fazia-se por processos rudimentares, dado que os frutos mal davam para comer, quanto mais para amortizarem a compra de maquinaria que as havia já, mas eram um luxo apenas dos americanos ou europeus de países economicamente desenvolvidos. Nestas terras, à margem da civilização, esquecidas dos centros urbanos, onde o comércio, a indústria e os serviços eram e são actividades de maior riqueza, o trabalho árduo do campo era e é feito por caseiros, tendo por ferramenta a enxada, a sachola, a foicinha, o alvião, a picareta, o gadanho, o engaço ou ancinho, directamente utilizados pelo braço trabalhador. Mas também o já histórico arado para lavrar a terra e ainda a grade para enterrar o milho, cereal que constituía a base de alimentação daquela pobre gente e gente pobre! E o milho não dava pouco trabalho: adubar, lavrar, sachar, mondar, cortar, desfolhar, secar nos espigueiros ou canastros, malhar, secar na eira os grãos já debulhados e só depois moer e com a farinha amassada em forma de broa, cozer o pão em fornos, muitas vezes comunitários. Também não faltava, nem podia faltar, o carro de bois com duas grandes rodas de madeira utilizado no transporte de lenha, madeira e mato, este para fazer o estrume com que se adubavam os campos. Ao fim da tarde era uma festa quando estes antigos meios de transporte desciam monte abaixo por caminhos desnivelados, muito acidentados, aos solavancos, numa marcha lenta de pára e arranca. O homem da soga, de vara com aguilhão, braços bem erguidos, voltado para os bois cangados, gritava-lhes e gesticulava, submetendo-os, assim, numa linguagem que eles, por instinto, já percebiam e obedeciam imediatamente! E os carros faziam uma chiadeira que se ouvia a léguas de distância, mas harmoniosa e agradável aos ouvidos, sobretudo quando o eixo do carro não era bem untado com coiratas de porco a escorrerem e a pingarem para o chão. Trabalho insano e tão mal pago! Quantas vezes ficam a meditar o que seria desta gente se não tivesse a fé caldeada, ao longo da vida, no exercício de actos religiosos: a primeira comunhão, comunhão solene, casamentos e baptizados, primeira sexta-feira de cada mês, novenas e romarias, etc. E uma dedicação filial ao abade da freguesia que, naquele tempo, ainda era um poço de virtudes! Hoje as excepções à regra geral, desses recuados tempos, já vão sendo infelizmente muitas, para o meu gosto! Por outro lado era uma gente humilde, sem outra ambição que não fosse o bem da família, a educação, o trabalho e a vivência cristã de seus filhos. E da salvação das suas almas acima de tudo. Cada lugar tomava conta dos seus pobres. Ninguém passava fome de uma fumegante e bem adubada sopa com o azeite da terra, verduras, macarrão, batatas e feijões. A solidariedade humana era a regra de ouro dessa gente que não conhecia o crime. E a única droga era a da malguita do vinho a mais, no fim-de-semana, na taberna de porta aberta até alta noite, sobretudo aos domingos. E o único vício era o jogo das cartas. Mais às orelhadas do que à sueca que obrigava a pensar muito. E o jogo da malha também era muito praticado. Para não falar do jogo do pau, cuja fama corria com o vento por todo lado! Filhos quantos mais melhor. Deus os dá, Deus os ajuda a criar. São o único pé-de-meia na velhice. Quantos pais não passariam, por grandes necessidades, se não tivessem um ou outro filho que lhe acudisse na hora certa para não dependerem da caridade alheia. Ainda andava, e bem por longe, o slogan da terra a quem a trabalha, que mais tarde vem a criar na cabeça das pessoas ilusões de falsas promessas. O patrão rural que pouco melhor vivia que o caseiro era ainda uma pessoa tida como um benfeitor. Andava ainda, por outras bandas, o conceito de que todos os patrões haviam de ser forçosamente exploradores! Hoje os tempos mudaram! Para pior. Anda tudo sem rei nem roque. Em vez de humildade, há arrogância. Hoje não se pede, reivindica-se. As pessoas não querem trabalho, querem emprego! Era assim a vida por aqui. E tu, irmã Rosa? Por onde tens andado? O que é feito de ti que só, uma vez ou outra, deste sinal de vida, em tantos anos? — Ó irmão Zé, eu lá fui parar essas terras longínquas do Rato Mickey e por lá fiquei até agora! Também eu, de certa maneira, comi o pão que o diabo amassou. Lá todos os sectores da economia estão mecanizados e controlados cientificamente. Mesmo a produção agrícola que excede as necessidades domésticas. Há reservas substanciais de petróleo, de gás natural, de carvão fóssil, etc. Toda a gente é rica, de certa maneira! Mas olha Zé, a crise da abundância, por vezes, é pior do que a crise da pobreza. Porque a riqueza gera ganância, e a ganância gera stress, e intranquilidade, e depressões que se tornam já crónicas, nos países desenvolvidos. Por lá cada vez se vai esbatendo mais o sentimento da família! E a solidariedade é uma solidariedade fria, sem amor. Existe apenas como meio importante na conquista do poder. Quantas vezes tive desejo da sopa bem adubada, comida na malga apoiada nos joelhos, na velha casa de nossos pais. E duas sardinhas bem gordas que eram naquele tempo a cinquenta a coroa. Sabiam-me bem melhor que o cherne que como hoje! As pessoas, na ânsia de aproveitar a vida até à última gota, desistiram de ter filhos. Preferem animais. Agora estão muito em voga os periquitos! Multiplicam-se os consultórios de médicos psiquiatras, psicólogos e parapsicólogos, para atenderem doentes depressivos, tantas vezes por lhes ter morrido o seu “filho” gato ou o seu “filho” periquito! Houve com atenção: Ainda há dias foi motivo de grandes parangonas na imprensa, e na rádio, e na televisão com honras de horário nobre, o abandono de uma criança num dos Hospitais de um dos Estados federados! Uma jovem, bem na vida, teve um parto mas rejeitou a criança. Assinou o termo que lhe foi imposto com o nome falso de Mary Candeias. Trinta anos depois, morre-lhe o seu querido periquito. Entra em depressão que a impede de trabalhar. Grita; dorme pouco e só com o auxílio de poderosos tranquilizantes! E sempre com a gaiola do periquito, à cabeceira da cama. Passa o dia a vigiar a gaiola, sempre preocupada que esteja fornecida de alimento e água para o periquito que já lá não habita! Quando sai à rua pede, da janela, à vizinha do lado, que lhe deite uns olhinhos ao seu periquito, enquanto ela vai ao supermercado! Mas, nos intervalos lúcidos, procura por todo o lado, os psicólogos e parapsicólogos, queixando-se da angústia deixada pelo vazio do seu “filho” querido! Mas, um dia, acabou por cair no consultório de um médico do foro psiquiátrico. O médico recomenda-lhe, para além de uma medicação adequada, a adopção de uma criança. Ela responde que é tarde. E, olhando para todos os lados, aproxima-se um pouco e segreda-lhe: — Nunca mais esquecerei a data fatídica de 20 de Janeiro de 1946! O médico sorri e atalha: — Não diga que essa data é fatídica. É também a data do meu nascimento. – Desculpe Senhor Doutor. Fatídica para mim. Foi nesse dia, nesse mês e nesse ano, que entrei num Hospital para ter o meu primeiro filho de namoro e ali o deixei entregue à caridade alheia! Já a tremer e um tanto surpreendido pela notícia, adianta, sem perda de tempo: — Por favor, diga-me, minha Senhora, qual foi o Hospital em que deu à luz essa desvalida criança? – - O Hospital de S. Jorge, Senhor Doutor. Como poderia eu esquecer. – Assinou o termo de abandono? – Sim senhor Doutor. Foi-me imposta essa formalidade. – E com que nome? – O nome falso de Mary Candeias. O Dr. Jonh deixou-se cair no sofá e ali ficou por uns instantes pensativo! Refeito do choque, levantou-se e, voltando-se para a doente, perguntou: Está arrependida? – E com remorsos, Senhor Doutor. Quem me dera esse filho. Olhe minha senhora, eu também perdi a minha mãe nesse dia, nesse mês e nesse ano! Também fui abandonado nesse Hospital no dia do meu nascimento. Ando há décadas atrás da minha mãe Mary Candeias! Todo o filho deseja uma mãe nem que seja de uma silva. Se a encontrar avise-me depressa que eu ofereço-lhe um periquito. Ainda não tinha acabado de fazer o irónico apelo, já a mãe Mary Candeias jazia, desmaiada sobre o sofá. Reanimada pelo próprio filho, abriu os olhos e disse: — Anda viver comigo, meu querido filho Jonh, se é que eu não posso viver contigo! Mas com uma condição Jonh, acrescenta, o prometido é devido. Não há mãe sem periquito! avelino.barroso@sapo.pt Wednesday, July 11, 2007 10:25 PM Comentário a um texto no Expresso opinião Avelino Barroso Não é seguro que o tempo para Jardim Gonçalves tenha passado. Não é de subestimar o currículo do homem forte da Banca portuguesa. Foi na Espanha que ele pôde crescer, pondo em prática a sua imaginação. Ainda muita gente se lembra de ele disponibilizar a primeira máquina de Multibanco, em Portugal. Já a noite não era uma criança quando recebeu do poder um telefonema avisando-o de que o risco do assalto era grande. Já na Espanha, esta vantagem de sacar dinheiro das contas bancárias à ordem proliferava por todo o país. O risco calculado é uma virtude do homem de negócio. Jardim Gonçalves conhece os cantos à casa que fundou e onde ainda é reconhecido como um Senhor. As maiorias entre os grandes correm com fluidez de um lado para o outro. A OPA é hoje um recurso que faz mudar a administração de uma empresa cotada na Bolsa da noite para o dia. Jardim sabe isso como ninguém. Jardim tem muitos amigos que confiam ainda nele. As ideias deste homem fadado para vencer não são ideias de um homem apodrecido pela idade. Longe disso. No seu entendimento o Banco que fundou anda por maus caminhos. E isso entretece-o. E a falta de gratidão por parte do seu pupilo irrita-o. Irá lutar até ao fim pelo bom-nome do “seu” Banco e contra a desonra de ser lançado pela janela fora. Não vai ser carta fora do baralho, não é nem vai ser. Esperar para ver. Avelino Barroso PS – comentário a um texto de Henrique Monteiro no Expresso opinião on line Friday, July 06, 2007 3:09 PM TRATADO DE LISBOA TRATADO DE LISBOA Avelino Barroso Não é um Tratado Constitucional como viria a ser o Tratado que não foi ratificado pela França nem pela Holanda e que, por isso, a União Europeia mergulhou numa das maiores crises desde o Tratado de Roma. Razão tinha Jean Monnet quando um dia disse que a UNIÃO era como uma bicicleta – caía quando parava. A Europa dos 27 espera, com ansiedade, a concretização do audacioso Projecto Europeu. Kant publicou, em 1795, o Projecto Filosófico da Paz Perpétua, defendendo a paz pela supremacia do direito. Contudo, há que reconhecer que todos os projectos de raiz humanística que defendiam a unidade política entre as soberanias europeias esbarraram perante a prepotência dos príncipes soberanos que não pretendiam largar mão da sua autoridade absolutista, influenciada pela teoria maquiavélica – Se não é possível sermos amados e temidos ao mesmo tempo, é melhor sermos temidos. E foi assim que os poderes absolutos e despóticos dos séculos XVII e XVIII foram travando, até à Revolução Francesa, a ideia de uma Europa economicamente próspera, dotada de uma autoridade supranacional que asseguraria a paz nunca antes alcançada. De realçar que foram os vanguardistas da Revolução Americana que aproveitaram o movimento de ideias de uma Europa unida para instituírem o Estado Federal que é o exemplo, entre eles, de prosperidade e concórdia. Foi essa experiência americana que acabou por influenciar Saint-Simon que passa a defender no seu livro Da Reorganização da Sociedade Europeia, em 1814, uma federação dos povos europeus, com parlamento comum e um governo supranacional. O próprio Victor Hugo vai desenterrar os princípios enunciados por Pierre Dubois, para profetizar, no Congresso de Paz de 1848, a criação dos Estados Unidos da Europa, ideia perfilhada, após o fim da guerra 1939/1945, pelo Primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill. Vamos ficar por aqui quanto à resenha histórica, não deixando de reconhecer, contudo, que só depois da Guerra Mundial (1914-1918) e, a seguir uma outra ainda de maiores proporções catastróficas, (1939-1945) se encontrou fôlego para caminhar ligeirinho na construção de uma União Europeia, em paz e sossego. Na verdade, foi assinado a 25 de Março de 1957, debaixo de chuva torrencial, e ao som do repicar dos sinos, o TRATADO DE ROMA que veio dar origem ao Mercado Comum, selado na sala dos Horácios e Curiácios do Palácio do Capitólio, nessa histórica capital da Itália, pelos representantes da França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália. E a 1 de Novembro de 1993 entra em vigor o TRATADO DE MAASTRICHT . Também conhecido pelo TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA, depois de ratificado pelos parlamentos nacionais dos doze estados-membros. Surge assim o grande mercado interno. Institui este Tratado a União Europeia e a cidadania europeia. Estabelece os critérios de convergência nominal com vista à moeda única. T RATADO DE NICE – Adoptado na sequência do Conselho Europeu de Nice, em Dezembro de 2000, e assinado em 26 de Fevereiro de 2001. Entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 2003. É o culminar da Conferência Intergovernamental (CIG), realizada em Fevereiro de 2000, cujo objecto era a adaptação do funcionamento das instituições europeias antes da chegada de novos Estados-Membros. Esperemos que a Presidência portuguesa (a terceira e última) corresponda à confiança que os restantes membros nela vêm depositando. Até à redacção final do TRATADO DE LISBOA, há um longo caminho a desbravar. A Polónia parece já estar a ameaçar novamente. Seria penoso que a Polónia voltasse a pôr em cima da mesa os vinte e muitos milhões de polacos mortos pela Alemanha nazi, para fazer valer hoje as suas reivindicações. 2 - REFERENDO: É um dos dois processos previstos para a ratificação do novo Tratado. Não vamos ser mais papistas que o Papa. Os Parlamentos dos Estados-membros ratificaram o TRATADO DE MAASTRICHT que instituiu a União Europeia. Foi por indicação de Sarkozy que surgiu a ideia de um Tratado reformador para evitar o referendo que podia criar um novo impasse. De resto, diga-se que não estamos a considerar que o povo seja estúpido, mas temos de reconhecer que os deputados por si eleitos estão mais esclarecidos quanto aos problemas da UNIÃO . O Presidente do Parlamento Europeu, Hans Gert Pottering, defendeu já, em Lisboa, a título pessoal, a legitimidade dos parlamentos nacionais dos 27 Estados membros ratificarem o futuro Tratado da UE Pouco simpático, seria Portugal impor o referendo, ao contrário dos restantes membros que condicionaram as negociações à recusa dessa mesma consulta popular. Baixa a politica de oposição ao governo, que, abusivamente, recorre a este processo moroso, custoso, e duvidoso quanto ao sentido de voto, à falta de uma política de alternativas à política do executivo. A CGTP-IN continua a hostilizar a União Europeia. Nem lhe bastam os 21,5 mil milhões de euros para relançar a economia e, assim, aumentar significamente também o emprego. O Carvalho da Silva está mesmo velho. Ainda sonha com o PREC! O Projecto Europeu é uma honra e um dever para as gerações que o hão-de conduzir até à concretização do sonho de um mundo sem guerras, de Paz universal. A ideia de uma Europa unida nasceu da necessidade de uma estável paz entre os povos. Que felicidade para as gerações vindouras virem a usufruir de um rendimento per capita significativamente muito superior ao dos povos que tiveram, e hoje ainda têm, de pagar com seu trabalho as guerras que ainda por cima consomem tanto sangue inocente. Convém ter presente que o fim do Projecto Europeu é um fermento que não parará de levedar enquanto os cinco continentes não estiverem inteiramente democratizados, e em todo o planeta houver um Mercado Global Único, fim único da globalização. Convém lembrar que o “grande debate da União Africana”, com vista aos Estados Unidos de África, já está na calha. Longe ainda a ideia de uma paz universal que vem sendo travada pelo exacerbado nacionalismo dos líderes europeus dos Estados-membros. E tão exacerbado que nem os símbolos (hino, bandeira) integram o novo Tratado. Longe está ainda a cultura de uma UNIÃO universalmente abrangente, de um Estado Supranacional. Devagar que tenho, pressa. avelino.barroso@sapo.pt Friday, June 29, 2007 1:54 PM BODAS DE OURO SACERDOTAIS E MATRIMONIAIS BODAS DE OURO SACERDOTAIS E MATRIMONIAIS Avelino Barroso No passado dia 16 de Junho, teve lugar na Igreja de Vila de Punhe – Viana do Castelo – a cerimónia religiosa das Bodas de ouro sacerdotais do Padre Cónego Amadeu Rodrigues Torres, e matrimoniais de sua irmã e cunhado, Eva Rodrigues Torres e Alfredo Pereira de Amorim. Presentes no notável evento a Universidade do Minho, com destaque para os ex-reitores Lúcio Craveiro, Machado Santos, Chainho Pereira e ainda o ex-vice-reitor Aguiar e Silva. Bem representada também a Universidade Católica através do Presidente do Centro Regional de Braga e de outros Professores. Viana do Castelo em peso, a cidade dos três encantos – o Rio, a Terra e o Mar. Presentes a casta dos melhores jornalistas do Alto Minho. E não faltaram também, e não podiam faltar, a Câmara Municipal, Francisco Sampaio, Oliveira e Silva que foi já Governador Civil, os deputados Ricardo Gonçalves e Fátima Pimenta. Também o Deão e o Arcediago do Cabido da Sé de Braga não deixaram passar a oportunidade de honrar com a sua presença esta merecida homenagem. Com muito pena de não poderem estar presentes, o Senhor Arcebispo Primaz D. Jorge Ortiga e o Senhor D. Eurico Dias Nogueira, por se encontrarem em Roma. Abrilhantou a festa o Coral da freguesia dirigido pelo Prof. Doutor José Lima, do qual faziam parte dois musicólogos do Conservatório do Porto. Também o Prof. A. Luís Esteves deleitou o agradável convívio com melodiosas músicas, ao seu próprio piano, e a sua maviosa voz, cantarolando adequadas canções. O banquete teve lugar numa tenda com a capacidade de mais de duzentas pessoas e estava a rebentar pelas costuras. A ementa deixou todos os convidados de boca aberta. Coisa nunca vista, a começar pela diversidade de aperitivos, onde não faltou o leitão da Bairrada. Por volta das 18 horas ainda se não tinha chegado ao bolo regado com champanhe bruto. Não poucos se mantiveram sentados para não perder o lugar para a ceia que constava já da ementa. Girândolas de foguetes estalavam por todo o lado, assinalando a indelével festa. Por volta da meia-noite, os céus de Vila de Punhe ficaram inundados de vivas cores com a sessão de fogo-de-artifício – iniciativa dos sobrinhos e genros dos três homenageados. Durante a celebração religiosa foram distribuídos significativos contributos em dinheiro para a Igreja, Associações Religiosas e Civis, destacando-se, ainda, o Neves Futebol Clube e o Centro Recreativo e Cultural das Neves. Profundamente comovido ficou o Senhor Bispo D. José Augusto com este louvável gesto de solidariedade social que muito despertará o aumento de vocações sacerdotais. Boa ideia a distribuição de um livro “ Em quadros da Vida de Amadeu Rodrigues Torres”. Iniciativa da Juntada de Freguesia, cujo Presidente António Moreira, com o seu característico e simpático sorriso, andava numa fona de um lado para o outro para que tudo corresse nos trinques. E correu. A si se deve, em grande parte, a homenagem que, de facto não podia ter corrido melhor. Incansável também o irmão de Amadeu Torres, o sacerdote Dr. Alípio. E obrigado ao Presidente António Moreira por me ter distinguido, ao convidar-me para fazer a entrega, ao homenageado, da medalha de honra da Junta da Freguesia. Aplaudida de pé a declaração do deputado do Partido Socialista, Ricardo Gonçalves, no sentido de que brevemente a Ministra da Cultura Isabel Pires de Lima irá condecorar o homenageado Prof. Doutor Amadeu Torres com a Medalha de Mérito Cultural. E já tardava esta merecida condecoração. Quem neste país merecia mais do que Amadeu Torres uma medalha de cultura! Quem não conhece o seu mundo de cultura que extravasa as fronteiras nacionais! Do Colóquio realizado em Braga, de 20 a 22 de Abril de 2005, na Aula Magna da Faculdade de Filosofia, em homenagem ao homem, ao humanista, ao filólogo , linguista , e poeta, ainda ressoam hoje as comunicações de personalidades marcantes da cultura clássica, representativas de tantas universidades não só do universo nacional, mas também internacional, desde a Europa, Estados Unidos, Brasil, até ao Japão. Os mestres homenageavam o mestre, por ocasião do seu 80º aniversário natalício, através de um encontro científico por parte da comunidade académica abrangentemente representada. A Internet – a mãe de todas as enciclopédias – já imortalizara o homenageado, realçando a diversidade de facetas de uma vida ao serviço da cultura ligada sobretudo ao Humanismo, à Filologia, à Filosofia, ao mestre de Humanidades, ao Poeta lusitano Castro Gil com vocação universalista, como, com tanta propriedade, escreveu CARLO NEJAR, da Academia Brasileira de Letras, no prefácio do livro do homenageado: “ POETICA EM RAZÃO CRÍTICA que vem sendo lido com furor por todos aqueles que vibram com os sentimentos expressos através da arte de bem poetar.”. AMADEU TORRES não é só da Vila De Punhe, Viana do Castelo. É uma personalidade universal, conhecida por esses continentes fora porque por aí havia e há muitas Universidades, onde ele, qual formiguinha, trabalhava, em férias, o dia inteiro. Durante décadas contactou com esses majestosos centros de ensino superior desde a América ao Japão, passando pela Europa onde, aqui, vasculhou todas as bibliotecas à procura de pegadas do seu ídolo Damião de Góis. Por ali descobriu trinta e sete cartas inéditas escritas em latim pelo seu próprio punho que serviram de base à sua tese de doutoramento intitulada Noese e Crise na Epistolografia Latina Goisiana e que foi classificada com a nota máxima de distinção e louvor e o Prémio Laranjo Coelho da Academia das Ciências de Lisboa. Ao douto catedrático da Universidade Católica Portuguesa e da Universidade do Minho se deve a justa homenagem do Congresso Internacional sobre esse destacado Humanista, na Europa do Renascimento, tão injustamente tratado pela Inquisição. Se não é possível falar hoje de GÓIS sem falar de ERASMO, seu mestre, também possível não é falar de GÓIS sem uma profunda referência ao trabalho da aturada investigação de Amadeu Torres, sobre a vida e obra do “caixeiro-viajante” de D. João III. Damião de Góis estava esquecido e hoje está ressuscitado e, mais que isso, reabilitado. O gosto pela poesia cedo, bem cedo, bateu à porta de Amadeu Torres. Camões escreveu OS LUSÍADAS , distinguindo-se como o maior épico português de todos os tempos. Fernando Pessoa trabalhou primorosamente, na MENSAGEM , o mesmo tema épico, mas não conheceu, in loco, como Castro Gil, os novos mundos dados ao mundo no dizer feliz de Camões. Mais Mundo Haverá (em português e inglês), de Amadeu Torres, é também uma obra de tema épico que se vai perpetuar por todos os tempos. 29/06/07 Tuesday, June 26, 2007 4:45 PM O HOMEM DA NOITE O HOMEM DA NOITE Avelino Barroso Sempre à mesma hora da noite, fizesse frio ou calor, aquele rapaz que dava pelo nome de Jorge, lavava a cara, fazia a barba, vestia-se, ajeitava com a mão uma bem pronunciada madeixa de cabelo loiro e saía para o caminho. Alto, elegante, olhar fascinante, peito peludo, andar de gingão, era por aquelas redondezas conhecido por um verdadeiro macho latino. A tia Margarida, mulher já bem avançada na idade e bem rodada, costumava dizer com graça: — Os homens, raparigas, querem-se fortes, feios e a cheirar a cavalo! E o Jorge era um pedaço de rapaz escorreito, de feições efeminadas, que trazia à perna todas as raparigas do seu lugar e dos lugares vizinhos. Mas espantoso! Não ligava patavina às raparigas que, delambidas lhe faziam o cerco! Uma bela noite aparecera à janela a tia Rosa para ver se o céu estava estrelado, interessada no tempo que iria fazer no dia seguinte, já que a despesa com a lavrada, estava feita. Estranhou muito ver o rapaz àquelas horas da noite, de passada firme, apressado, caminhar pelo lugar acima, como quem vai dar um recado urgente. “Deixa para lá. Interessa-me mais o romper do dia que não tarda a espreitar lá de cima do monte do Merouço”, diz para os seus botões. E eram muitas as raparigas e os rapazes convocados para essa alegre mas árdua faina. O prato a servir ao pessoal iria ser de arroz de feijão vermelho com sardinhas assadas no forno a lenha, ao lado umas das outras, sobre grandes bolatas de pão milho. Ao meio da manhã, já com o tio Joaquim agarrado às rabiças do arado, iria ser servido, às postas fritas, o bacalhau de cura amarela inglês, a sete coroas o quilo, vendido, naquele tempo, nos barracos da feira, pelo tio Abel Matos que Deus haja. Já antes das seis horas, a melodia do chilrear dos pássaros era prenúncio de um dia soalheiro. A folhagem do arvoredo, verde como o sardão, estava serena, não sendo de esperar a ventania maldita que tanto atrapalha os trabalhos do campo. Ao pilheiro, lá em cima, começam a surgir os primeiros rapazes e raparigas já munidos de sacholas bem afiadas e com cabos bem redondinhos. Prontos para a faina do dia. Todos aos pares arrancavam, cantando: — Ora agora viras tu / ora agora viro eu / ora agora viras tu / viras tu e mais eu. E já cada qual no seu posto, a azáfama começa. – Ó rapaz, não saias do rego e estica-me bem essa soga. E tu, ó Manel, não inclines tanto para o lado o arado que se não ele não pega bem por baixo e nunca mais saímos daqui. E no meio de grande vozearia à mistura com estridentes gargalhadas, os trabalhos lá iam prosseguindo a todo o vapor e no meio de muita alegria. Por volta das dez horas começa a vislumbrar-se lá longe três mulheres de açafates à cabeça e dois rapazes ainda miúdos com dois garrafões pendurados na mão. E a recepção foi uma estrondosa algazarra seguida de uma salva de palmas. Sacholas, enxadas, engaços e o pau de aguilhão de picar o gado, pelos ares. Todos sentados, formavam uma roda. Açafates no meio. Malgas de barro compradas na tenda da tia Rosalina. O tio Joaquim com o garrafão enfiado no braço lá ia enchendo as malgas de vinho que iam batendo umas nas outras, tanta era a pressa e a sede daquela gente. Todos de cu estreme na terra fresca com o queixo inclinado sobre os joelhos, lá iam saboreando sofregamente o bacalhau frito acompanhado de boa pinga. Meia hora depois o tio Joaquim grita: — Vamos ao trabalho. Ao meio da tarde, o campo, antes de erva amarelo esverdeada, tinha já mudado de cor. Era de terra húmida bem adubada, onde se via aqui e acolá uma ou outra minhoca sem abrigo, a rabear. Só faltava agora aparelhar as touras à grade, uma vez que o tio Joaquim já tinha, com a arte que lhe é conhecida, semeado à mão o milho que brevemente iria germinar, dando lugar a uma espiga ou mesmo duas e, quem sabe, se alguma de milho rei. E é ver, quando nas esfolhadas aparece, lá de longe a longe, uma espiga de grão vermelho, toda a gente a gritar: — Milho rei, milho rei! É uma festa. Já no fim dos trabalhos, todos aos pares, de sachola ao ombro, a caminho da casa, alegres, cantavam, como que a desafiar os vizinhos do lugar da outra banda: — Nós de cá e vós de lá Somos tantos como vós Mataremos um carneiro E os cornos serão para vós! A alegria da rapaziada, no fim da lavrada, contrastava com a expressão triste e meiga da prendada Adélia, filha da tia Aurora, uma rapariga ainda menor de pouca idade, com ar de ingénua, que vivia só com a mãe. Tão bonita que fazia acreditar que a suprema divindade parou e apostou na expressão do belo, ao abrir-lhe a porta do mundo. Era na verdade o modelo perfeito da natureza humana: perna bem torneada, joelho disfarçado, anca levemente arredondada, peito puxado para a frente e de rosto meigo, onde dois olhos negros faiscantes encadeavam os rapazes até mais seguros de si! Mas desde há muito que parecia que alguém lhe botara mau-olhado. Passara, contudo, o dia inteirinho agarrada ao cabo da sachola, meditabunda, sem falar para ninguém. As raparigas lá iam comentando: — Que se passa com a Adélia? Passou o dia todo cabisbaixa, surda e muda! Com certeza que o namorado dela ainda não deu sinal de si, desde que foi para a tropa. À tarde a tia Rosa, em conversa, lá foi perguntando: - Ó Aurora, que se passa com a tua rapariga? Todos os dias me passava à porta de cântaro à cabeça, vinda da fonte a cantarolar e agora anda sempre acabrunhada! – Não é só ela. Andam por aí mais raparigas assim! É andaço. Mas pelo sim e pelo não, vou levá-la ao senhor doutor. Pode ser que lhe receite um remédio que a faça arrebitar. Desabafava a pobre mãe, mulher de Igreja que nunca faltava às novenas e fazia ininterruptamente as primeiras sexta-feira de cada mês. Já no consultório, pergunta o médico: — Quantos anos têm a rapariga? – Catorze anos, senhor doutor. – Já é assistida? – Não entendo senhor Doutor! - Se já anda com a “tia Maria”, mulher? - Já sim senhor doutor. E quando foi pela última vez? – Foi já no dia de todos os santos, se bem me lembro, senhor doutor. Não é nada certa. — Tem tido enjoos? — Muitos, senhor doutor. Já vai fazer muito tempo que comeu carne gorda de porco com ranço e nunca mais lhe passaram os enjoos. – Já namora? – Sim senhor doutor, com o Manel do Telhado. Bom rapaz; filho de gente boa; trabalhador. Está para a tropa já vai fazer um mês. — Vamos entrar para esse quarto. Quero examiná-la. – Deve ser da barriga, deve sim, Senhor doutor. Está a inchar a olhos vistos! O Dr. Pimpão era já conhecido no meio por um homem um tanto bruto, sem maneiras. Acabado o exame esticou-se todo, respirou fundo e mandou a bojarda: — Ó mulher, a sua filha está prenhe como uma vaca! — Credo senhor doutor! - Respondeu a tia Aurora já a fugir pela porta fora com a filha pela mão! Mas nessa noite, não teve sossego. Os suspiros faziam-se ouvir cá fora! Mil perguntas, mas a filha não se descosia. Não se lembrava de nada. Pudera! Depois de pegar no sono não acorda, nem com o foguetório do arraial da festa do Sagrado Coração de Jesus! Só depois de nascer o sol. Dizia tantas vezes a mãe. O Manel ao ser avisado vem a correr à terra e nega tudo. Ainda não tinha jurado bandeira e já estava a treinar, jurando por todos os santos que a Maria estava mas é doente. Na verdade, lá no lugar havia outras a padecerem do mesmo mal. O segredo guardado em saco roto depressa passou de boca em boca até chegar a outros lugares. Não se falava noutra coisa! A tia Aurora ameaçou que ia à Vila queixar-se à justiça. — Afinal a filha não é só minha. É também filha do Dr. Juiz. Quando no dia seguinte se preparava para ir contar tudo ao Tribunal, é abeirada pela amiga e fiel depositária de seus segredos, a tia Rosa. — Anda cá Aurora. Não sejas precipitada. Escuta-me com atenção e depois faz o que quiseres: Uma bela noite vi o Jorge subir a calçada apressado. Estranhei mas fechei a janela e não quis saber. Na noite seguinte e à mesma hora, lá ia ele outra vez. Fiquei a matutar toda a noite. Na noite a seguir, pus-me à coca! Ele aparece à mesma hora. Deixei-o adiantar-se um pouco e segui-o. Mais uns passos e zás! Roda a aldraba da porta da tua casa e entra! Não te disse nada. Agora comecei a juntar os cacos todos e jurei a mim mesma que te ia contar. Vê lá o que vais fazer, mulher. Para mim o pobre do Manel está inocente. No dia seguinte o Jorge é chamado ao posto da Guarda. A firmeza com que nega tudo, as juras pela mãe e pelo pai, as lágrimas a correrem pela cara abaixo deixa todo o mundo intrigado. Bom comportamento. Nem para as raparigas olhava. Até lhe chamavam nomes por isso. Homem de trabalho e boas maneiras. Fica naquela noite no posto. Dado o bom comportamento o guarda de plantão também se deitou um pouco. De madrugada e à hora referida pela tia Rosa, Jorge abre a porta do posto e sai, mas deixa a porta fazer barulho. O guarda, que passava apenas pelas brasas, levanta-se estremunhado e corre a trás do prisioneiro e já a apanha ao cimo da calçada. Deita-lhe a mão bruscamente e obriga-o a voltar para o posto. Contudo acha-o estranho. Ele não fala. Mostra-se espantado. E, ao entrar para o posto, desata a fazer perguntas desbaratadas! Tudo indica não estar no seu perfeito juízo. Vai ser submetido a um exame do foro psiquiátrico, visto mostrar-se violento e não dizer coisa com coisa. À noite para dormir pegado é lhe receitado um poderoso calmante. Mas à mesma hora da noite anterior, levanta-se, sai e é apanhado mesmo já a rodar a aldrava da casa da tia Aurora! Era sonâmbulo! avelino.barroso@sapo.pt More Posts Next page »

Sunday, October 07, 2007 6:32 PM AMÁLIA RODRIGUES AMÁLIA RODRIGUES – ONTEM, HOJE E SEMPRE Avelino Barroso Nasceu num Bairro pobre, lá para o lado da Mouraria, em 23 de Julho de 1920 e partiu a 6 de Outubro de 1999. Já lá vão seis anos. A FUNDAÇÃO AMÁLIA RODRIGUES, por si instituída, com o fim de dinamizar o fado, começa a dar frutos. Os 17 prémios criados, este ano, pela Fundação, foram entregues, pela primeira vez, num espectáculo de gala, terça-feira, no Teatro São Luís, em Lisboa. Amália nasceu já com a alma do fado. Ainda na puberdade, deu sinais de ser predestinada para grandes voos. Mas enquanto as asas de penugem não batiam, foi aproveitada para vender fruta, flores e fazer trabalhos domésticos. Dotada de uma fulgurante inteligência, cedo começou a desbravar caminhos que a projectaram para os palcos das estrelas que iluminam os mundos, mesmo depois do derradeiro adeus. Possuída de uma personalidade forte, muitas vezes se mostrou irreverente sempre que alguém agredisse as suas convicções, ou os seus sentimentos. Apenas com a instrução primária, foi a força de vontade, aliada à sua inteligência, que lhe permitiu penetrar nos meandros da cultura. Por isso vemo-la falar o francês, o inglês, o espanhol e o italiano com fluência. Escreveu poemas de fazer inveja a credíveis poetas, já pelo ritmo, já pela mensagem e, sobretudo, quantas vezes, pelo grito de dor de uma alma ferida. A sua sensibilidade, tão apurada, foi-a magoando pela vida fora, à medida que ia sendo confrontada com flagrantes injustiças sociais. Teve tiradas de verdadeira filósofa, como quando diz «Desde que existe morte, imediatamente a vida é absurda». Ou quando, no desejo de morrer com dignidade, defende que as pessoas deviam morrer como as maçãs que caiem ao chão de maduras. Tinha uma fé tão grande que atingia, por vezes, o ponto em que desaparecia o dogma para dar lugar a uma certeza no seu Deus com quem conversava, mas também discutia e ralhava quando as injustiças com que se confrontava, eram demasiado pesadas. Filha do povo, como se afirma ao longo da vida, parecia mais ter sido criada em palácios da realeza. Mas momentos houve em que a tibieza da fé lhe bateu à porta. Como mulher que foi, amou perdidamente, aos 18 anos, o seu Chico, que dedilhava as cordas de uma guitarra como amador, homem a quem se entrega, mas que vem a traí-la a seguir. Dada a pureza e sensibilidade do seu coração, sucumbiu ao confrontar-se com a primeira traição. Começa então a desiludir-se com a vida que ela queria que fosse um paraíso de anjos. Esquece então Deus e procura refugiar-se no suicídio! Só por volta dos quarenta anos, casa com o simpático Engenheiro César Seabra. E são arrebatadamente felizes até ao dia final em que ele diz “eu já vou, e tu não demores muito que estou a sofrer à tua espera”. Substituída a penugem da puberdade, bate as asas adultas e não pára mais de voar com a majestade da águia! Amou toda a gente que não beliscava os seus sentimentos. Mas amou sobretudo os pobres. Nunca excluiu ninguém, mesmo os acusados de aberrações da natureza. É o próprio Guilherme de Mello, reputado escritor, assumido homossexual, que chora Amália, desabafando, «Era a Nossa Senhora do Fado». Inspirou poetas, músicos e pintores. Atraiu os génios da arte com quem conviveu e partilhou os palcos mundiais das celebridades. Anthony Quinn beijou-a com ternura. A coroa de viçosas flores que enviou foi a primeira a ser depositada junto à sua urna na Basílica da Estrela. «Um grande amor para uma grande mulher» foi a mensagem enviada, à altura do talentoso actor. «O Barco Negro» abre-lhe as portas do Olympia. A sua fama e glória levam-na aos quatro cantos do mundo. E com ela corre e cresce o seu Portugal que ela ama e faz questão de o afirmar quando a confundem com nuestros hermanos. Foi grande ao lado de Maria Callas, Edith Piaf e Billie. Soube inovar no fado, tornando-o universal, ele que até aí era a canção vadia dos pobres de Lisboa, o choro cantado das varinas, prostitutas e vendedoras de fruta que ela também fora, fado que ela também cantara. Só que atribuiu-lhe um carácter universalista. Arrancou-o das docas, das casas de passe, dos cafés rascas e levou-o para os salões onde conquistou a intelectualidade do seu tempo. Amália Rodrigues não morreu. Os anjos entraram sorrateiramente pela chaminé e levaram-na para o paraíso que ela quis na terra, mas lhe foi negado. Não a temos como ser humano, mas continuará a nascer todos os dias através dos registos de imagem no cinema, na televisão, na fotografia e nos registos de som. As pessoas desaparecem, mas não morrem enquanto viver a sua memória. E a memória da nossa querida Amália é eterna. Povo que Lavas no Rio, Foi Deus, Estranha Forma de Vida, Ai Mouraria, são uma riqueza que inunda a alma, embriaga os sentidos e nos transporta para o paraíso das emoções. Esse património artístico vai transmitir-se de geração em geração, como se tratasse de uma herança genética! Não será o limbo o seu destino. avelino.barroso@sapo.pt Wednesday, October 03, 2007 5:40 PM DO MAL, O MENOS DO MAL, O MENOS Avelino Barroso Já com a poeira assente, é chegada a hora de lamentar uma campanha eleitoral para a eleição do líder do PSD que não correu mal, correu pessimamente. Tal a balbúrdia, o degradante espectáculo, a falta de elevação, a denúncia de que as regras não se estavam a cumprir, ora se exigiam quotas em dia para votar, ora votava-se mesmo com quotas em atraso. Não faltou mesmo quem falasse de fraude eleitoral. Passou-se o tempo com trocas e baldrocas, subestimando-se o principal – o debate político. São os militantes que fazem os partidos políticos. Tal comportamento acabou por comprometer sobremaneira a credibilidade do partido que se vem impondo pelo rigoroso respeito da ética. De tal modo que, num debate na véspera, na Antena I, se falava já do fim do PSD, por já não ter razão de existir. No Expresso do fim-de-semana, Miguel Sousa Tavares, num dos seus habituais arrebatados e agressivos ataques aos partidos, dizia mesmo que o PSD não faz falta nenhuma. Já estamos habituados a esses vómitos do Miguel. Quem não se lembra da crónica extremista que pôs o PCP de Álvaro Cunhal de rastos! Bate no PS, bate no CDS/PP e bate no BE. Até parece que defende um regime de partido único. Fernando Madrinha, mais comedido, declarou que “Esta foi a mais “tuga” de todas as campanhas para a liderança de um partido político. Nada de exageros, um relançar de olhos pelo passado de todos os partidos, permitir-nos-á verificar que todos têm rabos-de-palha. Parece até ter-se esquecido que é o PSD o Partido que mantém o recorde de maiorias absolutas! Conseguiu uma maioria absoluta com a AD que ganha as eleições intercalares de 1979, coligação presidida por esse homem de Estado que foi Sá Carneiro; duas maiorias absolutas consecutivas com Aníbal Cavaco Silva (1987/1995) e, finalmente para já, mais uma maioria absoluta com Durão Barroso, em coligação com o CDS/PP de Paulo Portas. Santana Lopes, substituiu Durão Barroso, como Primeiro-ministro, que foi para Bruxelas honrar o nome de Portugal, substituição essa que durou pouco, visto o então Presidente da República ter entendido que o governo era cor-de-rosa, mas ele preferia que fosse mesmo só rosa, sem pensar (?) que o beneficiário da dissolução da Assembleia da República viria a ser José Sócrates. Mais ainda: é o PSD que mantêm, até 1995, o recorde de maior tempo de governos laranja! A imagem que ficou da campanha foi a de que, na ânsia de se conquistar o poder, não se olhava a meios para alcançar o fim. Talvez por isso não são poucos os Barões a defender um debate sobre as directas. Alega-se mesmo que se prestam a caciquismo. De facto, até às directas, eram os delegados ao congresso que, ajudados pelos notáveis, negociavam durante toda a noite a escolha do novo líder. E só por volta das cinco horas da madrugada saía fumo branco. Isto mesmo me contava o meu saudoso amigo Paredes que não perdia nenhum congresso. Cavaco Silva nunca viria a ser primeiro-ministro se tivessem sido directas as eleições que fizeram dele líder. Andava a fazer rodagem ao seu novo carro e lembrou-se de aparecer desportivamente na Figueira da Foz, apenas para dar uma espreitadela ao congresso. Foi “sequestrado”. E, depois de um arrebatador discurso que conquistou todo o eleitorado, saiu o novo líder aos ombros. Feito este intróito, é chegada a hora de reconhecer que o melhor que podia ter acontecido a Marques Mendes foi mesmo perder a eleição. Cada vez que usava da palavra, para fazer oposição ao governo de José Sócrates, o balão dos seus apoios ia-se esvaziando cada vez mais. Ia dando já sinais de cansaço; argumentos repetitivos e maçadores, convidando ao sono os deputados mais dorminhocos. No confronto com Carmona Rodrigues, a sua liderança ficou muito fragilizada. O povo não perdoa a falta de ética e deslealdade. Amadrinhado por Manuela Ferreira Leite conseguiu ser eleito no Congresso de 2005, em Pombal. Mas a madrinha deixou, então, bem claro que o apoio era só para aquele acto, E foi mulher de palavra. Manteve-se agora equidistante dos dois candidatos. O apoio envergonhado dos notáveis, nesta eleição, foi dado na expectativa de, em 2009, se tornar mais fácil a escolha definitiva do líder, candidato a primeiro-ministro. Filipe Menezes até pelos sulistas, elitistas e liberais foi eleito, em Lisboa. Esquecidos já do incidente no Congresso de 18 de Fevereiro de 1995. Ali se esgrimiam argumentos a favor e contra os dois candidatos a líder: Fernando Nogueira e Durão Barroso. Menezes apoiava o nortenho Fernando Nogueira. Ali ficou provado que Menezes era homem de grandes emoções. Acusou de sulistas, elitistas e liberais os apoiantes de Durão Barroso. Perante o agressivo ataque que lhe moveram adversários, isolou-se se para, sozinho, chorar mais à vontade. Só os homens de grandes emoções dão grandes homens. Cabe agora ao novo líder arrancar da fossa o Partido. Não menos desfeito em pantanas do que o que encontrou Cavaco Silva, quando saiu líder do Congresso da Figueira da Foz. Penosamente se arrastava o PSD integrado no Bloco Central, sendo Primeiro-ministro Mário Soares e Mota Pinto, Vice Primeiro-ministro. Cavaco Silva teve de apear esse governo de maioria absoluta e unificar o partido. E conseguiu-o pouco tempo depois. Temos de reconhecer que Filipe Menezes é militante activo desde 1975. Já perdeu muitos debates no seio do partido. Mas não é menos verdade que a sua presidência na Câmara de Vila Nova de Gaia é exemplar. Os munícipes adoram-no. Ontem mesmo um repórter da televisão entrevistou na rua o Zé-povinho e, todos sem excepção, diziam nunca terem tido um presidente que tanto tivesse feito por Vila Nova de Gaia e pelo seu povo. Filipe Menezes terá tarefa árdua. Mas é combativo, faz política por paixão, não precisa da política para viver. Terá de modificar um pouco o seu feitio. Fazer oposição honesta, nada de demagogia, nem populismo. Cuidado com os apitos desafinados. O PSD é um Partido personalista. Reconhecer, e votar até as medidas do governo que sejam incontestavelmente de interesse nacional. Tem boa imagem e é bom comunicador. A hora dos Barões pode não chegar ainda em 2009. E o Luísinho, como já hoje vi escrito o seu nome num jornal, terá de continuar a esperar, sei lá se até 2013, para, então, debandar ou, dado já o seu esperado exemplar currículo, tornar-se Primeiro-ministro de Portugal, mesmo em 2009. Mas só se o governo de José Sócrates estiver pelas ruas da amargura. Mas para já, os indicadores económicos não apontam nesse sentido. avelino.barroso@sapo.pt Thursday, September 27, 2007 10:13 PM DIRECTAS NO PSD Avelino Barroso É cedo para mudar de líder. Mas não tardará o líder que virá a ser candidato a primeiro-ministro. E não aparecerá numa manhã de nevoeiro. O naipe de escolha será diversificado e de alta qualidade. Seja um ou seja outro, o próximo líder continuará a ser verbo-de-encher. Com o desaire da partida de Durão Barroso e a desgraça do primeiro-ministro Santana Lopes, adivinhava-se a travessia do deserto do PSD. Quem está bem na vida e só participa na política por paixão sim, mas também por missão de serviço, não pode interromper as suas invejáveis carreiras para se tornar num líder que faz que anda mas não anda. Avelino Barroso Thursday, September 27, 2007 12:03 PM C O M E N T Á R I O Avelino Barroso Não é seguro que o tempo para Jardim Gonçalves tenha passado. Não é de subestimar o currículo do homem forte da Banca portuguesa. Foi na Espanha que ele pôde crescer, pondo em prática a sua imaginação. Ainda muita gente se lembra de ele disponibilizar a primeira máquina de Multibanco, em Portugal. Já a noite não era uma criança quando recebeu do poder um telefonema avisando-o de que o risco do assalto era grande. Já na Espanha, esta vantagem de sacar dinheiro das contas bancárias à ordem proliferava por todo o país. O risco calculado é uma virtude do homem de negócio. Jardim Gonçalves conhece os cantos à casa que fundou e onde ainda é reconhecido como um Senhor. As maiorias entre os grandes correm com fluidez de um lado para o outro. A OPA é hoje um recurso que faz mudar a administração de uma empresa cotada na Bolsa da noite para o dia. Jardim sabe isso como ninguém. Jardim tem muitos amigos que confiam ainda nele. As ideias deste homem fadado para vencer não são ideias de um homem apodrecido pela idade. Longe disso. No seu entendimento o Banco que fundou anda por maus caminhos. E isso entretece-o. E a falta de gratidão por parte do seu pupilo irrita-o. Irá lutar até ao fim pelo bom-nome do “seu” Banco e contra a desonra de ser lançado pela janela fora. Não vai ser carta fora do baralho, não é nem vai ser. Esperar para ver. Avelino Barroso PS – comentário a um texto de Henrique Monteiro no Expresso opinião on line Friday, July 06, 2007 3:09 PM Thursday, September 13, 2007 5:38 PM M A D E L E I N E ? M A D E L E I N E Avelino Barroso Escrevi no meu blogue, AVELINO BARROSO – BOM DIA SOL, em 17 de Maio último, um comentário sobre o desaparecimento de Madeleine, no qual dizia que teria sido um erro grave a difusão de fotos da menor por todos os cantos do mundo. Porquê? Porque não é de excluir a hipótese de uma rede de pedofilia. Agora tanto na moda. E, se for este o caso, é de admitir-se que os pedófilos recorram, como muitas vezes o têm feito, ao homicídio, pois, mesmo disfarçada, pode ser descoberta, até porque tem um sinal no olho direito. Hoje, já a uma certa distância, temos de reconhecer, até por outros motivos, que o mediatismo universal que o caso Madelein atingiu em nada tem favorecido a investigação em curso, e em nada também tem proporcionado a tranquilidade dos pobres pais acossados até pelos ziguezagues da instrução do processo que de ofendidos acabou por lhes atribuir o estatuto de arguidos. Estamos a assistir a uma dança infernal por parte da comunicação social que especula através de uma diversidade de meras hipóteses apresentadas com roupagem de autenticidade. Hoje os escaparates dos jornais apresentavam o caso, cada qual à sua maneira. Uns falam na bagageira da carrinha alugada com a certeza de que nela foi transportado o corpo da menina desaparecida (já desmentido pelo director nacional da polícia judiciária); outros falam de sangue e vestígios biológicos compatíveis a 100% com o NDA da menor, encontrados na mesma carrinha (desmentido pelo ex-director dos serviços de medicina legal, que nega compatibilidades a 100%). Louvável a iniciativa da jornalista Fátima Campos por ter promovido mais um programa do PRÓS E CONTRA sobre o angustiante tema que está a emocionar meio mundo e atormentar e crucificar os sofridos pais, presumivelmente inocentes até à sentença com trânsito em julgado. O programa vem-se afirmando desde há muito com credibilidade, dada a escolha meticulosa de qualificados protagonistas que nele têm participado. O silêncio à volta da instrução do processo tem sido sepulcral. Daí a fértil imaginação da comunicação nacional que temos e também da do Reino Unido. Com este programa, tudo ficou mais claro. Tarde sim, mas ainda a tempo de esvaziar o balão das irritantes banalidades postas a circular por todo o mundo. Conhecemos, por dever profissional, o inestimável valor do segredo de justiça. Mas sem mesmo o violar, pode ser posto um travão a tanta asneira que vem circulando por todo o lado. Daí óptima a ideia de convidar o director nacional da polícia Judiciaria para o programa e comentar o disse disse, à volta deste mediático desaparecimento da menor. Prestou o esclarecimento que se tornava necessário. Prudente, de voz bem timbrada, de forma clara, disse aquilo que era preciso dizer: Que até agora não tinha sido recebido o resultado das análises pedidas ao laboratório inglês, estranhando assim a notícia da Sky News; mais disse que tem havido uma colaboração leal e profícua por parte da polícia inglesa; que nenhuma das hipóteses sobre o desaparecimento da menor foi posto de parte, designadamente o sequestro. Muito esclarecedora foi também a intervenção do Inspector Carlos Anjos, cuja presença no programa foi considerada a alma do debate. Não se eximiu de censurar a falta de apoio por parte de quem tinha obrigação de o fazer. Elogiou o discurso sólido, bem estruturado do seu director. E apelou ao prometido gabinete de apoio junto da Imprensa para, sem prejuízo do segredo de justiça, prestar os esclarecimentos necessários, ao longo do andamento de processos mediáticos. Bem representada a classe do foro através do meu velho condiscípulo Miguel Júdice. Advertiu para o cuidado que deve haver na valoração de certos elementos de prova. Uma severa crítica à intervenção de um Professor de psicologia, vindo de propósito de Madrid ao programa, que apresentou um retrato psíquico da mãe da menor, procurando convencer que a sua expressão facial o convencera de que ela ocultava um mistério. Acrescentou mesmo Miguel Júdice que mal dele se um dia o vierem a avaliar num processo em que seja arguido pela sua expressão facial, pois tão depressa chora como se ri. A comunicação social, bem representada por Pinto Monteiro. O director do EXPRESSO expôs, com segurança e fluência, o seu ponto de vista. A sua intervenção foi muito útil ao debate pelos oportunos problemas que levantou, clarificando o papel importante da imprensa. Mais: deu a entender que o segredo de justiça devia ser limitado ao essencial da investigação processual de modo a deixar transparecer algo cá para fora para evitar-se os atropelos à verdade dos factos da investigação. E tem razão. Desde há muito que se reclama uma melhor clarificação do segredo de justiça que muitas vezes serve apenas para responsáveis da investigação evitarem responder a certas questões. Ao fim do dia aparece sempre funcionários da imprensa a perguntar se já foi exarado despacho de pronúncia ou marcado julgamento em certos processos mediáticos. Claro que não podem ser informados de que num processo, em segredo de justiça, o Ministério Público haja promovido a passagem de mandados de captura do arguido. Muito útil a intervenção de Moita Flores que advertiu para o facto de se confundir por vezes o alcance da prova científica. Exemplificando, as análises ao sangue ou a vestígios biológicos valem o que valem. Não são prova de valor absoluto. Têm de ser confirmadas por outros elementos de prova constantes da investigação. Finalmente, não resisto a declarar estar convencido profundamente da inocência dos pais da Madeleine. Um casal da classe média alta, inteligente, formação britânica, ambos médicos, com dois gémeos e uma filha terna, pura. meiga e doce. Como acreditar que, em solo desconhecido, língua ignorada, ainda com os ouvidos tapados da viagem, tivessem o à-vontade de, em caso de acidente, se desembaraçar do corpo da filha num tão reduzido espaço de tempo. Às 19,30 Gerry e Kate deita as crianças; 20,30 o casal chega ao restaurante para jantar; 21,00 Gerry vai ao apartamento e verificar que os filhos estão bem; 21,25 regressa ao restaurante; 21,30 Oldfield passa também pelo apartamento e verifica que tudo está bem com os filhos do casal; Às 22,00 horas, o casal volta ao apartamento e pouco depois regressa e informa que Madeleine desapareceu (Público de 12/09/07). Madaleine estava viva ás 21,30 horas e desaparecida 22,00? Pouco tempo depois a policia examina pormenorizadamente o apartamento. Nem um sinal de nada! Apenas algumas malas ainda por abrir. Não dá para acreditar. Depois, sendo médicos e esclarecidos, em caso de mero acidente, mesmo por negligência, o melhor caminho era assumir com naturalidade o que se passou. E tudo acabava com o funeral da menina. Daí a relutância em aceitar de ânimo leve o acidente por negligência e muito menos o dolo eventual. avelino.barroso@sapo.pt Tuesday, September 11, 2007 2:52 PM SEIS ANOS DEPOIS SEIS ANOS DEPOIS Avelino Barroso O atentado às majestosas torres gémeas de World Trade Center e ao Pentágono veio provar como é possível morrer um forte às mãos de um fraco. Parece impensável que a única superpotência económica e militar do mundo se tenha tornado tão vulnerável ao ponto de ser atingida precisamente no âmago dos seus símbolos de poder militar (o Pentágono) e do poder económico (World Trade Center). O facto de ter caído o muro de Berlin não significa que a grande América pouse a cabeça no travesseiro e durma sem sobressaltos. Não têm sido poucos os críticos a desfiar as contas do rosário das possíveis causas da brutalidade do original atentado. Ora vejamos: Uns fundamentam as suas análises na riqueza e pobreza, parecendo ter-se inspirado na luta de classes de Karl Marx; outros na globalização que dizem ser mais do mal que do bem. Contudo, são muitos os anti-globalização que se têm solidarizado com os Estados Unidos. Mas atenção ao passivo da globalização de que fala Adriano Moreira. Também há os que pretendem explicar a génese da barbárie de Washington e Nova York no espírito imperialista daquela grande potência. Convém lembrar-lhes que o seu protagonismo como única superpotência económica e militar do mundo foi conquistado ao longo de muito tempo dentro de um transparente regime democrático. De contrário, o seu império teria já sucumbido como tantos de que reza a história, alguns deles ainda bem presentes na memória dos que ainda pertencem ao reino dos vivos. E convém não esquecer que não fora essa grande potência, e o mapa político da Europa e até do mundo seria bem diferente do que é hoje. Com isto não estou a desculpar os erros políticos tremendos do Vietname, do auxílio prestado ao Afeganistão contra o poder Soviético, a decisão de Truman em lançar duas bombas atómicas, uma em Hirochima (6 de Agosto de 1945) e outra em Nagasáqui (9 de Agosto de 1945), apenas para abreviar o fim da Segunda Guerra Mundial, insensível aos efeitos destruidores de milhares e milhares de vidas inocentes e da própria natureza do solo atingido que se tornou improdutivo por largos e largos anos. Outros atribuem o atentado ao petróleo e a Israel. Não faltam também os que responsabilizam países de regimes totalitários, apostados na destruição dos estados civilizados do Ocidente por viverem estes a liberdade de regimes democráticos. José Saramago não quis também ele perder a oportunidade de tomar posição sobre este polémico tema, num longo texto simultaneamente publicado, em exclusivo, nos jornais “El Pais”e PÚBLICO. Numa primeira análise, refere infelizes homens, na Índia, atados à boca de cada uma das peças de artilharia dispostas em fila e um oficial britânico que dá ordem de fogo despedaçando de seguida os corpos dos homens acusados de rebeldes. A seguir fala de dois soldados portugueses, em Angola, um a segurar um negro e outro de machado pronto a desferir o golpe mortal que vai separar a cabeça do corpo; depois das bombas atómicas que arrasaram e calcinaram Hirochima e Nagasáqui, das atrocidades no Vietname, das execuções em estádios cheios de gente, dos crematórios nazis a vomitar cinzas, dos soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, etc. Numa segunda análise, negando a existência de Deus, não se cansa de referir a interpretação perversa dos textos sagrados durante séculos, quer por parte dos católicos que criaram o monstro da Inquisição para queimar vivos os infiéis, quer hoje por parte dos taliban que também em nome de Deus não poupam sequer civis, velhos e crianças no terror que vão espalhando pelo mundo inteiro. Fez bem José Saramago lembrar as atrocidades cometidas ao longo dos séculos. Contudo eram praticadas por criminosos de cara descoberta. O terrorismo, esse, ataca de surpresa e não têm rosto. E, sendo assim, é mais difícil combatê-lo para evitar a tempo os seus efeitos desastrosos. É longo o número de exemplos apresentados por José Saramago. E não está completo. Podíamos ainda referir os hospitais psiquiátricos para onde foi empurrada a elite da intelectualidade Soviética; o Arquipélago de Gulag por onde passaram sessenta e seis milhões de prisioneiros de regime; a morte à traição do camarada Trotsky, no México, bem longe de Moscovo; da caça sangrenta a estudantes indefesos, na Praça de Tiamen da República Popular da China, etc., etc. Fraquezas humanas monstruosas que convém lembrar, mas que, de algum modo, podem legitimar a brutalidade do ataque de 11 de Setembro. Excepção feita a Vital Moreira, vem desde início uma certa esquerda insistir que, em vez de represálias, deve a grande América fazer um acto de contrição. Na esteira de António Barreto procurar descobrir causas é pretender legitimar tais covardes actos de vandalismo. O caminho a seguir para extirpar as raízes de tal barbaridade não pode ser o da vingança cega, mas sim o da justiça, ainda que implacável. Ainda bem que a América, hoje humilhada, tem consigo os inimigos de ontem, mesmo aqueles de ideologia diversa. Atenção sobretudo aos mandantes. Mais criminoso que o suicida, por certamente não ter liberdade de dizer que não, é o autor moral que esse, sim, espera directamente tirar dividendos de toda a ordem dos crimes horrorosos cometidos a seu mando. Hitler e Estaline foram mais criminosos do que os soldados que mataram e morreram às suas ordens. Se é que estes chegaram a cometer quaisquer crimes. 28/09/2001 Sunday, September 09, 2007 7:33 PM DEZ ANOS DEPOIS DEZ ANOS DEPOIS Avelino Barroso Conheci a Princesa Diana, há já alguns anos, ao cair da tarde de um dia quente de Verão, no parque de campismo Rio Alto da Sopete – Esposende. Atravessava eu despreocupado o «camping» de calções curtos, sapatilhas e boné enfiado na cabeça às três pancadas, quando dou com uma tenda de três lugares, com as cores do Reino Unido e junto à tenda três beldades desportivamente vestidas. Uma de tez escura que exibia um corpo escultural fazendo lembrar a modelo Naomi Campbell, que passa a vida a cruzar os céus de jacto, para pisar as passerelles dos quatros cantos do mundo. Outra, também não menos interessante, era ruiva e de rosto salpicado de sardas. Mas não era a Sara do André. A terceira, alta, elegante, de cabelos louros e curtos, olhos cor do firmamento e de expressão meiga, a lembrar a majestade da águia, deixava adivinhar que ali morava o perigo para o homem mais emotivo. E foi da boca sensual loira, tão estranha que, sorrindo e com uma libra esterlina na mão, dirigindo-se a mim, ouvi: can you help me, please? Pretendia cambiar a libra por moeda portuguesa. Rendido a tanto charme, depositei-lhe nas graciosas mãos, todos os escudos que tinha e mais que tivesse. E como não lhe recebi a libra em troca, ela, num puro gesto de agradecimento, apertou-me as mãos. Mais tarde, já ao cair da noite que prometia ser de lua cheia e céu povoado de estrelas cintilantes, abeirou-se de novo de mim e quis falar da velha Aliança Inglesa que os nossos dois países mantêm desde há muitos anos. Claro que o momento não era próprio para eu lhe falar do Ultimatum Inglês de 1890, que veio inspirar a Guerra Junqueiro o Finis Patriae! Depois de muita conversa e já familiarizada comigo, a medo e, pedindo todo o sigilo, aproximou-se mais de mim e, olhando para um lado e para o outro, como que a guardar-se de intrusos, balbuciou: «I´m Lady Di». Fiquei sem fala! Como era possível estar diante da mediática Princesa Diana. Quem diria! «Take it easy, take it easy», ou seja: tenha calma, tenha calma, atalha ela prontamente, já habituada a provocar destas fortes emoções. Sentei-me a seguir numa cadeira de lona e comecei a recuperar a calma, ouvindo com o interesse que o assunto reclamava, os episódios dilacerantes da vida desta princesa. Carregava pela vida fora o trauma de filha de pais divorciados. Diz que o seu casamento, do seu lado, fora de amor que chegou a roçar a paixão. Do lado do Príncipe, cedo, muito cedo, se apercebera de que esse nobre sentimento não existia. Soube até, mais tarde, que o casamento lhe havia sido imposto pela mãe, a Rainha Elisabeth II. Que no auge de uma discussão violenta, a mãe lhe fizera saber que um nobre não casa com uma Camilla Parker qualquer! Que o futuro Rei de Inglaterra terá de casar não com a mulher que ama mas com a mulher que convier à coroa. E a vítima fora eu, desabafa. Assim, consumado o noivado, a sua vida foi um calvário. Evitada por toda a gente do palácio e perdida naqueles grandes salões e compridos corredores, vagueava só, gelada, porque não era do calor que aquece o corpo humano, mas do calor que aquece a alma, que ela carecia. Carlos, sempre distante, ignorava-a também. E assim, isolada, sentia-se, por vezes, perdida, como que, e sem esperança alguma, aguardasse, numa qualquer ilha deserta, o seu momento final. E fatal também. Chegava a ter a sensação de virar fantasma, tornando-se invisível, já que ninguém nela reparava. «Será que não me viam, não me sentiam? Seria eu mesma uma mulher de corpo e de alma ou só de alma sem corpo?» Pensava ela! Quando o «instinto feminino» descobre o adultério do marido, sofre, desespera e procura refúgio no suicídio e tenta-o por várias vezes! Passa a flagelar-se. Despeja os frigoríficos e durante cerca de quatro anos corre da cozinha para o wc e do wc para a cozinha. É a bulimia a tomar conta de si! Para a Família Real, a princesa estava perdidamente doente e a precisar de tratamento psiquiátrico. Entretanto, o seu professor de equitação Hewitt, aproveitando o momento alto da fragilidade da princesa, ainda sob o efeito da declaração pública do marido de que ele andava com outra mulher – aquela Camila que, segundo a minha mulher, mais parece a personagem do drácula dos filmes de terror –, entra na intimidade de Diana, acabando por lhe arrebatar o coração. É o momento fatal de fraqueza humana de uma princesa destroçada, à deriva, que cede ao primeiro impulso romântico. Hewitt não é homem! É um canalha que passa a divertir-se com os sentimentos de uma princesa sem rumo, que não resiste ao primeiro sopro de felicidade. Mais um judas! Só que não foi por «trinta dinheiros» que entregou a princesa Diana às bocas do mundo. Foi por cinco milhões de dólares! Fugiu para a América e os media esperam a todo momento, para dar a notícia de que também ele se pendurou pelo pescoço. É o fim de todos os Judas. Em Agosto passado encontramo-nos num pub Londrino e, com ela, conversei durante uma tarde inteira. Achei-a já conformada com o seu novo estatuto de princesa de facto do provável futuro Rei da Grã-Bretanha. Falamos de tudo. Já, no fim, recomendei-lhe: «You mind the Camilla, You mind the Charles...» Ela sorriu e acrescentou: «Mind the mother-in-law too». Afinal recomendo-lhe cuidado com Camila e Carlos, e ela acrescenta: E com a sogra também! Meses passados, sou alertado pela comunicação social que Lady Di vai dar uma grande entrevista à BBC e que esta vai ser transmitida, em directo, pela SIC. Não perdi pitada. A noite já ia longa quando aparece aquela Diana tão linda como diria Camões se conhecido tivesse também, além da Inês de Castro de D. Pedro, esta sex simbol devastadora de corações do século XX! Tímida, mas segura! O seu rosto, triste e meigo, só uma ou outra vez é iluminado por um discreto sorriso! De olhos fixos nos olhos do entrevistador, ia dando, sem rodeios, a resposta certa e exacta que os ingleses dela desejavam ouvir. Quando fala dos filhos mostra ser a melhor mãe do mundo. Aproveita para falar também, sem ódio, do isolamento a que foi submetida no cativeiro do Buckingham Palace onde sofrera os piores dias da sua vida. À medida que a entrevista ia avançando, sente-se que Diana está a conquistar o coração dos ingleses. Mas o ponto alto da entrevista arrasadora só é atingido quando soa o yes do idílio em que se envolvera com Hewitt. «Yes, Yes», afirma, acenando com a cabeça, sem rodeios ou hesitação. Diz-se que o Príncipe Carlos, comodamente sentado numa poltrona, seguia a entrevista de olhos fixos no écran da televisão. Estava nervoso e irrequieto. Roía as unhas até ao sabugo. Mas quando soa o yes do adultério de Diana, salta bruscamente e desata a partir, a pontapé, tudo o que o rodeia. Já cansado, atira-se de novo para a poltrona e ali permanece mais calmo e pensativo. Não se cansa de alisar a testa com as pontas dos dedos da mão direita. O escudeiro que assiste à cena, prontamente lhe oferece um tranquilizante. Mas a dor que atormenta o príncipe é daquelas dores duras que não cedem a nada! E quando lhe é perguntado o que pensava a família real sobre a probabilidade de ela vir a ser Rainha, responde sem hesitar: «Não me consideravam do meio!» E só não era do meio porque pegava ao colo crianças de cor, mutiladas pelas minas; acariciava doentes já em fase terminal de cancro; lutava contra o flagelo da sida e contra o não menos flagelo da droga; confundia-se com os mais humildes; confortava com palavras doces os que sofriam; as suas mensagens de amor, solidariedade humana e compaixão, até passavam através de simples gestos e da sua expressão meiga e triste que corriam logo o mundo inteiro! Mais ainda, apertava a mão a leprosos! E só por isso é que não era do meio! Longe de pensar eu, quando, em 12 de Fevereiro de 1996, escrevi este texto nas colunas deste DIÁRIO, que ainda um dia viria a sentir o vazio deixado atrás de si e que dificilmente será preenchido! O túnel por onde entrara pela última vez tinha, além de outras direcções, também tinha a direcção da morte! E até parece ter saltado para o outro lado da vida, de costas voltadas, aflita e a gritar, com medo de ser seguida pelos paparazzi que, na terra, não lhe deram um momento de sossego! Não era filha de reis, mas corria pelas suas veias e artérias o sangue de uma família da alta aristocracia! Nascera com a sina da má fortuna! Caminha penosamente, pela vida fora, de desilusão em desilusão, até à desilusão fatal: a morte pelo escuro da noite, no escuro de um carro, gemendo de dor, emaranhada na teia de ferros torcidos! E nem ali merecera a compaixão dos paparazzi que freneticamente disparam impiedosamente as últimas chapas dos rolos das suas sempre prontas câmaras ao serviço da desgraça e dos escândalos! Ali ao lado do playboy Dodi que viria a ser certamente mais uma desilusão da sua vida! Nada talhado para vir a ser padrasto do futuro Rei de uma monarquia tão exigente e de protocolo tão rígido! E com a partida, “tão cedo, desta vida descontente”, deixa os pobres mais pobres. E até os paparazzi mais pobres também! É que a possibilidade de vender a fotografia de um kiss, pela «módica» quantia de duzentos mil contos não surge, certamente, muitas vezes, na vida de um paparazzo qualquer, sempre ávido, à caça de escândalos! Diana tocou e comoveu o mundo do seu tempo! E o mundo chorou a princesa de corações a sangrar! Não há registo na História de um fenómeno sociológico como este que ajoelhou o mundo a seus pés no último adeus! Não chega a ser Rainha de jure dos britânicos! Mas morre Rainha de facto do universo! Tinha génio e planos para relançar um novo estilo na monarquia britânica, aproximando-a mais do povo, seu suporte, que é quem a legitima. Mas Carlos, cego, perde essa grande e única oportunidade! Carlos nunca amara Diana que o amou perdidamente! Carlos usou simplesmente aquela que viria ser mãe dos seus dois filhos. Tratou-a impiedosamente como de uma qualquer mulher de barriga de aluguer, se tratasse! Que o príncipe herdeiro venha a ser o Rei que sua mãe quis que o pai fosse e não vai ser certamente: terno, meigo, humano e sempre dedicado a seus súbditos. No fundo, Rei da Grã-Bretanha, e um pouco, à maneira da mãe, Rei de todo o mundo! Esta a mensagem anónima entre tantas mensagens anónimas perdidas no meio de toneladas de flores espalhadas pelo mundo inteiro! Que lá no céu, onde subiu, viva a paz e o descanso que não tivera na terra! De AS TÍLIAS TAMBÁEM SE ABATEM, livro de crónicas do autor publicado e, 1998 Friday, July 27, 2007 3:57 PM ALEGRE, NEM SEMPRE ALEGRE ALEGRE! NEM SEMPRE ALEGRE! Avelino Barroso Espanta sobremaneira o relevo dado ao artigo de Manuel Alegre no jornal diário, o PÚBLICO, com direito a fotografia em destaque mesmo na primeira página! E não só. Logo de manhã na rádio a estranha novidade continuava! Mais ainda, todos os horários nobres da televisão abriam com parangonas, lembrando a fúria da corrida ao último número do romance de Harry Potter. E porque espanta? Porque, afinal, o artigo não tem nada de novo. Explora, sim, casos de Charrua e outros semelhantes já devorados pela oposição, rádio, imprensa e televisão. Volta a falar do medo, tema tão caro a Manuel Alegre, desde sempre. Como se Portugal estivesse novamente em ditadura. Invoca Santo Ofício e bufos da PIDE. A que propósito? Pasme-se com tanto exagero. Lamentáveis considerações fora de contexto. O Verão quente felizmente está a léguas dos dias de hoje. Aí, sim, estivemos à beira de uma ditadura do proletariado, sem comparação alguma com a ditadura do Estado Novo. Ataca sem dó nem piedade as reformas da administração pública que só pecam por não terem chegado mais cedo. Desde 1976, se reclama a necessidade urgente de tais reformas. Pagam-se favores políticos com empregos na administração central e autárquica. Há repartições onde já não há lugares sentados para todos, nem um papel para carimbar. Veja se a balbúrdia da Câmara Municipal de Lisboa, com o dobro de funcionários das Câmaras de Madrid e Barcelona. O PS no governo nunca fez nada de jeito, nunca levou um mandato até ao fim. Vem sendo batido pelo maior partido da oposição que é a formação partidária que mais tempo tem estado no governo, desde o 25 de Abril. Até que enfim chegou, com José Sócrates, a hora da esperança para um Portugal moderno. A oposição, e Manuel Alegre também, nem uma palavra tem dito sobre défice que era de 6,1% quando o governo tomou posse, e já desceu para pouco mais de 3%. Só interessa à oposição vasculhar temas de lana-caprina que comprometam o executivo. Se queremos ser suecos, temos de, a pouco e pouco, apostar na revogação das leis laborais, aproximando-as da Europa Ocidental, de modo a podermos competir nos mercados internacionais com qualidade e baixo preço. Actualização que é feita, sobretudo no interesse do pleno emprego, visto que só com riqueza é possível porem-se em prática políticas sociais mais favoráveis às classes trabalhadoras. Manuel Alegre não entende isso assim. Aprendamos com Tony Blair que logo, no seu primeiro governo, se distinguiu dos seus antecessores, afirmando: "O mundo que aí vem é um mundo mais baseado numa noção de dever do que numa noção de direito. Justiça ao trabalho sim, mas a flexibilidade é um dado adquirido”. Palavras ao Congresso em Outubro de 1997. Mais disse: “O Congresso é o órgão superior do Partido. E eu respeito-o muito. Mas agora sou primeiro-ministro e tenho de governar para quem me elegeu. Deliberem o que quiser mas quem governa sou eu”. Mas Manuel Alegre está contra o seu governo também quanto à flexibilidade que a seu tempo terá de evoluir para flexisegurança nas relações laborais. Sugere, ainda, que o governo de José Sócrates devia aproveitar a Presidência para rever o PEC. Se caísse nessa tentação abriria um precedente que levaria a que outros Estados-membros viessem a tentar resolver os seus próprios problemas à custa da revisão do PEC. E assim ficaria impossibilitada a UE de cumprir os fins para que foi fundada. Um Estado é uma casa grande. Não pode gastar mais do que o que produz. Daí os critérios de convergência do PEC: Limites no défice, na dívida pública, estabilidade cambial, taxas de juro e controlo da inflação. E só respeitando estes critérios pode haver convergência – pode haver mais riqueza e melhores políticas sociais. Não sou socialista nem nunca votei no PS. Mas hoje reconheço que José Sócrates está a fazer o que nenhum governo antes (à excepção dos governos de Cavaco Silva) teve coragem de fazer, pegando nos problemas como quem pega nos bois pelos cornos. Vem mexendo com privilégios instalados. Tornou-se uma esperança dias melhores. A oposição que lhe fazem é de caserna, vazia de conteúdo, sem alternativas. Atacam o Primeiro-ministro com base em erros que são cometidos à margem do seu conhecimento e que são excepções à regra geral. Anda crispado e tem razão para isso. Anda à volta dos problemas da Presidência que não são poucos nem pequenos. Devia aparecer menos em público, reconheço isso, mandando outros ministros ou secretários justificar as medidas tomadas. Deve refugiar-se no silêncio do seu gabinete, estudando em profundidade os dossiers. Escrevi dois textos aquando da luta fratricida na conquista da liderança do Partido, envolvendo os candidatos Manuel Alegre, João Soares e José Sócrates. Vou recordar, um passo, de um dos textos, aos meus leitores: O estilo de Sócrates terá de ser também moderno. Discurso claro, longe do barroquismo de outros líderes do antigamente. Em vez de ataques pessoais, críticas banais, vazias de conteúdo, terá de apresentar projectos com pernas para andar. Coligações? Com o CDS não resultou, à esquerda, o socialismo de Sócrates não tem nada de comum com essas ideologias, seria um fracasso a curto prazo. Foi a presidir a um governo minoritário que Cavaco Silva veio a sentar-se na cadeira de São Bento durante dez anos. E se acaso não conseguir a almejada maioria será esse o caminho que José Sócrates terá de trilhar. O cume do everest que Sócrates pretende atingir está ainda muito longe. Do outro lado há também futuros e bons alpinistas. Felizmente que, pela primeira vez, foi possível ao PS a almejada maioria absoluta. Que José Sócrates a saiba usar. Quanto a Manuel Alegre, longe de pensar que não seja um socialista de raiz. Mas se, por desgraça, viesse a ser um dia Primeiro-ministro faria como o Zé do Telhado – “roubar aos ricos para dar aos pobres”. É Manuel Alegre um histórico do PS, político carismático, humanista de corpo inteiro, poeta de inspiração natural e espontânea. No fundo um peso pesado do Partido Socialista. Isto tudo e já não é pouco. Que corra para a frente sem medo com o seu movimento de cidadania. Para isso tem liberdade que chegue para dar e vender. Mas deixe em paz e sossego o primeiro-ministro José Sócrates. Ele é também o líder do Partido onde o nosso poeta tanto se tem distinguido como militante carismático. avelino.barroso@sapo.pt ALEGRE! NEM SEMPRE ALEGRE! Avelino Barroso Espanta sobremaneira o relevo dado ao artigo de Manuel Alegre no jornal diário, o PÚBLICO, com direito a fotografia em destaque mesmo na primeira página! E não só. Logo de manhã na rádio a estranha novidade continuava! Mais ainda, todos os horários nobres da televisão abriam com parangonas, lembrando a fúria da corrida ao último número do romance de Harry Potter. E porque espanta? Porque, afinal, o artigo não tem nada de novo. Explora, sim, casos de Charrua e outros semelhantes já devorados pela oposição, rádio, imprensa e televisão. Volta a falar do medo, tema tão caro a Manuel Alegre, desde sempre. Como se Portugal estivesse novamente em ditadura. Invoca Santo Ofício e bufos da PIDE. A que propósito? Pasme-se com tanto exagero. Lamentáveis considerações fora de contexto. O Verão quente felizmente está a léguas dos dias de hoje. Aí, sim, estivemos à beira de uma ditadura do proletariado, sem comparação alguma com a ditadura do Estado Novo. Ataca sem dó nem piedade as reformas da administração pública que só pecam por não terem chegado mais cedo. Desde 1976, se reclama a necessidade urgente de tais reformas. Pagam-se favores políticos com empregos na administração central e autárquica. Há repartições onde já não há lugares sentados para todos, nem um papel para carimbar. Veja se a balbúrdia da Câmara Municipal de Lisboa, com o dobro de funcionários das Câmaras de Madrid e Barcelona. O PS no governo nunca fez nada de jeito, nunca levou um mandato até ao fim. Vem sendo batido pelo maior partido da oposição que é a formação partidária que mais tempo tem estado no governo, desde o 25 de Abril. Até que enfim chegou, com José Sócrates, a hora da esperança para um Portugal moderno. A oposição, e Manuel Alegre também, nem uma palavra tem dito sobre défice que era de 6,1% quando o governo tomou posse, e já desceu para pouco mais de 3%. Só interessa à oposição vasculhar temas de lana-caprina que comprometam o executivo. Se queremos ser suecos, temos de, a pouco e pouco, apostar na revogação das leis laborais, aproximando-as da Europa Ocidental, de modo a podermos competir nos mercados internacionais com qualidade e baixo preço. Actualização que é feita, sobretudo no interesse do pleno emprego, visto que só com riqueza é possível porem-se em prática políticas sociais mais favoráveis às classes trabalhadoras. Manuel Alegre não entende isso assim. Aprendamos com Tony Blair que logo, no seu primeiro governo, se distinguiu dos seus antecessores, afirmando: "O mundo que aí vem é um mundo mais baseado numa noção de dever do que numa noção de direito. Justiça ao trabalho sim, mas a flexibilidade é um dado adquirido”. Palavras ao Congresso em Outubro de 1997. Mais disse: “O Congresso é o órgão superior do Partido. E eu respeito-o muito. Mas agora sou primeiro-ministro e tenho de governar para quem me elegeu. Deliberem o que quiser mas quem governa sou eu”. Mas Manuel Alegre está contra o seu governo também quanto à flexibilidade que a seu tempo terá de evoluir para flexisegurança nas relações laborais. Sugere, ainda, que o governo de José Sócrates devia aproveitar a Presidência para rever o PEC. Se caísse nessa tentação abriria um precedente que levaria a que outros Estados-membros viessem a tentar resolver os seus próprios problemas à custa da revisão do PEC. E assim ficaria impossibilitada a UE de cumprir os fins para que foi fundada. Um Estado é uma casa grande. Não pode gastar mais do que o que produz. Daí os critérios de convergência do PEC: Limites no défice, na dívida pública, estabilidade cambial, taxas de juro e controlo da inflação. E só respeitando estes critérios pode haver convergência – pode haver mais riqueza e melhores políticas sociais. Não sou socialista nem nunca votei no PS. Mas hoje reconheço que José Sócrates está a fazer o que nenhum governo antes (à excepção dos governos de Cavaco Silva) teve coragem de fazer, pegando nos problemas como quem pega nos bois pelos cornos. Vem mexendo com privilégios instalados. Tornou-se uma esperança dias melhores. A oposição que lhe fazem é de caserna, vazia de conteúdo, sem alternativas. Atacam o Primeiro-ministro com base em erros que são cometidos à margem do seu conhecimento e que são excepções à regra geral. Anda crispado e tem razão para isso. Anda à volta dos problemas da Presidência que não são poucos nem pequenos. Devia aparecer menos em público, reconheço isso, mandando outros ministros ou secretários justificar as medidas tomadas. Deve refugiar-se no silêncio do seu gabinete, estudando em profundidade os dossiers. Escrevi dois textos aquando da luta fratricida na conquista da liderança do Partido, envolvendo os candidatos Manuel Alegre, João Soares e José Sócrates. Vou recordar, um passo, de um dos textos, aos meus leitores: O estilo de Sócrates terá de ser também moderno. Discurso claro, longe do barroquismo de outros líderes do antigamente. Em vez de ataques pessoais, críticas banais, vazias de conteúdo, terá de apresentar projectos com pernas para andar. Coligações? Com o CDS não resultou, à esquerda, o socialismo de Sócrates não tem nada de comum com essas ideologias, seria um fracasso a curto prazo. Foi a presidir a um governo minoritário que Cavaco Silva veio a sentar-se na cadeira de São Bento durante dez anos. E se acaso não conseguir a almejada maioria será esse o caminho que José Sócrates terá de trilhar. O cume do everest que Sócrates pretende atingir está ainda muito longe. Do outro lado há também futuros e bons alpinistas. Felizmente que, pela primeira vez, foi possível ao PS a almejada maioria absoluta. Que José Sócrates a saiba usar. Quanto a Manuel Alegre, longe de pensar que não seja um socialista de raiz. Mas se, por desgraça, viesse a ser um dia Primeiro-ministro faria como o Zé do Telhado – “roubar aos ricos para dar aos pobres”. É Manuel Alegre um histórico do PS, político carismático, humanista de corpo inteiro, poeta de inspiração natural e espontânea. No fundo um peso pesado do Partido Socialista. Isto tudo e já não é pouco. Que corra para a frente sem medo com o seu movimento de cidadania. Para isso tem liberdade que chegue para dar e vender. Mas deixe em paz e sossego o primeiro-ministro José Sócrates. Ele é também o líder do Partido onde o nosso poeta tanto se tem distinguido como militante carismático. avelino.barroso@sapo.pt Thursday, July 19, 2007 6:17 PM ELEIÇÕES À CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA ELEIÇÕES PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA Avelino Barroso Antes de mais começo por lembrar aos leitores os equívocos que determinaram estas eleições intercalares. O Parido Social-democrata (PSD) foi o partido mais votado nas eleições legislativas de 2002. Assim, o seu líder Durão Barroso tornou-se Primeiro-ministro, destacando-se por ter posto em prática uma política de contenção da despesa pública, graças à eficiente colaboração da ministra das finanças Manuela Ferreira Leite. Acontece, porém, que em Junho de 2004 foi convidado para assumir o cargo de Presidente da Comissão Europeia. Depois de reflectir sobre o caminho a seguir ou não, aconselha-se com o Presidente da República Jorge Sampaio que lá foi dizendo que não era de deixar cair esta bela oportunidade, até porque isso seria uma honra para Portugal e que talvez não surgisse mais, no futuro, idêntica oportunidade. Primeiro equivoco – Jorge Sampaio, quando tudo levava a crer que iria dissolver a Assembleia, preferiu indigitar o Vice-presidente do PSD, Pedro Santana Lopes para Primeiro-ministro. E Santana interrompe o mandato da Câmara Municipal, em Lisboa, trocando o certo pelo duvidoso. Segundo equívoco – Com surpresa, mesmo de constitucionalistas, o Presidente da República, passados quatro meses, dissolve a Assembleia da República e convoca novas eleições antecipadas, “apesar da coligação entre PSD e o PP ter a maioria na Assembleia, facto inédito na história da democracia em Portugal. Sampaio não chegou a explicitar os motivos da sua decisão, mas o facto de o Partido Socialista (partido de Sampaio) estar na altura em alta nas sondagens e o facto da liderança deste partido ter entretanto mudado foram apontados por vários sectores como tendo sido determinantes para a sua decisão”. Lisboa perde assim um Presidente de Câmara com provas dadas na Figueira a Foz, e o Parque Mayer acaba por mudar de mãos, e, com tudo isto, vai pela água abaixo esse credível projecto de um famoso arquitecto americano para este local, que tanta dignidade viria a dar a essa linda cidade de Lisboa. E o País perdeu também um Primeiro-ministro que nem sequer tempo teve de mostrar o que valia. Com a tomada de posse do XVI Governo Constitucional de Santana Lopes, Carmona regressa à Câmara Municipal como Presidente, cargo que exerce durante oito meses. Vence, como candidato independente, as eleições de Outubro de 2005, apoiado pelo PSD, deixando para trás Manuel Maria Carrilho, do Partido Socialista. Faz uma coligação pós-eleitoral com Maria José Nogueira Pinto, que lhe permite uma maioria absoluta. Com a demissão de Nogueira Pinto, perde Carmona a maioria. Terceiro equivoco: Quem tudo quer tudo perde: Rompida a coligação, Marques Mendes toma a opção de provocar eleições intercalares. Resultado: A Presidência da Câmara passa de mão beijada para o Partido Socialista. E certamente, lá continuará depois das eleições de 2009. E a direita sofre uma pesada e vergonhosa derrota à boca das urnas. Bem melhor teria sido deixar Carmona cumprir o mandato até onde a oposição o deixasse. E assim, talvez as eleições viessem só a ter lugar em 2009. Primeiro recado: A vitória do Partido Socialista sabe a pouco. O eleitorado deve ter querido dizer: Cuidado José Sócrates, devagar que temos pressa. A culpa do resultado arrancado a ferros, valendo tudo, menos, ou até, tirar olhos, não foi do candidato António Costa que até tem bom currículo académico e político. Mas terá, agora, de sensibilizar o governo para a reforma da Administração Autárquica que já perde pela demora. Não faz sentido que Madrid e Barcelona tenham cinco funcionários por cada mil munícipes, e Lisboa, Oeiras e Cascais tenham o dobro. E nem vale a pena falar nas outras Câmaras espalhadas por todo o País, onde se pagam também favores políticos com empregos, sobretudo nas empresas municipais, onde já não há, para muitos funcionários, um banco e um papel para carimbar. Mostre António Costa o que vale, se quer seguir em frente em 2009. Segundo recado: Paulo Porta, por onde anda a primavera do CDS/PP tão anunciada e prometida? O povo está cheio de promessas por cumprir. Perder na Madeira, perder em Lisboa e com certeza perder também nas legislativas e autárquicas de 2009, será o dizer adeus para sempre à política portuguesa. E é pena. E estou até a dar ao desbarato a preocupante crónica de Clara Ferreira Alves na revista ÚNICA do Expresso, do fim-de-semana. Terceiro recado: Arquitecta Roseta, para a frente é que é o caminho. O povo está farto das manobras partidárias, onde os velhos métodos da União Nacional de Salazar e Caetano estão a ser copiados. É chegada a hora do Movimento de Cidadania. Quarto recado: Que tenha o PCP paciência por ter perdido para Roseta o terceiro lugar no pódio. Que continue o seu caminho na luta pelos direitos dos trabalhadores, distanciando-se pouco a pouco da CGTP. Só terá a beneficiar com isso, ganhando a sua luta mais credibilidade. Quinto recado: O Bloco de Esquerda não beneficiou de dividendos políticas na sua luta contra a corrupção. Até à sentença com trânsito em julgado há a presunção de inocência do arguido. Talvez, por isso, o resultado das eleições não lhe tenha sido mais favorável. Vamos esperar para ver. avelino.barroso@sapo.pt Thursday, July 19, 2007 6:01 PM ELEIÇÕES PARAA CÂAMARA MUNICIPAL DE LISBOA ELEIÇÕES PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA Avelino Barroso Antes de mais começo por lembrar aos leitores os equívocos que determinaram estas eleições intercalares. O Parido Social-democrata (PSD) foi o partido mais votado nas eleições legislativas de 2002. Assim, o seu líder Durão Barroso tornou-se Primeiro-ministro, destacando-se por ter posto em prática uma política de contenção da despesa pública, graças à eficiente colaboração da ministra das finanças Manuela Ferreira Leite. Acontece, porém, que em Junho de 2004 foi convidado para assumir o cargo de Presidente da Comissão Europeia. Depois de reflectir sobre o caminho a seguir ou não, aconselha-se com o Presidente da República Jorge Sampaio que lá foi dizendo que não era de deixar cair esta bela oportunidade, até porque isso seria uma honra para Portugal e que talvez não surgisse mais, no futuro, idêntica oportunidade. Primeiro equivoco – Jorge Sampaio, quando tudo levava a crer que iria dissolver a Assembleia, preferiu indigitar o Vice-presidente do PSD, Pedro Santana Lopes para Primeiro-ministro. E Santana interrompe o mandato da Câmara Municipal, em Lisboa, trocando o certo pelo duvidoso. Segundo equívoco – Com surpresa, mesmo de constitucionalistas, o Presidente da República, passados quatro meses, dissolve a Assembleia da República e convoca novas eleições antecipadas, “apesar da coligação entre PSD e o PP ter a maioria na Assembleia, facto inédito na história da democracia em Portugal. Sampaio não chegou a explicitar os motivos da sua decisão, mas o facto de o Partido Socialista (partido de Sampaio) estar na altura em alta nas sondagens e o facto da liderança deste partido ter entretanto mudado foram apontados por vários sectores como tendo sido determinantes para a sua decisão”. Lisboa perde assim um Presidente de Câmara com provas dadas na Figueira a Foz, e o Parque Mayer acaba por mudar de mãos, e, com tudo isto, vai pela água abaixo esse credível projecto de um famoso arquitecto americano para este local, que tanta dignidade viria a dar a essa linda cidade de Lisboa. E o País perdeu também um Primeiro-ministro que nem sequer tempo teve de mostrar o que valia. Com a tomada de posse do XVI Governo Constitucional de Santana Lopes, Carmona regressa à Câmara Municipal como Presidente, cargo que exerce durante oito meses. Vence, como candidato independente, as eleições de Outubro de 2005, apoiado pelo PSD, deixando para trás Manuel Maria Carrilho, do Partido Socialista. Faz uma coligação pós-eleitoral com Maria José Nogueira Pinto, que lhe permite uma maioria absoluta. Com a demissão de Nogueira Pinto, perde Carmona a maioria. Terceiro equivoco: Quem tudo quer tudo perde: Rompida a coligação, Marques Mendes toma a opção de provocar eleições intercalares. Resultado: A Presidência da Câmara passa de mão beijada para o Partido Socialista. E certamente, lá continuará depois das eleições de 2009. E a direita sofre uma pesada e vergonhosa derrota à boca das urnas. Bem melhor teria sido deixar Carmona cumprir o mandato até onde a oposição o deixasse. E assim, talvez as eleições viessem só a ter lugar em 2009. Primeiro recado: A vitória do Partido Socialista sabe a pouco. O eleitorado deve ter querido dizer: Cuidado José Sócrates, devagar que temos pressa. A culpa do resultado arrancado a ferros, valendo tudo, menos, ou até, tirar olhos, não foi do candidato António Costa que até tem bom currículo académico e político. Mas terá, agora, de sensibilizar o governo para a reforma da Administração Autárquica que já perde pela demora. Não faz sentido que Madrid e Barcelona tenham cinco funcionários por cada mil munícipes, e Lisboa, Oeiras e Cascais tenham o dobro. E nem vale a pena falar nas outras Câmaras espalhadas por todo o País, onde se pagam também favores políticos com empregos, sobretudo nas empresas municipais, onde já não há, para muitos funcionários, um banco e um papel para carimbar. Mostre António Costa o que vale, se quer seguir em frente em 2009. Segundo recado: Paulo Porta, por onde anda a primavera do CDS/PP tão anunciada e prometida? O povo está cheio de promessas por cumprir. Perder na Madeira, perder em Lisboa e com certeza perder também nas legislativas e autárquicas de 2009, será o dizer adeus para sempre à política portuguesa. E é pena. E estou até a dar ao desbarato a preocupante crónica de Clara Ferreira Alves na revista ÚNICA do Expresso, do fim-de-semana. Terceiro recado: Arquitecta Roseta, para a frente é que é o caminho. O povo está farto das manobras partidárias, onde os velhos métodos da União Nacional de Salazar e Caetano estão a ser copiados. É chegada a hora do Movimento de Cidadania. Quarto recado: Que tenha o PCP paciência por ter perdido para Roseta o terceiro lugar no pódio. Que continue o seu caminho na luta pelos direitos dos trabalhadores, distanciando-se pouco a pouco da CGTP. Só terá a beneficiar com isso, ganhando a sua luta mais credibilidade. Quinto recado: O Bloco de Esquerda não beneficiou de dividendos políticas na sua luta contra a corrupção. Até à sentença com trânsito em julgado há a presunção de inocência do arguido. Talvez, por isso, o resultado das eleições não lhe tenha sido mais favorável. Vamos esperar para ver. avelino.barroso@sapo.pt Friday, July 13, 2007 8:39 PM NÃO HÁ MÃE SEM PERIQUITO NÃO HÁ MÃE SEM PERIQUITO Avelino Barroso A Maria Rosa, afastada da terra desde há décadas, regressa, mordida de saudades e atira-se de braços abertos ao seu querido irmão que passara uma vida a clamar pela sua chegada e já sem esperanças de a ver antes de partir para a grande viagem. Apesar dos cerca de oitenta anos de idade, ainda tinha ideias claras, embora já com vista curta, mãos trémulas, costas corcovadas e passadas pouco firmes, sempre de pau na mão para melhor reconhecer os caminhos e os carreiros. — Ó irmão, como estás ainda bom, de raízes bem fundas, preso à vida pacata desta inocente terra que nos viu nascer! O irmão José da Rocha Calhau, professor aposentado de instrução primária, chorando e tremendo de emoção, abraça a irmã, de olhos humedecidos e exclama: — Já posso morrer. E num relançar de olhos para uma vida já distante, mas ainda bem clara no mundo de suas recordações, lá vai inteirando a irmã Rosa da vida vivida durante os anos da sua ausência e lá vai dizendo, de voz bem timbrada, mas parando um pouco, de quando em vez, para respirar fundo. — Ó minha querida irmã Rosa, a vida rural desta aldeia, naquele tempo em que tu, ainda pequenina, partiste para essas terras longínquas, descobertas por Cristóvão Colombo, às ordens dos Reis Católicos de Espanha, não era, não, a vida de hoje que favorece muito malandro que gosta de viver sem trabalhar, à custa do orçamento do Estado. Logo a seguir ao fim dessa maldita guerra sangrenta que envolveu vários países, para matar à nascença a ambição desse homem louco que foi Adolfo Hitler que pretendia dominar o mundo, a vida, por aqui, foi uma vida de sacrifício. Os recursos eram apenas os que vinham da terra! E eram escassos. Os trabalhos do campo não absorviam os braços livres de uma geração que, em número, não parava de crescer. A exploração dos campos fazia-se por processos rudimentares, dado que os frutos mal davam para comer, quanto mais para amortizarem a compra de maquinaria que as havia já, mas eram um luxo apenas dos americanos ou europeus de países economicamente desenvolvidos. Nestas terras, à margem da civilização, esquecidas dos centros urbanos, onde o comércio, a indústria e os serviços eram e são actividades de maior riqueza, o trabalho árduo do campo era e é feito por caseiros, tendo por ferramenta a enxada, a sachola, a foicinha, o alvião, a picareta, o gadanho, o engaço ou ancinho, directamente utilizados pelo braço trabalhador. Mas também o já histórico arado para lavrar a terra e ainda a grade para enterrar o milho, cereal que constituía a base de alimentação daquela pobre gente e gente pobre! E o milho não dava pouco trabalho: adubar, lavrar, sachar, mondar, cortar, desfolhar, secar nos espigueiros ou canastros, malhar, secar na eira os grãos já debulhados e só depois moer e com a farinha amassada em forma de broa, cozer o pão em fornos, muitas vezes comunitários. Também não faltava, nem podia faltar, o carro de bois com duas grandes rodas de madeira utilizado no transporte de lenha, madeira e mato, este para fazer o estrume com que se adubavam os campos. Ao fim da tarde era uma festa quando estes antigos meios de transporte desciam monte abaixo por caminhos desnivelados, muito acidentados, aos solavancos, numa marcha lenta de pára e arranca. O homem da soga, de vara com aguilhão, braços bem erguidos, voltado para os bois cangados, gritava-lhes e gesticulava, submetendo-os, assim, numa linguagem que eles, por instinto, já percebiam e obedeciam imediatamente! E os carros faziam uma chiadeira que se ouvia a léguas de distância, mas harmoniosa e agradável aos ouvidos, sobretudo quando o eixo do carro não era bem untado com coiratas de porco a escorrerem e a pingarem para o chão. Trabalho insano e tão mal pago! Quantas vezes ficam a meditar o que seria desta gente se não tivesse a fé caldeada, ao longo da vida, no exercício de actos religiosos: a primeira comunhão, comunhão solene, casamentos e baptizados, primeira sexta-feira de cada mês, novenas e romarias, etc. E uma dedicação filial ao abade da freguesia que, naquele tempo, ainda era um poço de virtudes! Hoje as excepções à regra geral, desses recuados tempos, já vão sendo infelizmente muitas, para o meu gosto! Por outro lado era uma gente humilde, sem outra ambição que não fosse o bem da família, a educação, o trabalho e a vivência cristã de seus filhos. E da salvação das suas almas acima de tudo. Cada lugar tomava conta dos seus pobres. Ninguém passava fome de uma fumegante e bem adubada sopa com o azeite da terra, verduras, macarrão, batatas e feijões. A solidariedade humana era a regra de ouro dessa gente que não conhecia o crime. E a única droga era a da malguita do vinho a mais, no fim-de-semana, na taberna de porta aberta até alta noite, sobretudo aos domingos. E o único vício era o jogo das cartas. Mais às orelhadas do que à sueca que obrigava a pensar muito. E o jogo da malha também era muito praticado. Para não falar do jogo do pau, cuja fama corria com o vento por todo lado! Filhos quantos mais melhor. Deus os dá, Deus os ajuda a criar. São o único pé-de-meia na velhice. Quantos pais não passariam, por grandes necessidades, se não tivessem um ou outro filho que lhe acudisse na hora certa para não dependerem da caridade alheia. Ainda andava, e bem por longe, o slogan da terra a quem a trabalha, que mais tarde vem a criar na cabeça das pessoas ilusões de falsas promessas. O patrão rural que pouco melhor vivia que o caseiro era ainda uma pessoa tida como um benfeitor. Andava ainda, por outras bandas, o conceito de que todos os patrões haviam de ser forçosamente exploradores! Hoje os tempos mudaram! Para pior. Anda tudo sem rei nem roque. Em vez de humildade, há arrogância. Hoje não se pede, reivindica-se. As pessoas não querem trabalho, querem emprego! Era assim a vida por aqui. E tu, irmã Rosa? Por onde tens andado? O que é feito de ti que só, uma vez ou outra, deste sinal de vida, em tantos anos? — Ó irmão Zé, eu lá fui parar essas terras longínquas do Rato Mickey e por lá fiquei até agora! Também eu, de certa maneira, comi o pão que o diabo amassou. Lá todos os sectores da economia estão mecanizados e controlados cientificamente. Mesmo a produção agrícola que excede as necessidades domésticas. Há reservas substanciais de petróleo, de gás natural, de carvão fóssil, etc. Toda a gente é rica, de certa maneira! Mas olha Zé, a crise da abundância, por vezes, é pior do que a crise da pobreza. Porque a riqueza gera ganância, e a ganância gera stress, e intranquilidade, e depressões que se tornam já crónicas, nos países desenvolvidos. Por lá cada vez se vai esbatendo mais o sentimento da família! E a solidariedade é uma solidariedade fria, sem amor. Existe apenas como meio importante na conquista do poder. Quantas vezes tive desejo da sopa bem adubada, comida na malga apoiada nos joelhos, na velha casa de nossos pais. E duas sardinhas bem gordas que eram naquele tempo a cinquenta a coroa. Sabiam-me bem melhor que o cherne que como hoje! As pessoas, na ânsia de aproveitar a vida até à última gota, desistiram de ter filhos. Preferem animais. Agora estão muito em voga os periquitos! Multiplicam-se os consultórios de médicos psiquiatras, psicólogos e parapsicólogos, para atenderem doentes depressivos, tantas vezes por lhes ter morrido o seu “filho” gato ou o seu “filho” periquito! Houve com atenção: Ainda há dias foi motivo de grandes parangonas na imprensa, e na rádio, e na televisão com honras de horário nobre, o abandono de uma criança num dos Hospitais de um dos Estados federados! Uma jovem, bem na vida, teve um parto mas rejeitou a criança. Assinou o termo que lhe foi imposto com o nome falso de Mary Candeias. Trinta anos depois, morre-lhe o seu querido periquito. Entra em depressão que a impede de trabalhar. Grita; dorme pouco e só com o auxílio de poderosos tranquilizantes! E sempre com a gaiola do periquito, à cabeceira da cama. Passa o dia a vigiar a gaiola, sempre preocupada que esteja fornecida de alimento e água para o periquito que já lá não habita! Quando sai à rua pede, da janela, à vizinha do lado, que lhe deite uns olhinhos ao seu periquito, enquanto ela vai ao supermercado! Mas, nos intervalos lúcidos, procura por todo o lado, os psicólogos e parapsicólogos, queixando-se da angústia deixada pelo vazio do seu “filho” querido! Mas, um dia, acabou por cair no consultório de um médico do foro psiquiátrico. O médico recomenda-lhe, para além de uma medicação adequada, a adopção de uma criança. Ela responde que é tarde. E, olhando para todos os lados, aproxima-se um pouco e segreda-lhe: — Nunca mais esquecerei a data fatídica de 20 de Janeiro de 1946! O médico sorri e atalha: — Não diga que essa data é fatídica. É também a data do meu nascimento. – Desculpe Senhor Doutor. Fatídica para mim. Foi nesse dia, nesse mês e nesse ano, que entrei num Hospital para ter o meu primeiro filho de namoro e ali o deixei entregue à caridade alheia! Já a tremer e um tanto surpreendido pela notícia, adianta, sem perda de tempo: — Por favor, diga-me, minha Senhora, qual foi o Hospital em que deu à luz essa desvalida criança? – - O Hospital de S. Jorge, Senhor Doutor. Como poderia eu esquecer. – Assinou o termo de abandono? – Sim senhor Doutor. Foi-me imposta essa formalidade. – E com que nome? – O nome falso de Mary Candeias. O Dr. Jonh deixou-se cair no sofá e ali ficou por uns instantes pensativo! Refeito do choque, levantou-se e, voltando-se para a doente, perguntou: Está arrependida? – E com remorsos, Senhor Doutor. Quem me dera esse filho. Olhe minha senhora, eu também perdi a minha mãe nesse dia, nesse mês e nesse ano! Também fui abandonado nesse Hospital no dia do meu nascimento. Ando há décadas atrás da minha mãe Mary Candeias! Todo o filho deseja uma mãe nem que seja de uma silva. Se a encontrar avise-me depressa que eu ofereço-lhe um periquito. Ainda não tinha acabado de fazer o irónico apelo, já a mãe Mary Candeias jazia, desmaiada sobre o sofá. Reanimada pelo próprio filho, abriu os olhos e disse: — Anda viver comigo, meu querido filho Jonh, se é que eu não posso viver contigo! Mas com uma condição Jonh, acrescenta, o prometido é devido. Não há mãe sem periquito! avelino.barroso@sapo.pt Wednesday, July 11, 2007 10:25 PM Comentário a um texto no Expresso opinião Avelino Barroso Não é seguro que o tempo para Jardim Gonçalves tenha passado. Não é de subestimar o currículo do homem forte da Banca portuguesa. Foi na Espanha que ele pôde crescer, pondo em prática a sua imaginação. Ainda muita gente se lembra de ele disponibilizar a primeira máquina de Multibanco, em Portugal. Já a noite não era uma criança quando recebeu do poder um telefonema avisando-o de que o risco do assalto era grande. Já na Espanha, esta vantagem de sacar dinheiro das contas bancárias à ordem proliferava por todo o país. O risco calculado é uma virtude do homem de negócio. Jardim Gonçalves conhece os cantos à casa que fundou e onde ainda é reconhecido como um Senhor. As maiorias entre os grandes correm com fluidez de um lado para o outro. A OPA é hoje um recurso que faz mudar a administração de uma empresa cotada na Bolsa da noite para o dia. Jardim sabe isso como ninguém. Jardim tem muitos amigos que confiam ainda nele. As ideias deste homem fadado para vencer não são ideias de um homem apodrecido pela idade. Longe disso. No seu entendimento o Banco que fundou anda por maus caminhos. E isso entretece-o. E a falta de gratidão por parte do seu pupilo irrita-o. Irá lutar até ao fim pelo bom-nome do “seu” Banco e contra a desonra de ser lançado pela janela fora. Não vai ser carta fora do baralho, não é nem vai ser. Esperar para ver. Avelino Barroso PS – comentário a um texto de Henrique Monteiro no Expresso opinião on line Friday, July 06, 2007 3:09 PM TRATADO DE LISBOA TRATADO DE LISBOA Avelino Barroso Não é um Tratado Constitucional como viria a ser o Tratado que não foi ratificado pela França nem pela Holanda e que, por isso, a União Europeia mergulhou numa das maiores crises desde o Tratado de Roma. Razão tinha Jean Monnet quando um dia disse que a UNIÃO era como uma bicicleta – caía quando parava. A Europa dos 27 espera, com ansiedade, a concretização do audacioso Projecto Europeu. Kant publicou, em 1795, o Projecto Filosófico da Paz Perpétua, defendendo a paz pela supremacia do direito. Contudo, há que reconhecer que todos os projectos de raiz humanística que defendiam a unidade política entre as soberanias europeias esbarraram perante a prepotência dos príncipes soberanos que não pretendiam largar mão da sua autoridade absolutista, influenciada pela teoria maquiavélica – Se não é possível sermos amados e temidos ao mesmo tempo, é melhor sermos temidos. E foi assim que os poderes absolutos e despóticos dos séculos XVII e XVIII foram travando, até à Revolução Francesa, a ideia de uma Europa economicamente próspera, dotada de uma autoridade supranacional que asseguraria a paz nunca antes alcançada. De realçar que foram os vanguardistas da Revolução Americana que aproveitaram o movimento de ideias de uma Europa unida para instituírem o Estado Federal que é o exemplo, entre eles, de prosperidade e concórdia. Foi essa experiência americana que acabou por influenciar Saint-Simon que passa a defender no seu livro Da Reorganização da Sociedade Europeia, em 1814, uma federação dos povos europeus, com parlamento comum e um governo supranacional. O próprio Victor Hugo vai desenterrar os princípios enunciados por Pierre Dubois, para profetizar, no Congresso de Paz de 1848, a criação dos Estados Unidos da Europa, ideia perfilhada, após o fim da guerra 1939/1945, pelo Primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill. Vamos ficar por aqui quanto à resenha histórica, não deixando de reconhecer, contudo, que só depois da Guerra Mundial (1914-1918) e, a seguir uma outra ainda de maiores proporções catastróficas, (1939-1945) se encontrou fôlego para caminhar ligeirinho na construção de uma União Europeia, em paz e sossego. Na verdade, foi assinado a 25 de Março de 1957, debaixo de chuva torrencial, e ao som do repicar dos sinos, o TRATADO DE ROMA que veio dar origem ao Mercado Comum, selado na sala dos Horácios e Curiácios do Palácio do Capitólio, nessa histórica capital da Itália, pelos representantes da França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália. E a 1 de Novembro de 1993 entra em vigor o TRATADO DE MAASTRICHT . Também conhecido pelo TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA, depois de ratificado pelos parlamentos nacionais dos doze estados-membros. Surge assim o grande mercado interno. Institui este Tratado a União Europeia e a cidadania europeia. Estabelece os critérios de convergência nominal com vista à moeda única. T RATADO DE NICE – Adoptado na sequência do Conselho Europeu de Nice, em Dezembro de 2000, e assinado em 26 de Fevereiro de 2001. Entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 2003. É o culminar da Conferência Intergovernamental (CIG), realizada em Fevereiro de 2000, cujo objecto era a adaptação do funcionamento das instituições europeias antes da chegada de novos Estados-Membros. Esperemos que a Presidência portuguesa (a terceira e última) corresponda à confiança que os restantes membros nela vêm depositando. Até à redacção final do TRATADO DE LISBOA, há um longo caminho a desbravar. A Polónia parece já estar a ameaçar novamente. Seria penoso que a Polónia voltasse a pôr em cima da mesa os vinte e muitos milhões de polacos mortos pela Alemanha nazi, para fazer valer hoje as suas reivindicações. 2 - REFERENDO: É um dos dois processos previstos para a ratificação do novo Tratado. Não vamos ser mais papistas que o Papa. Os Parlamentos dos Estados-membros ratificaram o TRATADO DE MAASTRICHT que instituiu a União Europeia. Foi por indicação de Sarkozy que surgiu a ideia de um Tratado reformador para evitar o referendo que podia criar um novo impasse. De resto, diga-se que não estamos a considerar que o povo seja estúpido, mas temos de reconhecer que os deputados por si eleitos estão mais esclarecidos quanto aos problemas da UNIÃO . O Presidente do Parlamento Europeu, Hans Gert Pottering, defendeu já, em Lisboa, a título pessoal, a legitimidade dos parlamentos nacionais dos 27 Estados membros ratificarem o futuro Tratado da UE Pouco simpático, seria Portugal impor o referendo, ao contrário dos restantes membros que condicionaram as negociações à recusa dessa mesma consulta popular. Baixa a politica de oposição ao governo, que, abusivamente, recorre a este processo moroso, custoso, e duvidoso quanto ao sentido de voto, à falta de uma política de alternativas à política do executivo. A CGTP-IN continua a hostilizar a União Europeia. Nem lhe bastam os 21,5 mil milhões de euros para relançar a economia e, assim, aumentar significamente também o emprego. O Carvalho da Silva está mesmo velho. Ainda sonha com o PREC! O Projecto Europeu é uma honra e um dever para as gerações que o hão-de conduzir até à concretização do sonho de um mundo sem guerras, de Paz universal. A ideia de uma Europa unida nasceu da necessidade de uma estável paz entre os povos. Que felicidade para as gerações vindouras virem a usufruir de um rendimento per capita significativamente muito superior ao dos povos que tiveram, e hoje ainda têm, de pagar com seu trabalho as guerras que ainda por cima consomem tanto sangue inocente. Convém ter presente que o fim do Projecto Europeu é um fermento que não parará de levedar enquanto os cinco continentes não estiverem inteiramente democratizados, e em todo o planeta houver um Mercado Global Único, fim único da globalização. Convém lembrar que o “grande debate da União Africana”, com vista aos Estados Unidos de África, já está na calha. Longe ainda a ideia de uma paz universal que vem sendo travada pelo exacerbado nacionalismo dos líderes europeus dos Estados-membros. E tão exacerbado que nem os símbolos (hino, bandeira) integram o novo Tratado. Longe está ainda a cultura de uma UNIÃO universalmente abrangente, de um Estado Supranacional. Devagar que tenho, pressa. avelino.barroso@sapo.pt Friday, June 29, 2007 1:54 PM BODAS DE OURO SACERDOTAIS E MATRIMONIAIS BODAS DE OURO SACERDOTAIS E MATRIMONIAIS Avelino Barroso No passado dia 16 de Junho, teve lugar na Igreja de Vila de Punhe – Viana do Castelo – a cerimónia religiosa das Bodas de ouro sacerdotais do Padre Cónego Amadeu Rodrigues Torres, e matrimoniais de sua irmã e cunhado, Eva Rodrigues Torres e Alfredo Pereira de Amorim. Presentes no notável evento a Universidade do Minho, com destaque para os ex-reitores Lúcio Craveiro, Machado Santos, Chainho Pereira e ainda o ex-vice-reitor Aguiar e Silva. Bem representada também a Universidade Católica através do Presidente do Centro Regional de Braga e de outros Professores. Viana do Castelo em peso, a cidade dos três encantos – o Rio, a Terra e o Mar. Presentes a casta dos melhores jornalistas do Alto Minho. E não faltaram também, e não podiam faltar, a Câmara Municipal, Francisco Sampaio, Oliveira e Silva que foi já Governador Civil, os deputados Ricardo Gonçalves e Fátima Pimenta. Também o Deão e o Arcediago do Cabido da Sé de Braga não deixaram passar a oportunidade de honrar com a sua presença esta merecida homenagem. Com muito pena de não poderem estar presentes, o Senhor Arcebispo Primaz D. Jorge Ortiga e o Senhor D. Eurico Dias Nogueira, por se encontrarem em Roma. Abrilhantou a festa o Coral da freguesia dirigido pelo Prof. Doutor José Lima, do qual faziam parte dois musicólogos do Conservatório do Porto. Também o Prof. A. Luís Esteves deleitou o agradável convívio com melodiosas músicas, ao seu próprio piano, e a sua maviosa voz, cantarolando adequadas canções. O banquete teve lugar numa tenda com a capacidade de mais de duzentas pessoas e estava a rebentar pelas costuras. A ementa deixou todos os convidados de boca aberta. Coisa nunca vista, a começar pela diversidade de aperitivos, onde não faltou o leitão da Bairrada. Por volta das 18 horas ainda se não tinha chegado ao bolo regado com champanhe bruto. Não poucos se mantiveram sentados para não perder o lugar para a ceia que constava já da ementa. Girândolas de foguetes estalavam por todo o lado, assinalando a indelével festa. Por volta da meia-noite, os céus de Vila de Punhe ficaram inundados de vivas cores com a sessão de fogo-de-artifício – iniciativa dos sobrinhos e genros dos três homenageados. Durante a celebração religiosa foram distribuídos significativos contributos em dinheiro para a Igreja, Associações Religiosas e Civis, destacando-se, ainda, o Neves Futebol Clube e o Centro Recreativo e Cultural das Neves. Profundamente comovido ficou o Senhor Bispo D. José Augusto com este louvável gesto de solidariedade social que muito despertará o aumento de vocações sacerdotais. Boa ideia a distribuição de um livro “ Em quadros da Vida de Amadeu Rodrigues Torres”. Iniciativa da Juntada de Freguesia, cujo Presidente António Moreira, com o seu característico e simpático sorriso, andava numa fona de um lado para o outro para que tudo corresse nos trinques. E correu. A si se deve, em grande parte, a homenagem que, de facto não podia ter corrido melhor. Incansável também o irmão de Amadeu Torres, o sacerdote Dr. Alípio. E obrigado ao Presidente António Moreira por me ter distinguido, ao convidar-me para fazer a entrega, ao homenageado, da medalha de honra da Junta da Freguesia. Aplaudida de pé a declaração do deputado do Partido Socialista, Ricardo Gonçalves, no sentido de que brevemente a Ministra da Cultura Isabel Pires de Lima irá condecorar o homenageado Prof. Doutor Amadeu Torres com a Medalha de Mérito Cultural. E já tardava esta merecida condecoração. Quem neste país merecia mais do que Amadeu Torres uma medalha de cultura! Quem não conhece o seu mundo de cultura que extravasa as fronteiras nacionais! Do Colóquio realizado em Braga, de 20 a 22 de Abril de 2005, na Aula Magna da Faculdade de Filosofia, em homenagem ao homem, ao humanista, ao filólogo , linguista , e poeta, ainda ressoam hoje as comunicações de personalidades marcantes da cultura clássica, representativas de tantas universidades não só do universo nacional, mas também internacional, desde a Europa, Estados Unidos, Brasil, até ao Japão. Os mestres homenageavam o mestre, por ocasião do seu 80º aniversário natalício, através de um encontro científico por parte da comunidade académica abrangentemente representada. A Internet – a mãe de todas as enciclopédias – já imortalizara o homenageado, realçando a diversidade de facetas de uma vida ao serviço da cultura ligada sobretudo ao Humanismo, à Filologia, à Filosofia, ao mestre de Humanidades, ao Poeta lusitano Castro Gil com vocação universalista, como, com tanta propriedade, escreveu CARLO NEJAR, da Academia Brasileira de Letras, no prefácio do livro do homenageado: “ POETICA EM RAZÃO CRÍTICA que vem sendo lido com furor por todos aqueles que vibram com os sentimentos expressos através da arte de bem poetar.”. AMADEU TORRES não é só da Vila De Punhe, Viana do Castelo. É uma personalidade universal, conhecida por esses continentes fora porque por aí havia e há muitas Universidades, onde ele, qual formiguinha, trabalhava, em férias, o dia inteiro. Durante décadas contactou com esses majestosos centros de ensino superior desde a América ao Japão, passando pela Europa onde, aqui, vasculhou todas as bibliotecas à procura de pegadas do seu ídolo Damião de Góis. Por ali descobriu trinta e sete cartas inéditas escritas em latim pelo seu próprio punho que serviram de base à sua tese de doutoramento intitulada Noese e Crise na Epistolografia Latina Goisiana e que foi classificada com a nota máxima de distinção e louvor e o Prémio Laranjo Coelho da Academia das Ciências de Lisboa. Ao douto catedrático da Universidade Católica Portuguesa e da Universidade do Minho se deve a justa homenagem do Congresso Internacional sobre esse destacado Humanista, na Europa do Renascimento, tão injustamente tratado pela Inquisição. Se não é possível falar hoje de GÓIS sem falar de ERASMO, seu mestre, também possível não é falar de GÓIS sem uma profunda referência ao trabalho da aturada investigação de Amadeu Torres, sobre a vida e obra do “caixeiro-viajante” de D. João III. Damião de Góis estava esquecido e hoje está ressuscitado e, mais que isso, reabilitado. O gosto pela poesia cedo, bem cedo, bateu à porta de Amadeu Torres. Camões escreveu OS LUSÍADAS , distinguindo-se como o maior épico português de todos os tempos. Fernando Pessoa trabalhou primorosamente, na MENSAGEM , o mesmo tema épico, mas não conheceu, in loco, como Castro Gil, os novos mundos dados ao mundo no dizer feliz de Camões. Mais Mundo Haverá (em português e inglês), de Amadeu Torres, é também uma obra de tema épico que se vai perpetuar por todos os tempos. 29/06/07 Tuesday, June 26, 2007 4:45 PM O HOMEM DA NOITE O HOMEM DA NOITE Avelino Barroso Sempre à mesma hora da noite, fizesse frio ou calor, aquele rapaz que dava pelo nome de Jorge, lavava a cara, fazia a barba, vestia-se, ajeitava com a mão uma bem pronunciada madeixa de cabelo loiro e saía para o caminho. Alto, elegante, olhar fascinante, peito peludo, andar de gingão, era por aquelas redondezas conhecido por um verdadeiro macho latino. A tia Margarida, mulher já bem avançada na idade e bem rodada, costumava dizer com graça: — Os homens, raparigas, querem-se fortes, feios e a cheirar a cavalo! E o Jorge era um pedaço de rapaz escorreito, de feições efeminadas, que trazia à perna todas as raparigas do seu lugar e dos lugares vizinhos. Mas espantoso! Não ligava patavina às raparigas que, delambidas lhe faziam o cerco! Uma bela noite aparecera à janela a tia Rosa para ver se o céu estava estrelado, interessada no tempo que iria fazer no dia seguinte, já que a despesa com a lavrada, estava feita. Estranhou muito ver o rapaz àquelas horas da noite, de passada firme, apressado, caminhar pelo lugar acima, como quem vai dar um recado urgente. “Deixa para lá. Interessa-me mais o romper do dia que não tarda a espreitar lá de cima do monte do Merouço”, diz para os seus botões. E eram muitas as raparigas e os rapazes convocados para essa alegre mas árdua faina. O prato a servir ao pessoal iria ser de arroz de feijão vermelho com sardinhas assadas no forno a lenha, ao lado umas das outras, sobre grandes bolatas de pão milho. Ao meio da manhã, já com o tio Joaquim agarrado às rabiças do arado, iria ser servido, às postas fritas, o bacalhau de cura amarela inglês, a sete coroas o quilo, vendido, naquele tempo, nos barracos da feira, pelo tio Abel Matos que Deus haja. Já antes das seis horas, a melodia do chilrear dos pássaros era prenúncio de um dia soalheiro. A folhagem do arvoredo, verde como o sardão, estava serena, não sendo de esperar a ventania maldita que tanto atrapalha os trabalhos do campo. Ao pilheiro, lá em cima, começam a surgir os primeiros rapazes e raparigas já munidos de sacholas bem afiadas e com cabos bem redondinhos. Prontos para a faina do dia. Todos aos pares arrancavam, cantando: — Ora agora viras tu / ora agora viro eu / ora agora viras tu / viras tu e mais eu. E já cada qual no seu posto, a azáfama começa. – Ó rapaz, não saias do rego e estica-me bem essa soga. E tu, ó Manel, não inclines tanto para o lado o arado que se não ele não pega bem por baixo e nunca mais saímos daqui. E no meio de grande vozearia à mistura com estridentes gargalhadas, os trabalhos lá iam prosseguindo a todo o vapor e no meio de muita alegria. Por volta das dez horas começa a vislumbrar-se lá longe três mulheres de açafates à cabeça e dois rapazes ainda miúdos com dois garrafões pendurados na mão. E a recepção foi uma estrondosa algazarra seguida de uma salva de palmas. Sacholas, enxadas, engaços e o pau de aguilhão de picar o gado, pelos ares. Todos sentados, formavam uma roda. Açafates no meio. Malgas de barro compradas na tenda da tia Rosalina. O tio Joaquim com o garrafão enfiado no braço lá ia enchendo as malgas de vinho que iam batendo umas nas outras, tanta era a pressa e a sede daquela gente. Todos de cu estreme na terra fresca com o queixo inclinado sobre os joelhos, lá iam saboreando sofregamente o bacalhau frito acompanhado de boa pinga. Meia hora depois o tio Joaquim grita: — Vamos ao trabalho. Ao meio da tarde, o campo, antes de erva amarelo esverdeada, tinha já mudado de cor. Era de terra húmida bem adubada, onde se via aqui e acolá uma ou outra minhoca sem abrigo, a rabear. Só faltava agora aparelhar as touras à grade, uma vez que o tio Joaquim já tinha, com a arte que lhe é conhecida, semeado à mão o milho que brevemente iria germinar, dando lugar a uma espiga ou mesmo duas e, quem sabe, se alguma de milho rei. E é ver, quando nas esfolhadas aparece, lá de longe a longe, uma espiga de grão vermelho, toda a gente a gritar: — Milho rei, milho rei! É uma festa. Já no fim dos trabalhos, todos aos pares, de sachola ao ombro, a caminho da casa, alegres, cantavam, como que a desafiar os vizinhos do lugar da outra banda: — Nós de cá e vós de lá Somos tantos como vós Mataremos um carneiro E os cornos serão para vós! A alegria da rapaziada, no fim da lavrada, contrastava com a expressão triste e meiga da prendada Adélia, filha da tia Aurora, uma rapariga ainda menor de pouca idade, com ar de ingénua, que vivia só com a mãe. Tão bonita que fazia acreditar que a suprema divindade parou e apostou na expressão do belo, ao abrir-lhe a porta do mundo. Era na verdade o modelo perfeito da natureza humana: perna bem torneada, joelho disfarçado, anca levemente arredondada, peito puxado para a frente e de rosto meigo, onde dois olhos negros faiscantes encadeavam os rapazes até mais seguros de si! Mas desde há muito que parecia que alguém lhe botara mau-olhado. Passara, contudo, o dia inteirinho agarrada ao cabo da sachola, meditabunda, sem falar para ninguém. As raparigas lá iam comentando: — Que se passa com a Adélia? Passou o dia todo cabisbaixa, surda e muda! Com certeza que o namorado dela ainda não deu sinal de si, desde que foi para a tropa. À tarde a tia Rosa, em conversa, lá foi perguntando: - Ó Aurora, que se passa com a tua rapariga? Todos os dias me passava à porta de cântaro à cabeça, vinda da fonte a cantarolar e agora anda sempre acabrunhada! – Não é só ela. Andam por aí mais raparigas assim! É andaço. Mas pelo sim e pelo não, vou levá-la ao senhor doutor. Pode ser que lhe receite um remédio que a faça arrebitar. Desabafava a pobre mãe, mulher de Igreja que nunca faltava às novenas e fazia ininterruptamente as primeiras sexta-feira de cada mês. Já no consultório, pergunta o médico: — Quantos anos têm a rapariga? – Catorze anos, senhor doutor. – Já é assistida? – Não entendo senhor Doutor! - Se já anda com a “tia Maria”, mulher? - Já sim senhor doutor. E quando foi pela última vez? – Foi já no dia de todos os santos, se bem me lembro, senhor doutor. Não é nada certa. — Tem tido enjoos? — Muitos, senhor doutor. Já vai fazer muito tempo que comeu carne gorda de porco com ranço e nunca mais lhe passaram os enjoos. – Já namora? – Sim senhor doutor, com o Manel do Telhado. Bom rapaz; filho de gente boa; trabalhador. Está para a tropa já vai fazer um mês. — Vamos entrar para esse quarto. Quero examiná-la. – Deve ser da barriga, deve sim, Senhor doutor. Está a inchar a olhos vistos! O Dr. Pimpão era já conhecido no meio por um homem um tanto bruto, sem maneiras. Acabado o exame esticou-se todo, respirou fundo e mandou a bojarda: — Ó mulher, a sua filha está prenhe como uma vaca! — Credo senhor doutor! - Respondeu a tia Aurora já a fugir pela porta fora com a filha pela mão! Mas nessa noite, não teve sossego. Os suspiros faziam-se ouvir cá fora! Mil perguntas, mas a filha não se descosia. Não se lembrava de nada. Pudera! Depois de pegar no sono não acorda, nem com o foguetório do arraial da festa do Sagrado Coração de Jesus! Só depois de nascer o sol. Dizia tantas vezes a mãe. O Manel ao ser avisado vem a correr à terra e nega tudo. Ainda não tinha jurado bandeira e já estava a treinar, jurando por todos os santos que a Maria estava mas é doente. Na verdade, lá no lugar havia outras a padecerem do mesmo mal. O segredo guardado em saco roto depressa passou de boca em boca até chegar a outros lugares. Não se falava noutra coisa! A tia Aurora ameaçou que ia à Vila queixar-se à justiça. — Afinal a filha não é só minha. É também filha do Dr. Juiz. Quando no dia seguinte se preparava para ir contar tudo ao Tribunal, é abeirada pela amiga e fiel depositária de seus segredos, a tia Rosa. — Anda cá Aurora. Não sejas precipitada. Escuta-me com atenção e depois faz o que quiseres: Uma bela noite vi o Jorge subir a calçada apressado. Estranhei mas fechei a janela e não quis saber. Na noite seguinte e à mesma hora, lá ia ele outra vez. Fiquei a matutar toda a noite. Na noite a seguir, pus-me à coca! Ele aparece à mesma hora. Deixei-o adiantar-se um pouco e segui-o. Mais uns passos e zás! Roda a aldraba da porta da tua casa e entra! Não te disse nada. Agora comecei a juntar os cacos todos e jurei a mim mesma que te ia contar. Vê lá o que vais fazer, mulher. Para mim o pobre do Manel está inocente. No dia seguinte o Jorge é chamado ao posto da Guarda. A firmeza com que nega tudo, as juras pela mãe e pelo pai, as lágrimas a correrem pela cara abaixo deixa todo o mundo intrigado. Bom comportamento. Nem para as raparigas olhava. Até lhe chamavam nomes por isso. Homem de trabalho e boas maneiras. Fica naquela noite no posto. Dado o bom comportamento o guarda de plantão também se deitou um pouco. De madrugada e à hora referida pela tia Rosa, Jorge abre a porta do posto e sai, mas deixa a porta fazer barulho. O guarda, que passava apenas pelas brasas, levanta-se estremunhado e corre a trás do prisioneiro e já a apanha ao cimo da calçada. Deita-lhe a mão bruscamente e obriga-o a voltar para o posto. Contudo acha-o estranho. Ele não fala. Mostra-se espantado. E, ao entrar para o posto, desata a fazer perguntas desbaratadas! Tudo indica não estar no seu perfeito juízo. Vai ser submetido a um exame do foro psiquiátrico, visto mostrar-se violento e não dizer coisa com coisa. À noite para dormir pegado é lhe receitado um poderoso calmante. Mas à mesma hora da noite anterior, levanta-se, sai e é apanhado mesmo já a rodar a aldrava da casa da tia Aurora! Era sonâmbulo! avelino.barroso@sapo.pt More Posts Next page »

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